Chacina no educandário seria acerto de contas

Sete adolescentes infratores foram assassinados e seis ficaram feridos durante a rebelião ocorrida no Educandário São Francisco, em Piraquara, na noite de quinta-feira. Cerca de 160 dos 237 internos se rebelaram às 20h45 colocando fogo em colchões e destruindo as instalações, principalmente do segundo pavimento. A situação só chegou ao fim às 2h de sexta-feira. Acredita-se que a confusão tenha sido apenas um pretexto para a chacina, já programada.

Os mortos são Oséias Carlos, 16 anos; Tiago Rodrigues de Souza, 17, Jeferson Lima Cirqueira, 18 (estes de Londrina); Alexandre dos Reis Carvalho, 18, de Curitiba; Daniel Francisco Gonçalves, 18, de Cambé; Valdecir Aparecido Melo Dalva, 17, de Cascavel, e Fernando Luiz Graciano, 17, de Jacarezinho.

Com o início do incêndio, vários caminhões do Corpo de Bombeiros foram chamados, mas só conseguiram extinguir totalmente as chamas depois de a rebelião ter acabado. Policiais militares do 17.º Batalhão, do Batalhão de Guarda e da Companhia de Choque se mobilizaram para evitar fuga e tentar controlar o motim, ainda sem saber que havia vítimas fatais. O número de mortos foi descoberto pouco a pouco, e seu total somente revelado após os rebelados se entregarem.

Para a rendição, eles pediam a presença da diretora da unidade, de uma emissora de televisão e celulares. Esta última reivindicação não foi atendida, mas foi prometido que eles poderiam ligar para suas famílias, assim que se rendessem. Apesar de terem seus pedidos parcialmente atendidos, os garotos, detidos por crimes diversos, reiniciaram o motim, mas logo desistiram com a ameaça de invasão da unidade pela PM.

Selvageria

Os desafetos dos rebelados foram mortos a golpes de estoque (armas brancas feitas de pedaços dos armários de metal), com profundos cortes no pescoço e na cabeça, conforme avaliação preliminar da perita Solange, da Polícia Científica. Outros que conseguiram sobreviver foram espancados, eram batidos contra as grades e receberam alguns cortes. Eles foram socorridos pelo Siate e levados ao Hospital Angelina Caron. Dos seis feridos, quatro foram encaminhados, ainda ontem, à enfermaria do Educandário e outros dois entregues às famílias.

Um dos adolescentes assassinados havia sido levado para o Educandário naquele dia, acusado de estupro. Os mortos estavam em alojamentos diferentes, fazendo supor, que foram “caçados” nas instalações. Cada “cela” tem espaço para cerca de 30 internos, mas as grades não contiveram o tumulto. Muitas portas foram arrancadas, destruindo parte das paredes. Nem a sala de contenção sócio-terapêutica foi poupada e dentro dela a polícia encontrou um dos corpos. A água que apagou o incêndio se misturou com o sangue, deixando os corredores manchados de vermelho. Marcas da violência também podiam ser vistas nas paredes do prédio, onde os rebelados espancavam suas vítimas. “As paredes furadas denunciam a precariedade e a fragilidade da construção. O prédio não oferece condições para educar e ressociabilizar os jovens. Eu sonho desativá-lo o mais rápido possível”, afirmou o secretario estadual do Trabalho, Emprego e Promoção Social, Padre Roque Zimermann.

Rescaldo

Encerrada a rebelião, parte do efetivo policial permaneceu no local, assim como os bombeiros, para tentar por um pouco de ordem à destruição provocada pelos internos, e garantir seu remanejamento, conforme informou o capitão Walfrido Takasaki. Agentes do Instituto de Ação Social do Paraná (Iasp), vinculado à Secretaria do Emprego, Trabalho e Promoção Social (responsável pela administração do Educandário), também estiveram no local, além dos coronéis Xavier e Moleta, do Comando de Policiamento da Capital e comandante do Batalhão de Guarda, respectivamente.

Pela manhã, o clima era de aparente tranqüilidade. Dezessete adolescentes, que estariam entre os líderes da rebelião, deixaram o internato às 10h30, em duas Kombi,escoltadas pela PM. Eles foram transferidos para a unidade de Fazenda Rio Grande. “Essa unidade também não é a ideal, pois não conta com espaço para o desenvolvimento de esporte e oficinas de trabalho, porém não temos outra alternativa”, finalizou o secretário.

Acerto de contas sangrento

A rebelião da noite de quinta-feira se tratou de um acerto de contas entre grupos rivais, segundo nota oficial emitida pelo governo Estado. Um problema já previsto, segundo o e secretario estadual do Trabalho, Emprego e Promoção Social, Padre Roque Zimermann. “Senti isso desde a primeira vez em que entrei aqui”, falou o secretário, citando as condições precárias do instituto correcional.

As mortes estão ligadas, de acordo com Padre Roque, às disputas entre grupos rivais. Há brigas entre gangues do Interior e da capital, ligações com o tráfico de drogas e rixas envolvendo familiares dos internos – o real motivo que causou cada assassinato ainda será esmiuçado. “Sempre houve brigas. Alguns disseram que morreu quem tinha que morrer, e agora eles querem paz”, disse o secretário. O conflito envolveu internos das alas A e C – o pavilhão onde ficam os meninos mais novos e os que respondem por delitos menos graves foi isolado da confusão.

Menos repressão

Não houve tentativa de fuga ou ameaça aos “educadores” ou outros funcionários. Os internos, porém, denunciaram ter sofrido maus-tratos e agressões por parte dos educadores – fato que poderia ter colaborado para o desfecho violento, no entender do secretário. Padre Roque afirmou que a rebelião não interfere na implementação da nova política psicopedagógica de recuperação de menores, menos repressora.

A rebelião e as mortes levaram ao Educandário alguns parentes e conhecidos de internos. Ana Paula do Nascimento, ex-mulher de um adolescente de 17 anos que sofreu ferimentos leves no tumulto, disse que “o clima estava pesado há um mês”.

Investigação

A delegacia de Piraquara irá investigar o caso, mas promotores e delegados da PIC (Promotoria de Investigação Criminal) estiveram ontem de manhã no Educandário e vão apurar paralelamente. Em nota oficial, o governo do Estado promete descobrir a causa da rebelião no menor tempo possível.

Em Londrina, denúncias

Um grupo de ex-funcionários da Unidade Social Oficial de Internação de Londrina, divulgou ontem um documento apresentado à Promotoria de Defesa da Criança e do Adolescente, mostrando irregularidades no tratamento dos adolescentes internados ali. Segundo o educador social Valdir da Silva, um dos demitidos após tornar público os problemas na unidade, a orientação era “endurecer com os adolescentes”. Quem não concordava com isso e se rebelou foi ou está sendo demitido”, salientou.

O padre Roque Zimmermann negou todas as informações.

Visitas estão canceladas

O Educandário São Francisco é a maior unidade de internamento para jovens infratores do Paraná. O prédio, de estrutura antiga, tem capacidade para 150 internos – havia 237 ontem, na rebelião. Estão lá garotos de 13 a 20 anos, que cometeram algum tipo de delito e receberam “medida socioeducativa” – já que o Estatuto da Criança de Adolescente não permite que menores de 18 anos cumpram pena. Eles podem ficar de seis meses a três anos na unidade e ganham liberdade automática ao completarem 21 anos. Em conseqüência da chacina, a visita semana de domingo está cancelada.

O governo do Estado reconhece a precariedade do prédio. “É um cadeião, onde tudo está inadequado. Infelizmente não há outro local para transferi-los”, falou o Padre Roque Zimermann (foto), secretário estadual do Trabalho, Emprego e Promoção Social. Até o ano passado, o Paraná tinha apenas unidades em Foz do Iguaçu e outra para garotas, em Curitiba. Em 2004, o Estado inaugurou unidades para menores em Londrina, Fazenda Rio Grande, Santo Antônio da Platina e Umuarama, que juntas podem abrigar 140 internos. Há 15 dias, foi assinada a autorização para construção de mais quatro prédios.

Para reconstruir o São Francisco, a Secretaria pediu urgência ao Tribunal de Contas para a liberação da verba para reforma, sem necessidade de licitação.

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