Sentença Penal Condenatória – Aplicação da Pena de Multa no Crime Continuado

A aplicação da pena de multa para o crime continuado, que apenas por ficção jurídica é reconhecido como crime único, tem merecido dividido tratamento, tanto na doutrina quanto na jurisprudência quando cuidam da aplicação desta reprimenda, onde podemos observar a existência de duas correntes.

A primeira defende que a pena de multa nesta modalidade de crime deve ser aplicada cumulativamente, ao fundamento de que o instituto do crime continuado foi inspirado com objetivo de evitar a prisão perpétua, sem qualquer preocupação com as questões relacionadas com pecunia.

A segunda prefere a aplicação da fictio juris em sua integralidade, e na mesma proporção do aumento da pena privativa de liberdade, ao principal argumento de que “pouco importa que a unidade do crime continuado seja fictícia ou real, diante preceito de normativo que entende os fatos criminosos subseqüentes como continuação do primeiro.”

Preferimos a segunda posição porque não encontramos na nossa legislação proibição capaz de fazer incidir esta benesse também em relação à pena pecuniária, e também porque não acreditamos que mesmo uma ficção possa ser relativizada quanto esta ou aquela modalidade de sanção, quando elas têm como origem a mesma conduta do agente. O que gera a fictio juris é a conduta do infrator, e não outras questões, tal como as sanções a serem aplicadas, e suas conseqüências, ainda que esta figura penal tenha como origem inicial evitar a pena perpétua.

Quanto à fixação do valor total da pena de multa, no caso de se reconhecer que a ficção jurídica deve incidir também para a sanção pecuniária, fixa-se a pena de multa definitiva para o crime, tal qual se não mais existissem causas de elevação da pena, para somente após aplicar o percentual de aumento pela continuidade delitiva, no mesmo patamar aplicado à privativa de liberdade.

Já no caso de se entender que a pena de multa deve ser fixada cumulativamente, não vemos outra possibilidade, a não ser a do julgador fixar uma por uma das sanções pecuniárias, e definitivas, em relação a cada um dos crimes, para somente assim se ter o quantum definitivo desta reprimenda.

Portanto, não é possível que o julgador fixe esta reprimenda apenas para um crime e muliplique pelo número de infrações.

Isto porque o artigo 71 do Código Penal determina que, no caso de configuração do crime continuado, “aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços.”

Observa-se que o próprio dispositivo legal que regulamenta o instituto do crime continuado prevê a incidência desta regra para crimes com apenamento idênticos e diversos, v.g., tentados com consumados; formas simples com qualificadas; etc.

Desta forma, se no crime continuado o apenamento para a sanção privativa de liberdade é diversa, e por fictio juris, aplica-se somente uma das penas (sempre a mais grave), não é possível aceitarmos a aplicação de concurso material para fins de aplicação da pena de multa, e ao mesmo tempo a figura do crime continuado para fins de escolha do crime mais grave, com simples multriplicação deste quantum pelo número de infrações cometidas, para chegar à sanção pecuniária definitiva.

Caso admitíssemos a simples operação de multiplicar-se o quantum fixado definitivamente para a reprimenda pecuniária pelo número de infrações, estaremos, na maioria dos casos, criando para o acusado sérios prejuízos. No caso de delitos com apenamentos diversos, sempre haverá apenamento além daquele que o réu deveria receber.

Além disso, se aceitarmos o apenamento por amostragem, estaremos certamente laborando em enorme equívoco, inclusive com afronta aos mais diversos preceitos constitucionais, v.g., ampla defesa, contraditória, motivação dos julgados, etc.

Por isso, para que se atenda principalmente a exigência da fundamentação de todas as decisões judiciais, levada a preceito constitucional pelo art. 93, inciso IX, do Constituição Federal, que tem como conseqüência conferir ao réu ampla defesa e contraditório, face as conseqüências mais graves que a aplicação do concurso material enseja ao condenado em relação ao crime continuado, é indispensável que seja fixada a pena final e definitiva para cada um dos delitos da cadeia de continuidade delitiva reconhecida na sentença para fins de apenamento da pena privativa de liberdade.

A questão é bastante simples, se levarmos em conta que nas hipóteses de aplicação da pena privativa de liberdade em concurso material, deve haver fundamentação da pena aplicada para cada um dos crimes, e também em relação à sanção de multa. Ora, considerado este critério (concurso material) para fins de aplicação da pena de multa para as hipóteses de crime continuado, incide a mesma regra.

Por isso, a simples regra de multiplicar-se o valor de uma pena de multa pelo número de infrações, necessariamente não contempla a exigida fundamentação.

Feitas estas considerações, devemos ter em mente que em todas as hipóteses em que o julgador vier a reconhecer que a sanção penal pecuniária, no crime continuado, deve incidir a regra do concurso material, deverá fixar motivadamente a pena de multa definitiva para cada um dos crimes.

Assim, quando a sentença reconhecer a continuidade delitiva para fins de aplicação da pena privativa de liberdade, e aplicar o concurso material no momento de aplicar a pena de multa, no caso de não fundamentar a sanção pecuniária para cada um dos crimes de toda a cadeia, incidirá em vício insanável, com conseqüente nulidade do julgado, reconhecível ainda que de ofício pelo tribunal, por cuidar-se de matéria de ordem pública, haja vista desatender determinação legal para que dita sanção seja fundamentada.

Jorge Vicente Silva

é pós-graduado em Pedagogia a nível superior e Especialista em Direito Processual Penal pela PUCPR, autor de diversos livros publicados pela Editora Juruá, dentre eles, Tóxicos, análise da nova lei, estando no prelo, Sentença Penal Condenatória, com lançamento previsto para breve. E-mail:
jorgevicentesilva@hotmail.com

Voltar ao topo