Tragédia no metrô de SP pode ter a pressa como causa

A pressa na execução das obras da Linha 4 do Metrô, que deverá começar a operar no ano que vem, foi o fator determinante do acidente no buraco da futura Estação Pinheiros, na zona oeste de São Paulo, cujas margens cederam anteontem. Segundo engenheiros ouvidos pelo Estado, que pediram para não ser identificados, os métodos usados na construção da linha de metrô são os mais avançados, porém em áreas frágeis, como as próximas de rios, a escavação deve ser precedida de análise do solo metro a metro, fazendo com que o trabalho avance vagarosamente.

A mudança do método de escavação ocorreu há cerca de dois anos, depois que técnicos do Consórcio Via Amarela, responsável pela obra, detectaram a presença de rochas fragmentadas nas margens do Rio Pinheiros. O contrato original previa a utilização de dois tatuzões, que partiriam da Estação Faria Lima, um em direção à Vila Sônia, na zona sul, e outro rumo à Luz, no centro. ?O problema é que essas rochas fragmentadas inviabilizavam a utilização do tatuzão naquele trecho, pois ele poderia travar, como ocorreu há alguns anos no metrô de Atenas (Grécia)?, explica um funcionário do Metrô.

O imprevisto, diz ele, acabou acelerando a obra, já que os tatuzões levariam, no mínimo, 18 meses para serem entregues. ?Se tivéssemos de aguardar esse prazo, não teríamos escavado um metro de túnel. Como a empreitaria foi forçada a mudar o método, foi possível perfurar 4 quilômetros enquanto esperávamos a chegada do tatuzão?, argumenta. O tatuzão já foi instalado nas imediações do Largo da Batata e deveria começar a escavar até o fim do mês, mas, por causa do acidente, pode haver adiamento.

A mesma fonte explica que, como o preço da obra era fechado (custou US$ 980 milhões), não houve reajuste do contrato. ?A principal razão para a mudança do método construtivo foi mesmo a questão da segurança. Mas é claro que também pesou o fato de adiantar o andamento da obra?, reconhece. Ele argumenta, porém, que o desmoronamento ocorreu em um poço vertical, usado para a construção da estação, numa área em que o método de escavação não foi alterado. ?É o mesmo para todas as estações do metrô e nunca tivemos problemas deste tipo?, afirma.

Segundo o geólogo da Universidade de São Paulo (USP) Cláudio Riccomini, a presença de uma extensa faixa de areia branca, frágil e não-compactável, no subsolo da cratera do metrô, foi preponderante no acidente. A areia, assim como a cobertura de 1 metro de argila, é material típico de margem de rio e estaria no local antes de o Pinheiros ter sido retificado, a partir da década de 1940.

A Linha 4 é construída por dois métodos, o New Austrian Tunneling Method (NATM), que usa explosivos, escavadeiras e jateamento de concreto, e o Tunnel Boring Machine – este, batizado de tatuzão.

Trata-se de uma máquina, espécie de fábrica ambulante, que perfura, retira a areia e escora as paredes com concreto, tudo ao mesmo tempo. Pelo NATM, a areia e as rochas não são retiradas mas compactadas no mesmo lugar. Segundo o site do Metrô, as obras eram executadas predominantemente por este método. ?Não há erro?, disse um engenheiro. ?A única coisa que pode ter influído é o ritmo de execução.

Além dessas duas metodologias, há outra, mais tradicional, chamada D&B (drill and blast, ou furar e arrasar) ou ainda Vala a Céu Aberto (VCA). Nesta, o avanço do túnel é feito pela escavação e remoção das terras escavadas, recorrendo a qualquer equipamento de retirada de terra, mecânica ou manual. O escoramento do túnel pode ser feito por diversos processos complementares. É o método mais oneroso, pois exige desapropriações de imóveis e interdições no trânsito. Também há uma variação do VCA, denominado método invertido, em que a vala é coberta por uma laje logo após a escavação. Ela permite que os operários continuem trabalhando na construção do túnel ou da estação, liberando as áreas interditadas.

Para outro engenheiro ouvido pela reportagem, não foi apenas a pressa que levou ao acidente. ?Cada buraco tem a sua história e isso não ocorre por causa de apenas um erro, mas de uma série.? O acidente, na avaliação dos técnicos, também não ocorreu de uma hora para a outra. De acordo com os engenheiros, é impossível que os funcionários da estação não tenham percebido o solo ceder pouco a pouco. No entanto, dependendo da movimentação da terra, mesmo sabendo que a tragédia é iminente, há pouco o que fazer para evitá-la.

Riccomini, especialista no subsolo da capital, afirma que o Metrô tem os melhores profissionais de sondagem de solo. ?A maior parte do conhecimento que acumulei foi graças ao Metrô. Para mim, tudo isso foi uma fatalidade.? Porém, o que Riccomini desconhece é que as obras da Linha 4 não têm o mesmo acompanhamento técnico de projetos anteriores. Além disso, como o contrato firmado entre o Metrô e o Consórcio Via Amarela é do tipo ?turn-key? (preço fechado), a companhia não tem poder de veto sobre as decisões das empreiteiras envolvidas na obra. Embora já tenha trabalhado em parceria com empreiteiras na escavação de túneis e construção de estações, é a primeira vez que o Metrô de São Paulo assina um contrato desse tipo.

Embora o consórcio Via Amarela afirme que o acidente foi provocado por uma ?anomalia? geológica gerada pelas chuvas, há quem atribua o deslizamento a erro humano. Para o engenheiro Mauro Lozano, da Dynamis Engenharia Geotécnica, ?não era para ocorrer este desastre por tudo o que a engenharia nacional dispõe de conhecimento?. Segundo ele, ?é difícil imaginar que houve uma falha geológica?. Lozano diz que essas falhas podem ser previstas com antecedência, o que depende da profundidade das investigações geotécnicas. Para ele, ?houve, infelizmente, negligência na avaliação geotécnica?.

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