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Marco Bellocchio fala sobre seus filmes na 40ª Mostra

O grande diretor italiano Marco Bellocchio está em São Paulo como homenageado da Mostra de Cinema. É dele o desenho que ilustra o cartaz da Mostra, a capa do catálogo e fornece o mote da vinheta que passa em todas as sessões da Mostra, antes dos filmes. Uma vinheta que evoca um dos títulos contemporâneos mais festejados do diretor, “Bom Dia, Noite”, mas também seu longa de estreia, “De Punhos Cerrados”, de 1965.

Nessa arco de mais de 50 anos de trajetória no cinema, Bellocchio foi sempre um dos cineastas de ponta do seu país, e do mundo. Inovou na linguagem cinematográfica, fundiu política e psicanálise, e nunca deixou de comentar de forma aguda os acontecimentos do mundo real. Foi assim com seus primeiros filmes, “De Punhos Cerrados” (1965), “A China Está Perto” (1967), “Em Nome do Pai” (1971), “Diabo no Corpo” (1986), “Processo do Desejo” (1991), como também nos mais recentes, “Bom Dia, Noite” (2003), “Vincere” (2009) e “A Bela Adormecida” (2012), nos quais fala das repercussões políticas do caso Aldo Moro, da herança do fascismo de Benito Mussolini, e de um caso de eutanásia que colocou a Itália em estado de choque.

Bellocchio traz ao Brasil nada menos que dois longas-metragens novos, além de ganhar retrospectiva dos trabalhos mais antigos. “Belos Sonhos”, distribuído pela Mares Filmes, tem estreia nacional dia 22 de dezembro. O outro, “Sangue do Meu Sangue”, também chegará ao circuito nacional em data ainda indeterminada. “Mas, na verdade, trouxe três filmes a São Paulo”, corrige. “Precisa contar também I Pagliacci”. Um curta, que tem como mote a famosa ópera de Ruggero Leoncavallo. E é pela música que começa a conversa de Bellocchio com a reportagem.

Você fez um belo documentário sobre a ópera La Traviatta, Addio del Passato (2002).

Sim. E precisamos restaurá-lo. É um filme muito simples, feito para o centenário de Giuseppe Verdi, acabou sendo muito modesto, mas acho que funciona. Ele tem um começo divertido, em que as pessoas de Parma e Piacenza disputam a primazia sobre Verdi. A verdade é que ele nasceu em Busseto, na província de Parma, mas a villa onde transcorreu boa parte de sua vida fica em Piacenza.

De qualquer forma, a música parece ocupar um lugar importante em seus filmes.

Como elemento narrativo, digamos assim, embora grandes diretores, como Robert Bresson, tenha dispensado a música em seus filmes. Por exemplo, em determinados momentos de Belos Sonhos, a música é importante. Para marcar a intimidade entre mãe e filho, eles dançam um Twist no início da história. Depois, é num baile que, ao dançar com uma mulher, Elisa (Bérénice Bejo), o protagonista Massimo (Mastrandea) sente uma espécie de liberação de suas fixações na mãe (Barbara Ronchi).

É uma espécie de quebra do Complexo de Édipo, não? Por falar nisso, a psicanálise segue uma referência importante em sua vida e filmes?

Sim, a história de Belos Sonhos é a de um menino que perde a mãe muito cedo, quando ele tinha oito ou nove anos, e ela trinta e poucos. Há um mistério nessa morte e isso conduz a uma certa idealização. Mesmo porque a mãe se dedicava ao filho em regime exclusivo. Ele toca a vida, algo nele se reativa quando, como jornalista, cobre a Guerra da Bósnia e vê uma cena que o impressiona, envolvendo um filho e uma mãe. Depois passa a ter ataques de pânico até conhecer uma mulher suficientemente assertiva para tirá-lo dessa posição.

E daí a resposta sobre a psicanálise já está quase dada, porque a intervenção da personagem de Bérénice Bejo é como um corte psicanalítico que produz efeitos.

Sem dúvida. Claro que a psicanálise teve importância fundamental na minha vida, tanto como instrumento de conhecimento como de cura, mesmo. Hoje, eu não a pratico mais, no sentido em que não me submeto a uma análise. Mas ela figura como horizonte de percepção e portanto está na minha obra de maneira inequívoca.

Já Sangue do Meu Sangue, embora tenha a questão familiar, também é uma reflexão sobre a política.

E também sobre a cidade de Bobbio (3.800 habitantes), que, não sei se os não italianos percebem, é como um personagem do filme. A cidadezinha está na primeira parte, ambientada no século 17, e no presente. Fala-se de poder, em específico o poder da Igreja, no passado, e este caso terrível de uma mulher emparedada viva por acusação de bruxaria. E, depois, no presente, ainda naquele ambiente meio fechado do poder, o da Democracia Cristã, mas já corroído pelo passar do tempo. Havia um sistema equilibrado, feito é verdade de conivências e corrupção, mas que assegurava o mínimo de subsistência a todos. Hoje isso entrou em colapso.

Você foi amigo de vários cineastas brasileiros e vi que conversava com o ator Antonio Pitanga. Você já o conhecia?

Conhecia o Pitanga de ouvir falar por Glauber Rocha, de quem fui amigo, assim como de Paulo César Saraceni, Joaquim Pedro de Andrade, Geraldo Magalhães e outros. Infelizmente todos mortos. Fomos colegas no Centro Sperimentale di Roma e, a partir daquela época, houve grande intercâmbio de ideias e de filmes. Por paradoxo, a Itália e Brasil eram muito mais próximos nos anos 1960 do que agora, com globalização e tudo.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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