Três linhas de ação para agentes de leitura

Nos muitos anos em que batalho no ensino de literatura e, mais recentemente, na promoção da leitura, em todos os níveis, no formato de docência em salas de aula, da pesquisa, da capacitação de outros agentes de leitura, de escritos sobre crítica literária, fui construindo, não apenas experiências, mas sobretudo reflexões a respeito da leitura, da formação de leitores e da formação de promotores da leitura. Muito ouvi, muito vi, muito li. Com pequenas mudanças, o mesmo muro de lamentações se ergue diante daqueles que, bem intencionados, descrevem sua (pouca, nenhuma, heróica) mínima parte de construção de um horizonte mais risonho de leitores de todas as idades. A repetição de problemas e descasos tem se convertido numa ladainha de queixas contra a falta de participação do governo e da sociedade no auxílio à formação de leitores.

Proceder, no limite do possível, à transformação desse quadro de obstáculos à leitura que se apresenta para e na sociedade brasileira deve levar em conta que várias são as frentes de ação. A primeira delas consiste em fazer valer um postulado e uma postura que concretizem o princípio da transdisciplinaridade da leitura. A primeira conseqüência seria descarregar dos ombros de alguns poucos profissionais a responsabilidade pela formação de leitores. Se é verdade que a leitura atravessa todas as áreas do conhecimento humano, estabelecendo não apenas o diálogo entre as ciências, as artes e as vivências, mas afirmando, sim, a necessidade e a competência humana para lidar com linguagens e sentidos, independentemente do caráter verbal e/ou não-verbal dos textos, todos somos responsáveis por ela.

A segunda frente de ação pode buscar o reconhecimento do leitor enquanto um sujeito dotado de história e valores, e, assim, incentivar o diálogo como momento de trocas singulares e coletivas, com o intuito de promover atitudes sem preconceitos ou presunção de certezas.

Uma das competências da universidade na formação de docentes para trabalhar com o incentivo e prática da leitura deve ser a de promover o resgate de acervos pessoais e da comunidade universitária, convertendo-os em ponto de partida para a discussão, aquisição e ampliação do repertório pessoal.

Para tanto, sirvo-me das palavras de Nanci Gonçalves da Nóbrega em sua tese de Doutorado, intitulada Conjugando o gerúndio (antropologia da informação e leitura -percursos de leitor), quando ao tratar de memória e acervos, afirma que: ?a memória é ação que tem seu ponto partida não só no sujeito recordador, mas também no grupo do qual faz parte. Reconstrução. Assim, expressa mais do que simples relatos de acontecimentos, mais do que a estruturação coerente de uma história feita de fatos e acontecimentos, com começo, meio, fim.?.

Quando acentuamos a necessidade de resgate da história dos sujeitos alunos estamos propondo que a questão da leitura acrescente às informações e conhecimentos de áreas comumente apontadas como pertinentes (a lingüística, a neurologia, a história, a análise do discurso, a psicologia, a pedagogia e outras mais) a contribuição dos acervos pessoais que se, por um lado, podem limitar a compreensão, por outro, ligam os sujeitos a si mesmos e a suas inclinações e gostos. Todo o trabalho de trazer à superfície do texto e dos estudos sobre leitura o indispensável percurso anterior do leitor acredita Nanci Nóbrega, considera que ?a possibilidade de significar a lembrança se centra na idéia de que a linguagem é o instrumento socializador da memória; torna possível o entrelaçamento entre tempo individual e tempo coletivo, o tempo histórico partilhado, revisto e cotidianamente rememorado e comemorado (…) Uma compreensão da leitura em que, agora, o receptor e sua interpretação são importantes. Não como produtos delirantes, mas como produções, sentidos de pessoas que têm um lugar histórico, pessoas que configuram uma constituição dada, sujeitos de uma ação, da ação de ler?.

Um terceiro encaminhamento, que propicia o melhor desempenho dos professores formadores de leitores, é o de intensificar pesquisas no campo da leitura e da recepção de textos. Esse objetivo é sustentado pela crença de que não existe um bom docente em sala de aula se não o alimentar um pesquisador, isto é, se ele não for movido pela curiosidade e pela persistência em buscar descobrir o que ainda não conhece.

Sabemos que a leitura não tem o poder de intervir diretamente na crise social do país. O livro não enfrenta de igual para igual as decisões governamentais. Suas mudanças se processam internamente, dependem exclusivamente da relação entre os sujeitos constitutivos do ato de ler, autores e leitores, intermediados pelos textos. Essas alterações reafirmam o indivíduo em sua constituição psíquica, intelectual e emocional, e esta o fará agir. Somente assim, fortalecido, é que poderá, com ciência e maturidade, lutar por suas idéias e seus direitos. O papel de responsabilidade pela leitura cidadã, competente, iluminadora deve ser exercido por toda a sociedade, mas, em especial, por aqueles a quem foi delegada prioritariamente essa missão: a nós, educadores.

Com alguns deles aprendi o quanto melhora o ânimo, a participação e a contribuição dos docentes naqueles que não perderam a curiosidade e a capacidade de indagar sobre as condições de aprendizagem e de leitura competente, que continuam a busca por novos e diversificados textos, e promovem a modificação permanente de estratégias de sedução e convencimento para a causa da leitura. Por acreditar neles é que o futuro promete cores e saberes menos difíceis.

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