Meninos de rua invadem região do Rebouças

Comerciantes e moradores ao redor da Praça Ouvidor Pardinho, no Rebouças, enfrentam problema aparentemente sem solução: crianças, adolescentes e jovens de rua passam o dia importunando comerciantes, moradores e transeuntes, realizando pequenos furtos, roubos, vandalismo e uso de entorpecentes, situação que piorou nos últimos seis meses. O maior problema da praça é a face da Rua 24 de Maio, onde há bastantes pontos comerciais e pontos de ônibus.

Os outros três lados da praça não apresentam o problema de forma tão acentuada, porém mesmo assim preocupam a população da região. A exceção é nas terças-feiras de manhã, quando ocorre a feira de frutas e verduras, e os garotos migram da Rua 24 de Maio para a Rua Nunes Machado. Muitos moradores reclamam também de arrombamentos de veículos na ruas ao redor – para a retirada do som e outros objetos de valor -, principalmente na Rua Alferes Poli, no trecho próximo à praça com pouca iluminação.

Cotidiano

Caio Horiuchi, dono de uma pastelaria, diz que, por conta dos garotos de rua, já perdeu clientes. ?Eles dizem que não vão mais voltar na pastelaria por medo de furtos e assaltos.? Ele explica que, enquanto o comércio estiver aberto, os garotos permanecem importunando. Ele já presenciou diversas situações desagradáveis. Em uma delas, um garoto entrou para pedir dinheiro a um cliente para comprar um pastel. Ao tirar a carteira do bolso, o cliente teve a carteira levada embora pelo marginal.?Às vezes eles ficam vigiando os clientes dentro da pastelaria, para ver quem tem dinheiro na carteira, e o assaltam na esquina?, diz Horiuchi.

Renata Bortolletto, proprietária de uma farmácia, diz que seu estabelecimento já foi assaltado duas vezes. Além de ela mesma ter sido abordada com uma faca, enquanto estava parada com seu carro num dos sinaleiros da praça. ?Os garotos brigaram entre si e quase quebraram o ponto de ônibus?, conta Renata, que tenta reunir os comerciantes do centro comercial da rua para contratar segurança privada.

A farmácia já foi arrombada durante a noite, e os marginais só não entraram por causa da grade. Porém, o que o braço deles alcançou pela grade foi levado. Em um outro estabelecimento, a grade foi serrada.

Os proprietários de uma banca de revistas contam que os moleques sempre entram na banca para levar cigarros, e às vezes doces e revistas.

?Eles sempre entram em grupo, fazendo alvoroço, para nos confundir. Certa vez um grupo de mulheres entrou e levou uma porção de revistas?, disse a dona da banca.

Esmolas e ?pena? perpetuam situação

Entre os garotos, há crianças desde os sete anos a jovens maiores de idade. Um exemplo disso é um rapaz de 19 anos, que não quis ser fotografado e por duas vezes quase quebrou o equipamento da reportagem. O rapaz é considerado pelos garotos o ?pai da rua?, comete furtos e instiga os menores a fazerem o mesmo. Ele e uma menina, que aparenta estar grávida, foram flagrados escondendo os produtos de furto e alimentos numa lata, guardada em cima de um ponto de ônibus.

Uma comerciante explicou que, apesar de muitos deles serem adultos, possuem aparência infantil pela acentuada magreza e pouco desenvolvimento corporal, decorrente do uso de entorpecentes. Eles passam o dia cheirando tíner, o que os deixa agressivos e ousados. De acordo com comerciantes, moradores e algumas autoridades, eles moram na Vila Parolin. Um dos garotos, aparentando uns 12 anos, disse morar na rua porque seu pai lhe batia muito. Já os outros garotos possuem família e retornam às suas casas quando lhes é conveniente.

Sem uma estrutura familiar que os segure em casa e na escola – todos deixaram de estudar – eles afirmam passar o dia na praça, porque ali encontram comida e facilidades para cometer furtos e roubos.

No caso do supermercado, localizado na esquina da Rua 24 de Maio com a Avenida Getúlio Vargas, os garotos abordam clientes. ?Muitos ficam com pena e dão pacotes de bolacha e guloseimas. Mal sabem que isso é prejudicial, pois só faz os garotos permanecerem por aqui?, diz Caio Horiuchi, dono da pastelaria. ?Engana-se quem acha que eles comem o que ganham. Não sei dizer bem onde, mas eles vendem aqui por perto tudo o que roubam. Trocam muita coisa por drogas?, completa uma comerciante. O grupo ainda furta, rouba e usa tíner e crack sem medo da polícia. O único nome que lhes bota medo é o Conselho Tutelar.

Polícia pouco pode fazer

Muitos que sofrem com a presença importuna da garotada questionam o poder da polícia em manter a segurança da região. Reclamam que 30 minutos após a saída da polícia do local, a molecada está de volta. Porém as autoridades policiais também ressaltam que muitas vítimas deixam de dar queixa. Esse foi o caso de uma moça, que teve o celular roubado. A Guarda Municipal recuperou o aparelho e, por isso, a moça desistiu de registrar a ocorrência. Meia hora após o furto, o adolescente infrator já estava de volta à praça. ?Se não há produto de roubo ou vítima (queixa), não há crime?, diz o capitão Mário Lúcio Tatim, comandante da 2.ª Companhia do 13.º Batalhão, responsável pela área.

Tatim diz conhecer o problema, e apesar de ter realizado operações no local, reclama da falta de continuidade por parte de autoridades responsáveis pelos adolescentes infratores. ?A Polícia Militar não pode prendê-los ou retirá-los da rua, apenas pode convidá-los a ir para casa?, explica o comandante, que também ressalta a falta de efetivo para patrulhar toda a região.

Guarda Municipal

O guarda municipal Souza, que trabalha há três anos e meio na praça, conta que tem dificuldades para controlar a garotada. ?O fluxo dentro do posto de saúde (especializado no atendimento ao idoso, que fica dentro da praça) é muito grande durante o dia. Eu e meu colega (só há uma dupla de guardas na praça) não conseguimos estar 100% do tempo lá fora. Já propus aumento no efetivo da praça, pois a nossa luta com essa molecada aqui é desigual. Em dias mais agitados, dá para contar até 10 garotos. Tínhamos uma piscina externa, para uso dos idosos em tratamentos de saúde, que precisou ser esvaziada, pois moleques não saíam de lá?, relata o guarda.

Ônibus

Passageiros de ônibus, que utilizam o ponto da Praça Ouvidor Pardinho são os que mais sofrem com a ação dos meninos de rua. A parada do coletivo é movimentada, pois, por lá, passam oito linhas de ônibus.

Uma passageira, que diariamente anda com o Alferes Poli, ressaltou que os mais prejudicados são os motoristas, ameaçados para aceitar apenas R$ 2 ou R$ 3 para deixar entrar um grupo de cinco ou seis garotos.

O capitão Tatim, do 13.º Batalhão da PM, diz ter conhecimento dos roubos e das ameaças que os motoristas sofrem. Porém também sabe que muitos motoristas não prestam queixa, porque não querem paralisar seu trabalho.

São quase 300 nas ruas

Eliana Olesky, coordenadora da central do Resgate Social, explica que Curitiba possui aproximadamente 273 crianças e adolescentes nas ruas. A maioria é evadida dos abrigos oferecidos pela entidade. Ela ressalta que muitos não possuem referências familiares e, por isso, carregam consigo, desde cedo, um histórico de rua.

A coordenadora explica que o Resgate Social, inicialmente, cadastra e retira as crianças e adolescentes da rua, e os encaminha a programas diferenciados, que vão desde reinserção à família, até programas que lhes coloquem de volta nos estudos ou que lhes ensinem algum ofício. ?Ações existem, o complicado é fazê-los aceitar essa reinserção. Criar neles o desejo de voltar à escola e ter um ofício?, comenta Eliana. Muitos dos adolescentes fogem dos abrigos e não aceitam participar dos programas.

Eliana sabe que a maioria dos garotos que passa o dia na Praça Ouvidor Pardinho mora na Vila Parolin, junto com a família, mas freqüenta a rua para utilizar drogas.

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