Viva a impunidade!

Os escândalos no governo foram tantos que hoje é difícil ao cidadão comum referir-se a todos. Sempre esquecerá algum. Quanto aos nomes dos envolvidos, é preciso puxar pela memória para citar meia dúzia, quando é sabido que foram dezenas, senão centenas de parlamentares, autoridades do Executivo, prefeitos e o que mais neste País use sua autoridade e abuse do voto popular para praticar vergonhosas irregularidades e promover enriquecimento ilícito. O próprio e os da turma. No campo da criminalidade comum, a população reclama, e com razão, do reinado amplo da impunidade, tanto maior quando os suspeitos ou mesmo efetivamente culpados são lá de cima, do poder. Em muitos casos, eles se beneficiam do foro privilegiado, ficando sujeitos somente a julgamentos nos tribunais superiores. Por isso não se tem notícia de colarinhos brancos ungidos por votos populares condenados, nem mesmo os do passado, em escândalos vergonhosos como o dos ?anões do orçamento?.

Pois essa blindagem para que políticos não sejam punidos está por se completar numa manobra na Câmara dos Deputados, livrando de processos, senão em foro privilegiado, presidente, ministros, governadores, deputados, senadores, prefeitos e outras excelências e ainda ex-autoridades. Não bastasse o desgaste da Câmara pelo sepultamento da CPI do Apagão Aéreo e o reajuste salarial que os parlamentares se deram de presente de Páscoa, o parlamento está em vias de cometer mais um atentado à própria imagem e dar um mau exemplo institucionalizando a impunidade. A própria e a de outros políticos e ex-políticos.

Aproveitando a tramitação do Projeto de Lei Complementar 358, que percorre os escaninhos da Câmara desde 2005, foi embutido na proposta um artigo, muito sem vergonha, que concede foro privilegiado a todos os processados por atentar contra o erário. Serão beneficiados até mesmo aqueles que já deixaram os cargos. O projeto trata de assuntos do Judiciário, alguns muito importantes, como a súmula vinculante. A blindagem para os políticos ladrões ou envolvidos em maracutaias, privilegiando-os mesmo quando já deixaram os cargos, é um estranho no ninho dentro do projeto. Não é estranho, entretanto, se considerarmos a que absurdos têm sido capazes alguns dos representantes do povo no Congresso. A aprovação dessa barbaridade, que precisa ser denunciada e impedida, desferirá um golpe mortal na Lei de Improbidade Administrativa, aprovada em 2002.

Essa lei deu poderes a promotores estaduais e procuradores da República para processar gestores da coisa pública desonestos, levando-os ao julgamento de juízes de primeira instância. Com a aprovação do projeto 358 com o vírus nele introduzido, esses ex-administradores passarão a ser julgados pelos Tribunais de Justiça. Os ex-governadores pelo Superior Tribunal de Justiça e os ex-presidentes e ex-ministros pelo Supremo Tribunal Federal. Há meio século não se tem notícia de nenhuma condenação que tenha sido imposta pelos tribunais a um político. O que o Congresso está em vias de fazer é, na prática, conceder um habeas corpus preventivo camuflado para políticos e ex-políticos exatamente quando a sociedade brasileira reclama indignada contra a impunidade.

E, depois dessa vergonhosa manobra, com que autoridade irão reclamar punição para os criminosos comuns?

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