Utilização de área comum por condômino

São freqüentes os casos de condôminos que pretendem se utilizar ou se utilizam de área comum com exclusividade, ou porque sua unidade está localizada no andar térreo, ou porque há subsolo em sua loja, ou então porque são proprietários de unidades no fundo do hall e pretendem fechar para terem uma só porta de entrada e ganhar um pouco mais de espaço.

Isso é legal?

A lei 4.591/64, que regulava o condomínio, dizia, no artigo 3º, que “O terreno em que se levantam a edificação ou o conjunto de edificações e suas instalações, bem como as fundações, paredes externas, o teto, as áreas internas de ventilação, e tudo o mais que sirva a qualquer dependência de uso comum dos proprietários ou titulares de direito à aquisição de unidades ou ocupantes, constituirão condomínio de todos, e serão insuscetíveis de divisão, ou de alienação destacada da respectiva unidade. Serão, também, insuscetíveis de utilização exclusiva por qualquer condômino”.

O Código Civil, no artigo 1331, § 2º, prevê que “O solo, a estrutura do prédio, o telhado, a rede geral de distribuição de água, esgoto, gás e eletricidade, a calefação e refrigeração centrais, e as demais partes comuns, inclusive o acesso ao logradouro público, são utilizados em comum pelos condôminos, não podendo ser alienados separadamente, ou divididos”.

Entende-se que omitiu deliberadamente a proibição de utilização exclusiva, porque previu, no artigo 1.340, que “As despesas relativas a partes comuns de uso exclusivo de um condômino, ou de alguns deles, incumbem a quem delas se serve”.

Mas estabelece que são direitos dos condôminos, dentre outros, o uso das partes comuns “conforme a sua destinação, e contanto que não exclua a utilização dos demais compossuidores”.

Na jurisprudência, encontramos dois acórdão recentes, que interessa citar.

Um da 8ª Câmara do Tribunal de Justiça de São Paulo, datado de 27 de abril de 2011, que manteve a sentença de procedência em ação demolitória, entendendo por irregular acréscimo promovido por condômino proprietário de apartamento em andar térreo, que se utilizou de área comum com exclusividade, onde construiu uma cozinha e uma churrasqueira. Essa decisão se reporta à doutrina (Roberto Barcelos Magalhães e J. Nascimento Franco): “não se faculta ao dono do pavimento térreo, nem a qualquer outro dos ocupantes do prédio, de fato aumentar a sua fração graças ao aproveitamento abusivo de átrio, pátio, jardim, quintal, corredor coberto ou descoberto, ou ruela, com fazer, ali, coisa permanente, ou os ocupar, sequer temporariamente, com objetos móveis de qualquer espécie (salvo por momentos) ou construções provisórias: por exemplo, elevando casinhas para animais, privada, banheiro, entreposto, depósito, cubículo de telefone, oficinazinha de reparação de automóveis; assim como depondo ou acumulando naqueles lugares garrafas, caixões, malas vazias, etc.:

pois tal proceder importaria em mudança do destino de coisa comum, e aumento de gozo da casa, para um só” (Condomínio, 5ª edição, Ed. Revista dos Tribunais, página 219).

Outro acórdão, da 14ª Câmara do mesmo Tribunal de Justiça de São Paulo, datado de 30 de março de 2011, que deu provimento à apelação do proprietário de uma loja e respectivo subsolo, que ocupa áreas comuns do condomínio, mas que ficaram encravadas, cuja ementa é a seguinte:

“Possessória – Reintegração de posse – Utilização de áreas comuns do condomínio, em caráter exclusivo, por condômino – Áreas comuns utilizadas que se situam no subsolo da loja adquirida pelos réus, o qual também foi adquirido por estes – Ocupação há muito exercida pelos réus por si e seus antecessores, sem oposição alguma dos demais condôminos, tendo obtido, inclusive, concordância da síndica do condomínio quanto a esta ocupação – Áreas comuns ocupadas que restaram encravadas em face da aquisição tanto da loja como do respectivo subsolo, não causando a sua utilização exclusiva prejuízo algum à existência do condomínio – Ocorrência de esbulho possessório não configurado – Prevalência, nesta hipótese, do princípio da boa-fé – Inteligência do art. 3º da Lei 4.591/64 – Ação que deve ser julgada improcedente – Recurso dos réus provido para tanto”.

Segundo o relator do acórdão, desembargador Thiago de Siqueira, “é forçoso concluir, em face destas provas constantes dos autos, que o uso destas áreas comuns pelos réus decorre da aquisição conjunta da loja e do respectivo subsolo, sendo indispensáveis para o uso de ambos, e que em nada prejudica a existência do autor, como condomínio. Não tem, portanto, caráter abusivo algum.”

Reconhece, ele, que a lei estabelece que as áreas comuns do condomínio em edificações são insuscetíveis de utilização exclusiva por qualquer condômino. Mas entende que, por se utilizarem há aproximadamente vinte anos, sem qualquer oposição dos condôminos, deve ser aplicado o princípio da boa-fé, não podendo o condomínio pretender alterar essa situação consolidada há anos.

Daphnis Citti de Lauro é advogado, é autor do livro “Condomínio: Conheça Seus Problemas” e sócio da Advocacia Daphnis Citti de Lauro e da Citti Assessoria Imobiliária. www.ocondominio.wordpress.com.br

 

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