Seqüestradora de bebê é presa no Sítio Cercado

No quarto de criança já montado, com berço e outros apetrechos para atender recém-nascidos, policiais do Serviço de Investigação de Crianças Desaparecidas, (Sicride), encontraram Gabriele, a criança seqüestrada do Hospital Evangélico, na madrugada de domingo.

A seqüestradora, identificada extra-oficialmente como Márcia de Freitas, estava com o bebê em sua casa, no Sítio Cercado, quando foi surpreendida pela polícia, às 18h de ontem. A divulgação do retrato-falado fez com que denúncias orientassem os policiais.

Apesar de a imprensa e a comunidade terem exercido papel fundamental na solução do seqüestro, por determinação da Secretaria da Segurança Pública, o caso só será apresentado oficialmente hoje. Na noite de ontem, a polícia se negava a passar informações.

O bebê foi encaminhado para o hospital por volta das 21h30, no colo da delegada Márcia Tavares, titular do Sicride, para ser devolvido aos pais. Também conforme informações extra-oficiais, a detida é viúva, e apresentou distúrbios de comportamento, chorando compulsivamente em seu depoimento. A acusada mora ao lado da casa de sua mãe, que disse não ter tomado conhecimento da situação nem ouvido choro de bebê.

Márcia de Freitas teria pego um ônibus, pouco depois da meia-noite de sábado para domingo, com a criança levada dos braços da mãe, Josiane de Fátima Baggio Carlos. Gabriele é a primeira filha de Josiane. De acordo com um segurança do Hospital Evangélico, que não quis se identificar, a segurança é realizada por nove homens por turno. A seqüestradora entrou pela recepção principal, destinada a pacientes com convênios de saúde e saiu pelo pronto-socorro, vinda da ala pediátrica. O vaivém de mães com crianças no colo teria facilitado a saída da seqüestradora.

O diretor-geral do hospital, Charles London, relatou aos repórteres que a criança e a mãe passavam muito bem na hora do reencontro.

A criança foi reencaminhada para o setor de pediatria, onde seriam avaliadas suas condições clínicas, durante as próximas 24 horas. ?Vamos reforçar nossos procedimentos de segurança?, garantiu.

?Quero viver em paz?

Num depoimento emocionado à imprensa, o pai de Gabriele, João Batista dos Santos Carlos e a cunhada dele, Maria de Lourdes Baggio, agradeceram a corrente de oração feita pelo povo brasileiro e garantiram que não pretendem processar o Hospital Evangélico.

?Eu não tenho ressentimento de ninguém, nem mesmo da mulher que raptou minha filha. Quero apenas viver em paz com meu bebê?, disse João.

Lourdes garantiu que a família não guarda mágoas da seqüestradora, que ela não irá julgá-la ou condená-la, uma vez que desconhece os motivos que a levaram a roubar a criança. ?Pelo que a polícia me contou ela perdeu um filho e por isso raptou minha sobrinha. Quem sou eu para julgar a dor da perda de uma mãe. Espero que o que aconteceu aumente a fé do povo, porque Deus existe?, disse emocionada a mulher.

Quando questionado se assistia à novela Senhora do Destino, João contou que não perdia um só capítulo e que freqüentemente passava a mão na barriga da esposa alertando-a do perigo com a ?Nazaré?. ?Eu brincava com a minha esposa, mas jamais imaginava que isso pudesse acontecer de verdade?, contou.

Sindicância e mais segurança

O Hospital Evangélico abriu uma sindicância para apurar o caso de seqüestro do bebê Gabriele, que estava na enfermaria do 7.º andar, durante a madrugada de domingo. O diretor-geral, Charles London, em entrevista coletiva concedida ontem, não comentou se houve falha na segurança. Para ele, só a sindicância poderá esclarecer a situação. Até agora ninguém foi demitido.

O trabalho da comissão ainda não tem data para terminar. Segundo London, durante a noite apenas duas portarias ficam abertas. Na primeira delas a seqüestradora foi barrada, ela tentou entrar dizendo que precisava fazer exames. Depois, se encaminhou para a outra entrada e quis se passar por enfermeira. Como não tinha crachá de identificação, foi barrada mais uma vez. No entanto, como havia muitas pessoas no local ela acabou entrando. London diz que existem horários específicos para a troca de turnos, mas também é comum os funcionários entrarem em outros horários devido às horas extras e outras situações.

London explica ainda que não foi estranhado o fato de a mulher ter saído com o bebê de madrugada, já que existe o pronto atendimento e é comum a presença de mães e crianças durante a madrugada. Hoje trabalham no hospital três mil funcionários e são atendidas cerca de cinco mil pessoas diariamente. Todo mês são realizados 360 partos. Os procedimentos de segurança estão sendo reforçados.

Seqüestradora pode ter sido influenciada por novela

A frustração de não poder ter um filho, ou de tê-lo perdido, pode ter influenciado a mulher que seqüestrou Gabriele a cometer o crime. Durante meses a novela exibida em horário nobre da Rede Globo retratou a saga de uma mãe na busca frenética pelo paradeiro da filha, recém-nascida, roubada por uma falsa enfermeira. No sábado, a reprise do último capítulo foi ao ar, e poucas horas depois o bebê foi seqüestrado da mesma maneira, no Hospital Evangélico. Coincidência, ou a criminosa curitibana se deixou influenciar pela vilã do folhetim? Segundo o médico psiquiatra e chefe do Laboratório de Hipnose Forense, Rui Fernando Cruz Sampaio, nenhuma das duas hipóteses pode ser descartada.

Segundo Sampaio, há pelo menos três possibilidades para o caso. Uma delas é de que realmente a seqüestradora tenha sido influenciada pela novela. Essas pessoas são conhecidas como sugestionáveis, ou seja, que têm a capacidade de se deixar persuadir por alguém ou por alguma coisa. Esse tipo de personalidade é despertada por um estímulo, podendo vir de um filme ou até mesmo de uma novela. ?Se a mulher já tinha o intuito de roubar o bebê e a televisão mostrou que a personagem conseguiu fazer isso, a novela pode ter sido o elemento motivador. Geralmente essas pessoas se emocionam em demasia com a ficção porque acabam incorporando o fato à sua vida. Quando assistem um filme, por exemplo, assumem a dor do personagem, choram e vivem aquilo como se fosse com elas mesmas?, explica Sampaio.

Outro fator correlato é o impulso. Geralmente essas pessoas tem uma grande dificuldade de controlar seu ímpeto. ?Se ela queria ter um filho e não podia por razões biológicas, certamente não teve paciência de seguir os mecanismos legais, raptando o bebê para satisfazer seu desejo imediato. Este fato caracteriza um desvio de personalidade?, complementa o médico.

Ainda em relação à influência da mídia, Sampaio relembra a questão dos suicídios. Jornais geralmente não divulgam estes casos de morte justamente para não instigar as pessoas prédispostas a cometê-los.

Outras

A segunda hipótese levantada pelo médico refere-se a questão da personalidade sociopata. Segundo ele, essas pessoas geralmente querem aparecer na mídia de qualquer maneira, seja por cometerem fatos construtivos ou destrutivos. ?Elas têm prédisposição a querer. A seqüestradora pode ter se identificado com a novela e percebido que, se fizesse o mesmo, ganharia repercussão nacional. O seqüestro pode ter sido uma forma da pessoa exaltar o ego e se projetar na mídia.

Por fim, Sampaio explica que ainda pode ser uma terceira possibilidade, que a ficção não tenha ligação alguma com a realidade, e que a criminosa já estivesse planejando cometer o seqüestro independente do que estava sendo veiculado na televisão.

Enfermagem critica hospital

O Hospital Evangélico não mantém o número adequado de funcionários e mantém enfermeiros em situação irregular. Esta denúncia foi feita por meio de carta da presidente do Conselho Regional de Enfermagem do Paraná, Coren-PR, Jurandy Kern Barbosa, enviada à redação da Tribuna. Segundo a correspondência, esta situação teria colaborado para o seqüestro de Gabriele.

?A Sociedade Evangélica Beneficente, mantenedora do Hospital Evangélico de Curitiba, tem sido uma das entidades que mais reluta em entender o real papel e importância da organização do serviço de enfermagem nas instituições prestadoras de assistência à saúde?, diz a carta. Entre as irregularidades apontadas também estão: ?inexistência de enfermeiro responsável técnico, exercício irregular de funcionários

com inscrição provisória junto ao Coren-PR vencida e ausência de enfermeiros para cobrir as 24 horas de atendimento em determinados setores?.

Outros casos solucionados

O Serviço de Investigação de Crianças Desaparecidas (Sicride) já trabalhou com sucesso em outros casos envolvendo bebês. O mais recente deles aconteceu em janeiro de 2000, quando a garotinha Caroline Rodrigues de Jesus, na época com quatro meses, foi seqüestrada no terminal do Capão Raso, às 18h do dia 18 de janeiro. Dois dias depois, o bebê foi localizado em uma casa situada na Vila Sabará, na Cidade Industrial. Uma garota de 16 anos, foi detida. Ela alegou que havia tido um bebê no dia 4 de novembro de 1999, que nasceu morto. Ao voltar para casa, mentiu para o amásio que o bebê havia nascido com graves problemas de saúde e teve que ficar internado, não podendo receber visitas de parentes. Pressionada, pelo amásio a jovem teve a idéia de seqüestrar a menina, mas foi descoberta.

Gravidez simulada

Policiais do Sicride relataram que é comum mulheres que desejam ter filhos simularem gravidez. Para sustentar a mentira elas precisam de uma criança e acabam se tornando criminosas. Outro caso solucionado foi de uma jovem curitibana que conheceu um empresário paulista bem sucedido e simulou que estava grávida. A mulher começou a comer desesperadamente para ganhar peso e sustentar a mentira. Sua intenção era cobrar pensão alimentícia. O suposto pai da criança, que tinha a intenção de criar o filho, procurou o Sicride, que localizou a mulher para esclarecer os fato. Ela chegou a levar o filho de uma conhecida à polícia, para dar continuidade à fraude, mas foi descoberta.

Mas a mulher que ganhou notoriedade como seqüestradora de bebês, no final da década de 80 e até meados dos anos 90s, foi Arlete Honorina Victor Hilú, que chegou a ser presa por policiais federais por seqüestrar crianças e vendê-las para casais estrangeiros, principalmente de Israel. Com documentos falsos, os bebês eram levados para o Paraguai e lá negociados por milhares de dólares. Devido a repercussão dos seqüestros, os hospitais passaram a tomar medidas para impedir a retirada de bebês, deixando os recém-nascidos aos cuidados da própria mãe, no quarto ou na enfermaria, ao invés de deixá-los em berçário.

Também devido a esses casos, é que aconteceu a criação do próprio Sicride, que veio suprir a necessidade da existência de um órgão policial exclusivo para atender ocorrências envolvendo crianças de até 12 anos.

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