Morador faz mapa do tráfico

Um mapa. Nada mais que um mapa, desenhado numa grande cartolina, cheio de cores, nomes e números. Não foi feito por um profissional, mas mereceu os cuidados de alguém que não agüenta mais ver o tráfico de drogas dominar a Vila Nossa Senhora da Luz, bairro onde moram seus familiares. Que não suporta ser espectador de um filme real, onde vidas são colocadas à prova dos entorpecentes, nas mãos dos piores assassinos dos tempos atuais, os traficantes.

Há sete meses a Tribuna foi apresentada a este mapa. Um denunciante, apostando na credibilidade do jornal, entregou a cópia original do seu trabalho. Passou meses desenhando, colorindo e identificando casas, ruas e pontos de referência. Temendo pela vida, fez apenas dois pedidos: o primeiro e óbvio, para não ser identificado. O segundo, que a Tribuna tomasse providências, pois a Vila estava dominada pelos barões do tráfico.

O mapa impressiona pela complexidade. Ruelas e casas das praças 1 e 2 estão fielmente reproduzidas. Tudo feito a caneta esferográfica e colorido com lápis de cor. Na base, a legenda de tudo, conforme as cores dispostas acima.

Com clareza de detalhes, ele coloca em vermelho os pontos dominados Éder e Verê, que ele chama de chefes e líderes do tráfico de crack e cocaína na região. São cinco casas ao redor da praça 2 e outras duas na praça 1.

Em marrom estão os estabelecimentos que seriam comandados por Márcio Leitão. São outras sete bocas. O traficante Marcos Becão domina, segundo o denunciante, seis pontos. São as maiores redes, que numa legenda à parte aparecem juntas, como sendo a união de três grandes grupos.

Com menos poder aparece um tal de Ali, com duas bocas que funcionariam em parceria com um camarada chamado Serginho Labirinto. Neste negócio até as mulheres têm vez. Segundo o mapa, Dani e Valquiria atendem suas vítimas na Rua Demerval Prestes Branco, antiga Alameda 2. “Tuquinha”, a quem também se imputa a profissão de matador de aluguel, habita uma casa na Rua Chirlei (sic) Solange Mantovani.

Fechando o comércio, na praça 2 são identificadas outras três bocas, onde aparecem os nomes Fernando, Ferrugem, Dani e Sandra.

É ou não uma denúncia consistente? Pois a providência tomada pela Tribuna foi oficiar as autoridades competentes. Primeiro a Polícia Federal e depois a Polícia Militar. Mapas foram enviados, reproduções chegaram às mãos de comandantes. Passados sete meses, nada foi feito e a Tribuna traz a denúncia à tona. E que as autoridades façam, agora sob a tutela de um novo governo e de novos comandantes, a sua parte!

Investigações ficam na promessa

Com o mapa de todas as informações disponíveis, a Tribuna procurou – em junho do ano passado – primeiramente a Polícia Federal, já que as denúncias davam conta do envolvimento de policiais civis e militares com os traficantes. O superintendente da PF, delegado Juliano Maciel, recebeu pessoalmente a denúncia, prometendo investigações. Passou o caso para o delegado Maurício Valeixo, da Divisão de Entorpecentes. A primeira impressão era de que alguma coisa seria feita.

Três meses se passaram e nada aconteceu. De acordo com os policiais, não havia efetivo suficiente para cuidar desse trabalho. A força-tarefa montada para combater o crime organizado no Espírito Santo mobilizou policiais federais do Paraná, desguarnecendo a segurança local. Mais tarde, com o início da campanha presidencial, a PF também teve que disponibilizar seu efetivo para a segurança dos candidatos à Presidência da República. E o tráfico de drogas na pequena e perigosa Vila Nossa Senhora da Luz passou para segundo plano.

A Tribuna consultou então um delegado da Polícia Civil. Dada a falta de efetivo e a dificuldade de se fazer uma grande e orquestrada operação para vasculhar a vila, o policial disse que a Polícia Militar teria mais condições de cuidar do caso.

Um encontro foi marcado com oficiais da PM, do Comando do Policiamento da Capital. Da mesma forma que a PF, os oficiais, a princípio, se mostraram bastante interessados na situação. Prometeram investigações mais apuradas e até a criação de uma pequena força-tarefa, mas também nada foi feito.

Policiais estão no esquema

Policiais corruptos também fazem parte do esquema, tanto da Polícia Civil quanto da Polícia Militar. Não é raro se observar viaturas trafegando devagar, sempre com os mesmos indivíduos em seu interior, passando pelas apertadas ruas. Não é patrulhamento. Eles estão avisando que vieram buscar a parte que lhes cabe. Alguns policiais civis, diz o denunciante, chegam a fazer contato até por telefone com os traficantes, avisando o horário e o local onde apanharão o dinheiro. Já os milicianos costumam passar próximos ao hospital existente na vila, em dias e horários determinados, para fazer a coleta.

Em contrapartida, tais policiais avisam quando serão feitas operações especiais ou qualquer tipo de ação para coibir o tráfico na região. Alertados, os traficantes se “encolhem” por determinado tempo, aguardando que “as coisas se acalmem”.

Embora exista uma grande concorrência entre eles, na hora de agir contra a polícia ou qualquer agente externo, os grupos rivais se aliam. Trocam informações entre si. Passado o perigo, a disputa interna continua e qualquer deslize é pago com a vida.

Protegendo os pontos do comércio maldito

Os traficantes caminham armados pelas ruelas, demarcando seus territórios. Muitos não passam de garotos de 18 a 20 anos, que se criaram em meio às drogas e foram alçando postos na hierarquia do tráfico, na mesma medida em que iam ganhando idade. Outros são filhos, netos, primos ou têm algum grau de parentesco com antigos traficantes, muitos deles já mortos na guerra travada entre gangues rivais.

Diferente de Rio de Janeiro ou São Paulo, as armas não são exibidas acintosamente pelos seus portadores. Mais discretos, eles as mantêm escondidas embaixo de camisas mais largas ou jaquetas de couro. No fim da tarde a droga já está embalada, pronta para a venda e cada um se coloca em um ponto estratégico, para garantir seu negócio. Olheiros avisam a chegada de intrusos ou clientes. Há toda uma forma de comunicação entre eles por sinais, mímicas, olhares, assobios e até tiros.

No caso da chegada de policiais, o esquema se desfaz em segundos. Motos potentes e carros com motores turbinados são o bastante para que os traficantes deixem as viaturas para trás. A própria geografia da vila facilita a fuga e a entrada rápida em portões que escondem garagens estrategicamente construídas para isso. Fica difícil prender alguém em flagrante. O território é tomado pela droga.

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