Vinte anos depois de Alfonsín e Sarney, Kirchner e Lula recauchutam Mercosul

Amanhã, quando os presidentes Néstor Kirchner e Luiz Inácio Lula da Silva apertarem as mãos na fronteira entre o Brasil e a Argentina, a poucos quilômetros das monumentais Cataratas do Iguaçu, estarão tentando reprisar o rendez-vous protagonizado há exatamente 20 anos pelos então presidentes José Sarney e Raúl Alfonsín. Na ocasião, os dois ex-presidentes assinaram uma série de protocolos que deram início a um processo de integração comerical, econômica, política e militar sem precedentes na história da América Latina.

Seis anos depois do encontro, em 1991, os dois países, junto com dois parceiros extras, o Paraguai e o Uruguai, deram à luz ao Mercosul. Duas décadas depois do encontro Sarney-Alfonsín, Kirchner e Lula tentarão recuperar a velha magia da integração e devolver ao Mercosul o atrativo perdido no meio de uma miríade de conflitos comerciais.

Para isso, os dois presidentes assinarão amanhã 20 protocolos que abarcam assuntos comerciais, de integração produtiva, de intercâmbio tecnológico e educativo, além da cooperação militar. Mas, no meio das duas dezenas de protocolos, os argentinos possuem um particular interesse pela assinatura da Cláusula de Adaptação Competitiva (CAC).

A cláusula, projeto de inspiração do governo Kirchner, tem o objetivo de impedir eventuais "invasões" de produtos de um país-sócio em outro membro do Mercosul. Além disso, servirá para proteger setores da economia que sejam atingidas por hipotéticas graves alterações macro-econômicas em um país do bloco do Cone Sul. Mas, poucas horas antes do encontro presidencial, por causa de divergências entre os dois governos sobre o formato da CAC ainda não havia garantias de que ela seria assinada em Puerto Iguazú ou se ficaria para a reunião de cúpula do Mercosul, que será realizada em Montevidéu entre os dias 6 e 9 de dezembro.

O encontro enquadra-se em uma nova postura do temperamental

Kirchner em relação ao Brasil e o resto do Mercosul. Após a recente turbulenta reunião de Cúpula das Américas, onde a Argentina, junto com a Venezuela, posicionou-se firmemente contra a proposta americana da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), Kirchner moderou seu discurso duro com o Brasil – país com o qual havia desatado um forte confronto comercial desde meados do ano passado – e até chamou o presidente Lula de "mi amigo" (meu amigo).

Kirchner também pretende discutir com Lula a imediata entrada da Venezuela no Mercosul. O governo argentino possui especial interesse no ingresso venezuelano no bloco, já que com isso poderia garantir seu abastecimento de gás e petróleo, produto que começa a escassear na Argentina. Além disso, o ingresso da Venezuela no bloco reduziria o peso relativo do Brasil no Mercosul.

Antes das negociações, Kirchner e Lula realizarão uma homenagem aos 20 anos do encontro Sarney-Alfonsín. Por este motivo, também

estarão presentes a dupla de veteranos ex-presidentes. No entanto, os dois governos desistiram de repetir a mesma cena protagonizada há 20 anos, quando os dois presidentes encontraram-se no meio da ponte Tancredo Neves, sobre o rio Iguaçu, na fronteira dos dois países.

O remake desta cena foi colocado de lado, já que fechar o trânsito em uma das pontes mais movimentadas do Cone Sul implicaria em graves complicações para a livre circulação de pessoas e mercadorias, justamente, um dos pilares da integração regional.

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