Crime sem Castigo

Metodologia da Sesp deixa centenas de assassinatos fora das estatísticas

Reportagem: Rosana Félix, Bruna Maestri Walter, José Marcos Lopes e Rogerio Galindo

Em cinco anos, cerca de 400 assassinatos que ocorreram em Curitiba não entraram na estatística oficial da Secretaria de Estado da Segurança Pública (Sesp). São casos em que uma pessoa morreu após ser baleada, agredida, esfaqueada ou queimada, segundo o Sistema de Informações de Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde. Segundo a Sesp, ocorreram 3.214 mortes violentas entre 2007 e 2011; o SIM indica 3.626 ocorrências.

Um dos motivos que pode explicar essa diferença é a metodologia utilizada pela Sesp: os relatórios estatísticos levam em conta o número de inquéritos policiais instaurados no período, e não exatamente o número de mortes. Mas, conforme a Gazeta do Povo revelou na série Crime sem Castigo, a Polícia Civil leva em média três meses após a morte para abrir um inquérito – em alguns casos, a demora foi superior a dois anos. Dessa forma, o número de inquéritos não demonstra fielmente o número de ocorrências no período.

Latrocínios

Outra possibilidade é que os assassinatos ocorridos após roubos são considerados pela polícia como latrocínio. Mesmo assim, há um grande número de mortes que não são devidamente investigadas porque não são contabilizadas de forma adequada.

Ao utilizar o número de inquéritos de homicídios dolosos, nem sempre a Sesp registra menos ocorrências. Em 2011, por exemplo, o governo estadual contabilizou 685 mortes violentas; segundo o SIM, foram 632. Nesse mesmo ano, a Polícia Civil criou o grupo Homicídios não Resolvidos (Honre), com o objetivo de investigar casos que estavam sem solução desde 2009. De acordo com o delegado Rubens Recalcatti, que comandou a Delegacia de Homicídios no período, foram abertos vários inquéritos de boletins de ocorrência de anos anteriores.

Dados

As autoridades policiais de todo o país contestam a base de dados do ministério, a qual, entretanto, é considerada a mais completa e confiável, apesar de apresentar algumas falhas, segundo Daniel Cerqueira, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

Para Cerqueira, a falta de estatísticas consolidadas é um atentado aos direitos civis. “As famílias das vítimas têm o direito de saber e de ter atestado pelo Estado o motivo da morte do seu ente querido”, opina. Além disso, elas são fundamentais para a definição das políticas públicas e para evitar novas mortes. “Gerir a segurança pública na base da improvisação e sem indicadores precisos é equivalente ao médico querer tratar do paciente sem um termômetro e outros aparelhos para identificar e diagnosticar a doença do paciente. Nesse caso o tratamento e os remédios aplicados podem ser equivocados, não ter efetividade ou até mesmo matar o paciente”, acrescenta.

As autoridades policiais costumam temer a divulgação dos dados criminais, explica Luís Flávio Sapori, sociólogo e coordenador do Centro de Estudos e Pesquisa em Segurança Pública da PUC-MG. “Os dados são um recurso de planejamento e um instrumento de transparência, mas são tratados como segredo de estado. Nossos gestores da segurança pública ainda têm muito a evoluir”, avalia. Para ele, uma universidade pública ou algum instituto de pesquisa deveria assumir as estatísticas sobre o crime.

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