Uma desculpa pífia

É até possível que seja a mais solene verdade que os fatos aconteceram antes de o governo do PT subir a rampa do Planalto, como quer e se defende o ministro José Dirceu, da Casa Civil. Mas que tem a ver isso com a moralidade? Se sabia que o “amigo” era safado, por qual razão continuou convivendo com ele e, acima de tudo, por qual razão nomeou, promovendo-o, e confiou em quem, com tais antecedentes, não merecia confiança?

A linha de defesa do governo no caso do ex-assessor Waldomiro Diniz é pífia. Não consegue convencer ninguém. Assim como também não convence ninguém o argumento com o qual tenta exorcizar a abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito: o da pronta intervenção com sumária demissão. A intervenção foi pronta, sim, mas a partir da publicação dos fatos por uma revista semanal, não do conhecimento deles pelo próprio governo, como se sabe agora. José Dirceu estava careca de saber das pilantragens do “amigo”. Já a sumária demissão não apaga a suspeita de que Diniz não agia sozinho neste esquema de mar e lama que envolve jogo do bicho, caça-níqueis, loterias, propinas, achaques e fundos de campanha eleitoral. São todos crimes cometidos a dois, três, quadrilhas e muitos mais beneficiados.

Não, o caso não está encerrado, como quer e disse o ministro José Dirceu, ao falar no Congresso, levando em mãos a mensagem presidencial para a solenidade de reabertura dos trabalhos parlamentares. Este é apenas o começo. E mesmo que o Planalto consiga abafar o incêndio, como ensaia, restará, como discursou o senador Pedro Simon, o carimbo. “Se há outras coisas a descobrir sobre corrupção na campanha eleitoral, vamos fazê-lo”, disse o senador gaúcho para exortar Lula e sua equipe: “Tope a parada, não coloque panos quentes, presidente”, pois o problema “será infinitamente menor do que o preço do desgaste político que virá pelo arquivamento do pedido de instalação da CPI”.

Tem razão de fazer-se de amuado o presidente Lula, ao saber que seu homem forte conhecia o imbróglio há muito tempo. E isto reforça o argumento dos que batem fundo pela investigação mais ampla. Que mais sabe Dirceu a respeito do caso? Quem mais, além dele, que chegou a morar na mesma casa com o indigitado ex-assessor, sabe das coisas? E quem mais essas coisas envolvem, já que Diniz era homem de amplo relacionamento e carta branca para quase tudo o que fazia?

Para a juíza aposentada Denise Frossard, hoje deputada federal, “só a demissão não é suficiente”. É necessário, segundo ela, que se notabilizou por condenar à prisão figurões do jogo do bicho no Rio de Janeiro, fazer uma investigação horizontal e vertical”, pois “a corrupção se espalha. Waldomiro é apenas um elo dessa cadeia, não fez nada disso sozinho”. Mais: “Esse homem chegou lá porque faz parte de uma estrutura. É uma das coisas mais graves que eu já vi na história do Brasil”.

Tão grave que o ministro José Dirceu não teve coragem de olhar nos olhos das pessoas – incluindo os da “companheira” e senadora Heloísa Helena, expulsa do partido por defender velhos princípios – ao sair do Congresso pela porta dos fundos. O Brasil gostaria que ele não tenha que sair do governo pela mesma abertura, através da qual foi expelido o ex-presidente Collor, num processo de impeachment que teve, curiosamente, a sua mão e a mão de seu ex-assessor, cujo nome sequer mais pronuncia.

Em lugar de procurar desculpas, atirando no tempo o que não se sabe se é no tempo que reside, ficaria bem melhor que o senhor José Dirceu se recusasse à espetaculosa claque montada para lhe dar apoio e encarasse de cara limpa – como fazem as pessoas que não têm medo porque nada devem – a realidade dos fatos. Afinal, são fatos que interessam a todos os brasileiros um dia movidos pela esperança despertada por um partido que prometia, entre outras coisas, um tempo de honestidade.

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