No Brasil, uma mulher é espancada a cada 4 minutos

Medo, dor, humilhação e vergonha. Sentimentos como estes muitas vezes calam milhares de mulheres que são espancadas pelo marido ou namorado, deixando os agressores impunes, tornando a violência ilimitada. Já aquelas que criam coragem em pôr fim ao sofrimento e os denunciam à polícia, estão contribuindo para que venha a conhecimento público os números alarmantes deste tipo de crime. Estima-se que no Brasil a cada quatro minutos uma mulher é agredida, segundo a Sociedade Mundial de Vitimologia. Em Curitiba, esta realidade não é muito diferente, uma vez que no ano passado mais de 1.600 denunciaram a violência sofrida dentro de casa.

A Delegacia da Mulher de Curitiba possui uma lista de aproximadamente 40 modalidades de delitos que podem ser cometidos contra a mulher. Deste total, a lesão corporal apresentou o maior número de ocorrências em 2004: 1622. Somente em janeiro deste ano foram registrados 179 casos. O segundo crime que mais atingiu a curitibana no ano passado foi o de ameaça, totalizando 1.242 ocorrências. Em seguida estão os de injúria e difamação, as conhecidas ofensas verbais, que, somados, apresentaram 444 casos.

Os números referentes a apenas estes quatro delitos equivalem a 87% do total de ocorrências registradas na delegacia especializada em 2004. Isto é, dos 3.760 boletins de ocorrência, pelo menos 3.308 são referentes a violência ocorrida dentro do ambiente familiar. Isto comprova a constatação feita pela Organização Mundial da Saúde, que afirma que 70% dos casos de agressões são cometidos por namorados, amásios ou maridos das vítimas.

Medo

As estatísticas só não são maiores porque, de acordo com o Movimento Nacional dos Direitos Humanos, 52% das mulheres que sofrem agressões domésticas deixam de ir à delegacia registrar queixa. Não é apenas por medo de sofrer represálias que elas se calam, mas porque, na maioria das vezes, o homem é o provedor da casa. A insegurança de não ter para onde ir ou, condições de sustentar os filhos faz com que o silêncio e a omissão tornem-se muito maiores do que a dor. Além desse fator, a paixão também tem um lugar cativo nesse cenário. De acordo com Vera Lucia Bartz, presidente da Associação das Mulheres Donas de Casa e Consumidoras do Paraná (Ampar), que presta assistência às vítimas de violência doméstica, algumas mulheres ainda são apaixonadas pelo marido e por isso acabam suportando tanto a violência psicológica quanto a física. Outras não têm provas contra as injúrias e difamações sofridas, por isso acreditam que de nada adiantaria levar o caso à polícia. Além disso, a falta de coragem ou iniciativa em denunciar o companheiro tráz ainda outro grave problema. Segundo Vera, a maioria das mulheres que sofre calada torna-se depressiva. E é justamente para atender esse tipo de problema que a Ampar disponibiliza atendimento psicológico gratuito. Porém, são poucas as que vão até o fim quando decidem mudar de vida e dar um basta na violência. "Muitas vêm nos procurar quando são espancadas e na Ampar começam a fazer tratamento psicológico. Porém, infelizmente, na terceira sessão elas param, achando que não precisam mais de ajuda. Tempo depois elas retornam, mas isso só acontece quando apanham de volta. É o medo de tentar dar um novo rumo à sua vida", finalizou Vera, lamentando a omissão das mulheres e a falta de consciência e apoio da sociedade como um todo para emplacar uma punição mais severa aos agressores e uma assistência mais efetiva à vítima.

Amparo e orientação através de voluntárias

A falta de amparo às vítimas de violência doméstica fez surgir, há cinco anos, a Ampar, Associação das Mulheres Donas de Casa e Consumidoras do Paraná. O órgão, com sede em Curitiba, atende mulheres de todo o Estado, prestando atendimento psicológico e jurídico gratuito, além de orientar como proceder em casos de agressão. De acordo com a presidente da associação, Vera Lúcia Bartz, que também foi vítima do mesmo crime, além de prestar apoio a essas vítimas, o órgão luta pela aposentadoria da dona de casa. Sem fins lucrativos, a associação é comandada por voluntárias, que contribuem com sua própria experiência para o seu funcionamento. A sede da Ampar é situada na Avenida Marechal Deodoro, 503, 2.º andar, conjunto 205 e 206, centro. O telefone é 232-0608.

Punição branda não inibe agressores

Doação de cestas básicas, remédios, cobertores, brinquedos a uma instituição de caridade ou trabalho voluntário. Penas brandas como estas é que muitas vezes fazem com que os homens acostumados a agredir mulheres não se intimidem perante a Justiça, e continuem a violentar suas companheiras.

De acordo com o advogado e membro da Comissão Nacional do Conselho de Direitos Humanos, Dalio Zippin Filho, apenas quando a lesão é grave o agressor passa a ser julgado pelas varas criminais. Porém, nos demais casos, como um tapa no rosto, que caracteriza uma agressão leve, ou ameaças de morte, o homem assina apenas um termo circunstanciado e a ocorrência é encaminhada ao Juizado Especial. Quando isso acontece são feitas as audiências de conciliação e, caso a vítima queira suspender a denúncia, o processo é arquivado depois de seis meses. Porém, se não houver entendimento entre o casal, o agressor pode ser condenado a pagar penas alternativas, que variam conforme as condições financeiras do condenado.

Segundo Dálio, existem alguns quesitos que diferenciam a agressão grave da leve. Entre eles estão as marcas da violência deixadas por mais de 30 dias, que impossibilitam a vítima de exercer suas funções cotidianas ou profissionais. "Se o companheiro quebra o braço da mulher que trabalha como digitadora, ou dá um soco em seu olho, que descole a retina, por exemplo, isso caracteriza lesão grave. Porém, se o mesmo ataque resultar apenas em hematomas, sem danos para a prática das funções, carateriza-se como agressão leve", explica Zippin.

Independente da gravidade da lesão, o importante é que a vítima comunique as autoridades da agressão sofrida para tentar impedir novos atos de violência. (PC)

Submissão pelos filhos

Separada do marido há cinco anos, Cirlei Siqueira, 52, é mais uma personagem da triste história de agressão e submissão vivida por milhares de mulheres. Quando ainda morava em São Paulo, ela ficou grávida e o marido negou a paternidade da criança. Revoltada, deu início ao processo de investigação de paternidade, e quando o filho do casal já tinha três anos, o homem recebeu uma intimação. Neste dia ele avançou sobre ela, desferindo vários socos em sua boca, além de tentar esganá-la. No momento da briga, a criança apanhou uma vassoura e tentou defender a mãe. A mulher conseguiu correr até a rua, onde foi socorrida por policiais militares que a levaram para o hospital. Além de ter um dos dedos das mãos deslocado, Cirlei teve vários dentes quebrados e ferimentos na boca.

Ela o denunciou à polícia, mas com medo de não conseguir sustentar o filho sozinha, não saiu de casa. Os dois foram chamados para uma audiência, onde fizeram um acordo e o agressor pagou seu tratamento dentário. Depois disso o caso foi arquivado. Cirlei ainda conviveu alguns anos com o companheiro, em meio a diversas brigas, e há cinco conseguiu a separação. "Infelizmente as donas de casa que têm filhos e são sustentadas pelo marido viram prostitutas dos próprio companheiros. A gente faz e agüenta qualquer coisa por um prato de comida e um teto para o nosso filho. E é por isso que eu entendo quando muitas prestam queixa e mesmo assim continuam morando com o agressor. Isso só vai mudar quando o Estado passar a dar a assistência necessária para estas mulheres", finalizou Cirlei, que hoje vive de aluguel de casas que construiu fazendo "bicos" como vendedora.

Espancada até dentro do xadrez

Após ficar sete meses presa por matar o marido (um policial civil aposentado), de quem apanhou durante oito anos, Cláudia de Paula Maestrelli, 28 anos, contou com exclusividade para a Tribuna o que passou durante o tempo que esteve na cadeia. Por ser mulher de policial, chegou a ser agredida dentro do xadrez do 9.º Distrito por investigadores e pelas presas que foram instigadas por eles, que queriam vingar a morte do colega.

Cláudia conta que foi presa logo após assassinar o marido, o escrivão Claudemir Dalla Martha, 52, no dia 4 de agosto do ano passado. Ela ainda carregava as marcas das agressões da violência sofrida nos dias anteriores, quando acionou o gatilho, tirando a vida do homem que a espancava freqüentemente.

Vingança

No dia 6 de janeiro deste ano, segundo ela, estavam de plantão no 9.º Distrito Policial (Santa Quitéria) os investigadores Vera Regina Lachoviski Zuko e Everson Pena, que teriam instigado as demais presas a espancá-la. Eles também participaram das agressões, de acordo com Cláudia. "Eles criaram uma situação para as presas me baterem. A investigadora Vera entrou no xadrez à 1h da manhã e começou a falar para as 52 detentas que eu era alcagüeta. Comecei a apanhar na frente dela. Depois a Vera saiu. Consegui escapar das presas por alguns instantes e bati na porta, desesperada por socorro. Conversei com ela e o Pena para eles me colocarem na ?tranca? (uma cela isolada), mas eles disseram que eu queria ficar lá porque tinha homem. O Pena me deu um soco e me jogou para dentro da cela de novo, onde apanhei mais ainda", lembrou Cláudia, que apesar do tempo transcorrido, ainda apresenta marcas das agressões.

"Pensei que iria morrer. Só às 4h da manhã os dois abriram a cadeia e ordenaram: ?agora chega de bater nela. Ela já ganhou o que merecia?, revelou a mulher, completando: "Depois tive que lavar os lençóis e fronhas que ficaram ensopados de sangue".

Após a troca de plantão, uma policial viu o estado em que ela estava. Só então Cláudia recebeu o socorro e foi conduzida ao posto de saúde para ser medicada. Depois ela foi encaminhada para o Complexo Médico Penal, em Piraquara, onde ficou durante seis dias. "Pensei que iria ficar louca. Aquilo é de enlouquecer qualquer um", comentou. Em seguida, foi removida para a Penitenciária Feminina do Estado, também em Piraquara, onde teve que ficar em uma cela separada, chamada "seguro".

Denúncias

Dálio Zippin, advogado de Cláudia, foi avisado no mesmo dia em que sua cliente foi agredida e requisitou que ela fosse encaminhada para exames de lesões corporais. Além disso, comunicou a Corregedoria da Polícia Civil e a Promotoria de Investigações Criminais (PIC). Ambas instauraram inquéritos para apurar as denúncias.

O coordenador da PIC, Dartagnan Cadilhe Abilhôa, informou que o procedimento já está quase finalizado. O delegado Adonai Armstrong, da Corregedoria da Polícia, informou que o processo ainda está em fase de instrução.

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