Testemunhas falam dos crimes em Tamandaré

Sob um forte esquema de segurança, que chegou a assustar os moradores vizinhos ao Fórum de Almirante Tamandaré, começaram a ser ouvidas – na manhã de ontem – as testemunhas de acusação da quadrilha formada por policiais militares e civis, apontados como responsáveis pelo assassinato de 21 mulheres, além de execuções de pelo menos mais dez homens. O bando, de acordo com os levantamentos realizados pela delegada Vanessa Alice – designada em caráter especial para as investigações – estava envolvido com o tráfico de drogas e de armas, roubo de cargas, assaltos a estabelecimentos comerciais e falsificação de dinheiro.

Os 17 presos – entre eles uma mulher – foram removidos de suas celas para a sala de audiências do Fórum, para acompanhar o depoimentos das 36 testemunhas arroladas. Os 12 volumes do inquérito, que já somam 2.500 páginas, foram intensamente manuseados pelos 16 advogados de defesa que lotaram o plenário. A sessão foi conduzida pelo juiz Marcel Guimarães Rotoli de Macedo e acompanhada pelo promotor Elcio Sartori.

A princípio foram intimadas 12 testemunhas para cada um dos três dias marcados para audiências, porém ontem somente duas puderam ser ouvidas, o que acarretará em atraso nos trabalhos. “Vamos ajustar o calendário de acordo com as necessidades”, afirmou o juiz, durante um pequeno intervalo feito às 16h quando todos deixaram o plenário – onde se encontravam desde às 9h – para fazer um lanche. Até então, somente a professora Dilma Aparecida Machado, 28 anos, havia sido interrogada. Depois dela foi a vez da delegada Vanessa Alice, que repetiu tudo o que havia apurado nos autos.

Medo

Dilma, tida como uma das principais testemunhas, chegou com escolta policial – ela está há mais de dois meses morando em um quartel da Polícia Militar, por segurança – e usando colete a prova de balas. Apavorada, ela se negou a falar qualquer coisa na frente dos acusados ou da imprensa. Por determinação do juiz e sob protestos dos advogados de defesa, os réus não puderam ouvir o que ela tinha a dizer. Durante sete horas a mulher contou novamente tudo o que já havia falado com exclusividade à Tribuna e à polícia em março deste ano.

Os advogados de defesa fizeram o possível para desvalorizar o depoimento, dizendo que ela não sabia de nada ou não lembrava de nada. Todos eles afirmaram que as revelações de Dilma não prejudicaram seus clientes e salientaram que não há provas materiais contra os acusados.

Delegada

No final da tarde a delegada entrou no plenário, quando os 17 acusados já estavam acomodados no lado direito da platéia. De costas para o grupo, Vanessa Alice relatou todas as suas investigações. Apesar da voz baixa, ela demonstrou firmeza em suas declarações, narrando os crimes supostamente praticados pelo grupo. A cada delito citado, os réus se movimentavam nas cadeiras, estalavam os dedos, trocavam sorrisos irônicos ou apontavam para o próprio peito para depois balançar o dedo indicador, demonstrando com o gesto que não haviam feito aquilo. Alguns advogados chegavam a mandar bilhetinhos para os acusados, tentando assim fortalecer a defesa com a troca de informações.

A gravidade do caso é tamanha que com a entrada dos réus no plenário fez-se um silêncio assustador. Uma a um, procurando esconder as algemas, foram se acomodando nas cadeiras os policiais militares Juliano Vidal Oliveira, Jean Adan Grott, Juarez Silvestre Vieira, Jeferson Martins, José Aparecido de Souza, Marcos Marcelo Sobieck, Leily Pereira, o ex-PM Valdirio Adir Mangger, o escrivão da Polícia Civil Alexander Perin Pimenta, o funcionário municipal que prestava serviços na delegacia Juarez Silvestre Vieira e ainda Sebastião Alves do Prado, Celso Luiz Moreira, André Luiz dos Santos, Paulo Celso Rodrigues, Antônio Martins Vidal, Ananias de Oliveira Camargo, e Maria Rosana de Oliveira.

Depoimento durante oito horas

Dilma Aparecida Machado, 28 anos, apontada como testemunha chave dos fatos criminosos ocorridos em Almirante Tamandaré nos últimos três anos, falou durante sete horas para o juiz da comarca e para os advogados de defesa. Nervosa, revelou que tudo o que sabia a respeito da quadrilha tinha ouvido do ex-namorado, Alceu Rodrigues, conhecido pelo apelido de “Beá”, ex-policial militar e um dos mais atuantes membros do bando. “Beá” foi assassinado a tiros, em maio passado, durante uma emboscada, após dizer a todos os cúmplices que se fosse preso iria “entregar” todo mundo.

A testemunha lembrou que o grupo foi responsável por um assalto contra a Ouro Fino, em Campo Largo, e contra um frigorífico, além de um estabelecimento comercial em Matinhos. Citou os nomes dos policiais civis e militares como envolvidos, recordou que os acusados foram os autores do assassinato do empresário Silvio Carlins, dono de uma boate em Almirante Tamandaré e parceiro nos delitos da gangue, além de autores de outras mortes, muitas delas praticadas com requintes de crueldade. Depois foi interrogada pelos advogados de defesa, que procuraram confundí-la com várias perguntas das quais grande parte Dilma não lembrava as respostas.

Descobertas

O depoimento da segunda testemunha – delegada Vanessa Alice – prometia ser mais curto, porém até o fechamento desta edição ela ainda estava sendo ouvida. A policial relatou as dificuldades para chegar até os acusados, justamente por serem em sua maioria policiais militares. “As testemunhas se negavam a dar informações, pois não confiavam na polícia”, contou Vanessa. Foi somente quando a situação se tornou insuportável, que parentes de vítimas resolveram colaborar, revelando as ligações das mulheres assassinadas com o tráfico de drogas e envolvimento com os policiais.

A delegada confirmou que a quadrilha agia em Almirante Tamandaré, Itaperuçu, Rio Branco do Sul e Colombo. As mulheres assassinadas eram utilizadas como iscas para assaltos e como vendedoras de entorpecentes. “Elas, na maioria, eram viciadas em drogas e tinham que vender o produto para sustentar o vício”, explicou. Depois, quando já estavam sabendo demais sobre as atividades da quadrilha, eram seqüestradas, mantidas como reféns, assassinadas e seus corpos eram “desovados” no mato somente quando já estavam em decomposição. Esta tática dos criminosos dificultava o trabalho dos legistas e dos peritos. Algumas das vítimas sabiam que estavam correndo sério risco e chegaram a ter crises de choro e confessar aos familiares que algo ruim iria acontecer, dias antes de desaparecerem de suas casas.

Os quadrilheiros se preocupavam em eliminar todo o tipo de pista, tanto que as agendas pessoais da maioria das mulheres assassinadas desapareceram. Nelas estavam anotados os números dos telefones das pessoas ligadas aos crimes, inclusive de alguns políticos, segundo a delegada. Algumas agendas, porém, foram localizadas, e deverão servir como provas materiais contra os acusados.

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