Rússia comemora 60.º aniversário da Batalha de Estalingrado

Em meio ao ritmo frenético dos preparativos para o 60.º aniversário da vitória soviética na Batalha de Estalingrado, muitos veteranos dizem que algo está faltando – a cidade que foi defendida de forma tão heróica não existe mais oficialmente.

“Para mim, será sempre Estalingrado”, disse Fyodor Kovalich, um veterano de 80 anos cujos olhos ficaram cheios de lágrimas quando se lembrou da guerra que custou 27 milhões de vidas soviéticas.  “O mundo todo tem conhecimento de Estalingrado e do que aconteceu lá.”

Um movimento para restabelecer o nome de Estalingrado, como era chamada a cidade de Volgogrado na era soviética, está crescendo atualmente.  Os simpatizantes desse movimento querem que a mudança de nome ocorra este ano e seja uma homenagem especial para os cerca de 1 milhão de soldados e cidadãos soviéticos que morreram defendendo esta cidade industrial na Segunda Guerra.

A Batalha de Estalingrado – um momento decisivo na Segunda Guerra – terminou no dia 2 de fevereiro de 1943, com a rendição do marechal-de-campo nazista Friedrich Paulus, no porão da principal loja de departamentos da cidade. A derrota acabou com a tentativa de Hitler de isolar o interior do território soviético dos campos de petróleo do sul.

O custo da vitória foi grande. Estalingrado, fundada em 1589 à beira do Rio Volga e originalmente chamada Tsaritsyn, foi reduzida a ruínas. Os edifícios foram arrasados e as ruas e praças centrais ficaram cobertas de ruínas. A cidade inteira teve de ser reconstruída. Mesmo hoje, os moradores locais dizem ser freqüente aparecer, sob a terra, objetos que pertenciam às pessoas que residiam nos prédios.

Centenas de milhares de soldados alemães morreram em Estalingrado ou nos campos de prisioneiros após a batalha.  “Nunca vou esquecer as linhas dos prisioneiros alemães. Você não podia ver o fim”, afirmou o veterano Praskovya Grashchenkova.

A batalha tornou-se um símbolo poderoso da coragem e da perseverança soviéticas, e mesmo hoje permanece como uma forte lembrança do sacrifício que o povo soviético fez durante a guerra para salvar seu país.  A batalha continua a atrair a imaginação de escritores e de Hollywood.

Os envelhecidos veteranos russos, funcionários graduados do Kremlim e representantes de todas as “Cidades Heroínas” da Segunda Guerra são esperados para as celebrações em Volgogrado, no domingo.

Equipes de operários estão retirando o gelo dos degraus escorregadios que levam ao Saguão da Glória Militar e pendurando faixas gigantes para dar as boas-vindas aos veteranos que estão voltando. Mais de 2,5 mil convites foram enviados e todos os 812 monumentos foram inspecionados.

As autoridades soviéticas tiraram o nome original da cidade do mapa, em 1925, e trocaram por um novo, em homenagem a Josef Stálin.  Mas depois da morte de Stálin, a ligação da cidade com o ditador, cujos expurgos tiveram como alvo milhões de cidadãos soviéticos, tornou-se um embaraço e o nome foi mudado para Volgogrado, em 1961.

“O nome nunca deveria ter mudado. É uma decepção histórica”, disse o veterano de 78 anos Fyodor Slipchenko, com o peito coberto de medalhas. “Digamos Pearl Harbour, será que você poderia chamá-la com outro nome? Não seria nada além de uma bobagem.”

Embora o movimento para restabelecer o nome de Estalingrado tenha sido recebido com simpatia pelos deputados locais e regionais, o presidente russo, Vladimir Putin, deixou claras suas reservas, observando recentemente que os símbolos da era soviética devem ser tratados com extrema cautela.

A Duma, a câmara baixa do Parlamento russo, que normalmente segue o que diz o Kremlim, ignorou um apelo na semana passada para levar adiante uma proposta que apoiava a mudança de nome.

“Do meu ponto de vista, Yuosif Vissarionovich Dzhugashvili, mais conhecido como Stálin, continua a ser o ‘Marechal Chefe’, ‘Amigo de todas as Crianças’ apenas para um número insignificante de russos”, escreveu o conhecido analista político Mark Urnov no jornal Trud.

“Precisamente ele e seu governo representaram o período mais agressivo e escuro na história soviética, e para muitos de nossos cidadãos a volta do uso de Estralingrado será associada a isso.”

A decisão cabe em última instância aos cidadãos de Volgogrado, que poderiam votar o assunto em referendo.  Até agora, no entanto, não há nenhum plano para isso.

Yuri Sizov, vice-primeiro-governador da região de Volgogrado, admitiu que um grande número de moradores locais não concorda com a mudança. Alguns se preocupam que o nome Estalingrado enviaria uma mensagem errada em relação ao caminho que esta região rural quer tomar.

Volgogrado já está impregnada de símbolos soviéticos. O busto de Lenin ainda aparece em murais da era soviética. Uma rua comunista e uma base do Exército Vermelho ainda podem ser encontrados. E a estátua de Felix Dzerzhinsky, um dos homens mais vilipendiados do passado soviético, continua a figurar em seu pedestal, com seu braço orgulhosamente estendido na direção da fábrica de tratores que leva o seu nome.

“Não estou preocupada com a conexão com Stálin”, declarou Lena Ponomarenko, uma faxineira cujo salário mensal é muito abaixo de US$ 100. “Mas como a mudança de nome poderia nos ajudar?  Seria caro e não melhoraria minha vida.”

Para por mais lenha na fogueira, alguns cidadãos argumentam que se o nome for trocado, deveria ser para Tsaritsyn. Até agora, os veteranos têm sido mais ouvidos.

“No dia 2 de fevereiro, haverá muitos contatos e reuniões com os veteranos. Acho que entenderemos então o que precisamos fazer adiante”, disse o vice-primeiro-governador Sizov.

Valentina Klyushina, vice-diretora do memorial gigante construído para homenagear os mortos da guerra, recolheu cartas de apoio, e o Partido Comunista abraçou a causa.

Embora Estalingrado não possa mais ser encontrada nos mapas russos, o nome continua a viver, sobretudo aqui. Uma grande faixa pendurada perto do aeroporto simplesmente diz:  “Estalingrado – 60 Anos”.  Pequenas usinas elétricas, localizadas ao longo das estradas, também escreveram nos muros:  “Tsaritsyn-Estalingrado-Volvogrado”, levando os moradores a fazerem piadas, dizendo que eles nunca sabem onde estão.

Mikhail Branovsky, um estudante de 16 anos que espera ser professor um dia, apóia a proposta de trazer de volta o nome Estalingrado. “Inicialmente, o nome Estalingrado homenageava um homem, mas depois da batalha e da vitória, isso mudou”, afirmou. “O nome tornou-se um símbolo do heroísmo de todo o país.  Perdeu a ligação com Stálin.”

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