Universidade do crime: lá ou aqui…

Quando a sociedade brasileira percebe os efeitos positivos das tendências contemporâneas de uso de estratégias lógico-racionais ou de “inteligência”, regendo operações policiais e demais assuntos de segurança pública, revelando seus avanços metodológicos, aplaude efusivamente. Ninguém ignora que segurança pública se faz com esforços e pesados investimentos do poder público em contratação e treinamento de pessoal, equipamentos, instalações, novas tecnologias entre infinitos itens.

Um ordenamento jurídico penal é uma espécie de “enciclopédia das maldades humanas” de um povo. Assim, quando os mecanismos de percepção catalogam novas condutas, socialmente inaceitáveis, disparam-se as reformas legislativas para criminalizá-las. Quando, inversamentente, forem novamente aceitas, deixam de integrar a “enciclopédia”. Os métodos da criminalidade sempre se aprimoram em interminável “olimpíada macabra” a quebrar recordes e a inovar nas modalidades. Um eterno desafio! Mostra a história que enquanto existirem seres humanos, imprescindíveis serão as regras de boa convivência e punições aos infratores. A amplitude de defesa dos acusados é um contraponto democrático para evitar ilegalidades e injustiças.

Para nós advogados, mesmo aos mais aguerridos militantes de direitos humanos, impunidade é palavrão! Ninguém deve ter compromisso com o erro. Faço essas preliminares para evidenciar preocupação sintetizada no raciocínio de que enquanto o legislador se baseia em novas condutas para aprimorar ou criar leis penais, a criminalidade se ampara nas informações dos meios de comunicação para, igualmente, criar anticorpos aperfeiçoando suas fórmulas criminosas.

Merece ampla discussão a postura das nossas autoridades, derivada de um folclórico comportamento latino-estrelista de, sistematicamente, tornarem públicas as operações policiais bem sucedidas, com detalhamento irrestrito de seus métodos: “…fantasiamos uma policial de garota de programas e usuária de drogas e a infiltramos no meio…”; “…fizemos gravação ambiental…”; “…usamos de uma frota de táxis para seguir o veículo suspeito…”; “colocamos falsos compradores ou receptadores…”; “…rastreamos contas bancárias, faturas de cartões de crédito…”; “…fizemos escutas telefônicas…” Este último exemplo, foi tão vulgarizado que ninguém mais está utilizando telefones para tratar de assuntos que envolvam sigilos ou condutas ilícitas. Pelo abuso e espetacularização, a criminalidade passa a usar de contatos pessoais ou via mensageiros. Em suma, tais posturas abusivas e equivocadas apenas contribuem para a lapidação da criminalidade!

De que valem os investimentos estatais reclamados pela sociedade, cursos de aprimoramento de autoridades (inclusive no exterior ou trazendo especialistas alienígenas), muitos meses de dedução de fórmulas ideais para combater esquemas criminosos, sigilos nas investigações, etc., se no momento de entregar o serviço para a Justiça tudo é publicamente revelado! Enfim, a bandidagem também lê jornais e está diante da televisão a observar onde deu errado a empreitada criminosa rechaçada. É o empirismo como método científico de aprendizado observando e analisando os erros dos delinqüentes aprisionados.
Nos dias atuais, a universidade do crime não é mais o interior das prisões como supúnhamos. Basta acessar os meios de comunicação e suas inconseqüentes matérias e entrevistas, perpetuadas em texto, áudio e vídeo na rede mundial, reveladoras dos assuntos que deveriam ficar restritos aos departamentos de inteligência das polícias. Noticiar resultados de investigações, prisões e andamentos de processos é uma coisa. Revelar métodos científicos de combate a criminalidade é outra. Para a promoção pessoal da autoridade tagarela é maravilhoso. Para o Estado que terá aquele método comprometido para novas operações, uma tragédia e um imensurável prejuizo. Para a criminalidade, que gratuitamente recebe tais lições preventivas, uma dádiva!

Elias Mattar Assad é presidente da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas.
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