Presos nas teias da esperança

A esperança de conseguir um trabalho honesto quando sair da cadeia e através dele recomeçar a vida é a força que impulsiona cerca de 270 internos do sistema penitenciário do Paraná a freqüentarem cursos profissionalizantes oferecidos nas diversas unidades prisionais. Entre a marcenaria, a fábrica de uniformes e os trabalhos de jardinagem e produção de mudas, dentre outros, que acontecem na Prisão Provisória de Curitiba, no Ahu, condenados manuseiam as ferramentas e máquinas sob a orientação de profissionais do ramo e sob os olhares atentos dos guardas de segurança. O clima não chega a ser de descontração – coisa praticamente impossível dentro de uma cadeia – mas nota-se que os semblantes dos "operários" mudam na medida em que se envolvem na "lida" e conquistam pequenas vitórias, como pregar um viés ou ver florir uma planta que ornamentará o jardim interno da prisão.

Aprendiz

As mãos que antes seguraram armas ou fizeram o repasse de drogas, agora buscam outro caminho. O do aprendizado, que poderá significar a verdadeira liberdade. Luiz Carlos Costa Júnior, 39 anos, condenado a 6 anos e 3 meses, por um crime que ele não quis revelar, está há um ano na fábrica de uniformes e distante 3 anos da porta de saída da cadeia. "Só espero que os empresários entendam o nosso esforço. Quem é selecionado para os cursos é porque está realmente disposto a seguir uma vida correta, mas precisa de uma chance quando sair. Precisa de uma oportunidade lá fora. Espero que abram portas para a gente?, diz ele.

Nos últimos sete meses, Luiz Carlos e outros 22 colegas estiveram absorvendo os conhecimentos da professora Maria de Jesus da Costa Durand, 64 anos, costureira profissional. Escolhida para integrar o Programa de Qualificação do Depen (Departamento Penitenciário), ela ministra as aulas de corte e costura na fábrica de uniformes. Considera os alunos "ótimos" e diz que são persistentes no aprendizado. Com a ajuda dos agentes Márcio e Milton, manipula centenas de metros de tecidos diversos, transformando-os – com os aprendizes – em calças, jaquetas, camisetas, jalecos e cuecas. As aulas se encerram neste 2 de dezembro, mas o canteiro de obras já está implantado. Será dali que, a partir de janeiro, sairão 45 mil peças de roupas a serem distribuídas durante o ano aos detentos recolhidos nos presídios de todo o Paraná.

Depois que a professora encerrar sua participação, os agentes e os presos mais experientes terão a tarefa de dar continuidade aos ensinamentos aos que forem se agregando à fábrica, até que um novo curso seja ministrado.

Novidades

Para o ano que vem, estão previstos mais 93 cursos de qualificação profissional, que serão distribuídos entre as 16 unidades penais do Paraná e que deverão atingir 20% da massa carcerária (cerca de 1.800 reclusos). "Sabemos que isso ainda não é o ideal, mas é o que temos e vamos melhorar na medida do possível", explicou a coordenadora do Programa de Qualificação Profissional do Depen, a professora Sônia Monclaro Virmond, 47, referindo-se ao número de presos que poderão fazer os cursos.

Dizendo-se uma apaixonada pelo serviço público e sabedora da importância de dar uma oportunidade de recomeço aos apenados, Sônia não mede esforços para conseguir a aprovação do governo do Estado para os cursos. "Os recursos já foram aprovados e virão do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), do Fundo Penitenciário e da Secretaria do Trabalho", explica. Salienta ainda que a necessidade de profissionalização obedece a três ordens básicas, que são: a legal (é obrigação do Estado ressocializar o preso através do trabalho), a humanitária (dar uma nova chance a alguém e fazer com que a pessoa tenha melhor qualidade de vida) e a pragmática (espera-se que o preso saia da cadeia melhor do que entrou).

"Na Penitenciária Feminina as mulheres estão fazendo moletons, que também farão parte do uniforme dos detentos. Elas estão felizes e este é um jeito social de pagar a pena. É uma forma produtiva de se desculpar com a sociedade, sem contar que a cada três dias de trabalho, há remissão de um dia de pena", explica a coordenadora, que não gosta que os presos lhe agradeçam pelos cursos. "É nossa obrigação", resume.

Trabalho interno e qualificação externa

Sônia Virmond, coordenadora.

Os cursos ministrados aos presos não são escolhidos aleatoriamente nem se trata de trabalho voluntário. Os professores são pagos e têm obrigação de cumprir 200 horas/aulas. Deste total, 40 horas/aulas são dedicadas a conteúdos de cidadania, que incluem dinâmicas, discussões, exposições teóricas sobre postura profissional, relacionamento no trabalho, apresentação de currículo e outras informações que serão úteis quando chegar o tão esperado momento de sair.

De acordo com a coordenadora Sônia Monclaro Virmond, as qualificações dão suporte para a criação de novos canteiros de trabalho comunitário, ou seja, que servem para todas as unidades do Depen, ou ainda podem atender somente a unidade onde estão sendo ministrados. Há ainda os que incrementam os canteiros já existentes e os que visam a futura integração do detento no mercado de trabalho.

Dentro desta ótica, este ano foram ministrados, na Prisão Provisória de Curitiba, os cursos de marcenaria básica, jardinagem, costura industrial. Na Colônia Penal Agrícola, auxiliar de panificação, jardinagem e corte de cabelo masculino. Na Penitenciária Feminina, auxiliar de panificação, costura industrial – produção de malhas, pedicure, manicure, depilação e maquiagem.

Em três outras unidades, a Penitenciária Central do Estado e as penitenciárias estaduais de Londrina e Maringá, foram aplicados os cursos de química (com ênfase na produção de material de higiene pessoal e limpeza); eletricista instalador predial e montagem e manutenção de microcomputadores.

Doutoras às ordens dos menos afortunados

Márcia, respeitada por todos.

Com formação em letras, mestre em lingüística e depois de ter morado alguns anos em Paris (França), Sônia Monclaro Virmond sente-se bastante bem ao conviver com os menos afortunados que lotam as cadeias do Estado. "Poderia ter outra ocupação, mas sei que aqui há chance de melhorar a vida de outras pessoas", diz ela. O mesmo acontece com a engenheira agrônoma Márcia Marzagão Ribeiro, 38 anos, doutora em silvicultura (estudo das árvores da floresta) pela Universidade Federal do Paraná. Grávida de cinco meses, ela enfrenta o sol escaldante do início da tarde (até que enfim faz sol em Curitiba), ao lado de seus 20 alunos presidiários. Pacientemente explica como produzir mudas, fazer um canteiro, o plantio da grama, formar sementes, preparar a adubação sem o uso de venenos e até produzir e usar plantas medicinais. "Ensinei que o boldo é bom para o estômago, mas tem que ser esmagado com água fria", diz Márcia, lembrando que nem sempre os presos têm acesso aos remédios. O fato de estar trabalhando dentro de uma penitenciária masculina não a preocupa. Ela é respeitada pelos detentos e pelos agentes. "Eles ficam agradecidos ao receberem os ensinamentos", revela.

Do nó de bruxa a São José: tudo é possível

Nós de bruxa e tabuleiros de xadrez são dois jogos produzidos na marcenaria da Prisão Provisória de Curitiba. Por enquanto a distribuição é restrita, mas já existe a vontade de convencer as autoridades do Depen a investir numa produção maior.

"Quem sabe dará pra enviar os tabuleiros de xadrez para as escolas da rede estadual de ensino?", pergunta um dos presos, animado com a idéia. Enquanto isso, outro lixa as madeirinhas que se transformam em mais um "nó de bruxa". Para quem não sabe, é uma espécie de quebra cabeça de madeira, semelhante a um nó, que parece impossível de soltar. E pior, é quase impossível de remontar. Precisa de muita paciência… Muita paciência…

Lourival Valdana é o agente responsável por este canteiro de obras. Orgulhoso, exibe os móveis que estão ali para sere recuperados e até as carteiras escolares que são confeccionadas pelos presos. "A peça mais importante já feita aqui é uma estante, que está na sala do diretor do Depen", salienta. Há 20 anos no setor, é quase um "paizão" para alguns dos presos. "Tem o caçulinha, aquele ali de camisa branca, que eu até chamo de filho. Ele só tem 18 anos", revela, mostrando-se triste ao constatar que a idade dos condenados é cada vez menor. "Só tem garotão aqui. Só dois têm mais de 35 anos. Os demais não passam de 25", comenta.

Em cima de um dos balcões, coberta de poeira, está uma capelinha azul marinho, também feita na marcenaria, que ainda necessita de acabamento. Lourival abre as portinhas e explica que depois de terminada, a capelinha vai receber a imagem de São José (padroeiro dos marceneiros) e será colocada em um lugar de destaque no galpão, para que o santo possa proteger a todos, sem distinção.

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