Rota de colisão

A palavra final do PT (mas nem tanto) sobre a coligação com os tucanos do governador mineiro Aécio Neves em apoio ao secretário estadual Márcio Lacerda (PSB), que se lançará à disputa pela Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, é um retrato fidedigno da persistente crise de valores em que está imerso o ex-partido da ética e da transparência na política, em face do desastrado conluio de interesses financeiros com o empresário Marcos Valério Fernandes de Souza.

O PT da capital mineira recebeu da Executiva Nacional a ?recomendação? de rever a aliança que inclui PSB e PSDB com vistas à campanha municipal, concluindo que a expressão ?veto? poderia resultar em prejuízos muito mais danosos sobre a trajetória política do atual prefeito Fernando Pimentel que não mais poderá concorrer, além de colocar em rota de colisão os grupos internos que se postaram a favor ou contra a coligação com o governador. A novidade, porém, está no fato de que a Executiva Nacional não afastou a possibilidade de contar um apoio ?informal? do PSDB à chapa que pretende inscrever para a eleição municipal, embora a esta altura não haja nenhum candidato com cacife eleitoral suficiente para pleitear a indicação. O PT entraria na composição com o vice-prefeito, provavelmente o deputado estadual Roberto Brandão. No entanto, a posição dúbia assumida pelo PT nacional não bastou para arrefecer o ânimo do PSB, que não abre mão do lançamento da candidatura de Márcio Lacerda, levando os dirigentes do partido a trabalhar com a hipótese de que o equívoco deixará o PT fora da chapa majoritária nas intenções de voto do eleitorado da capital mineira.

Para os analistas familiarizados com a temperatura interna do caldeirão petista, entrementes, a decisão sobre a questão de Belo Horizonte é um demonstrativo evidente do antagonismo hoje instalado entre os dois grupos que se digladiam pelo controle nacional do partido incluindo, prioritariamente, a condução do processo sucessório do próprio presidente da República. Já não é novidade para ninguém a disposição de criar todos os embaraços possíveis e imagináveis à evolução natural da candidatura da ministra-chefe da Casa Civil Dilma Rousseff, hoje o nome que conta com a preferência de Lula. E a orquestração já identificada tem na pessoa do ministro da Justiça, Tarso Genro, o principal articulador da idéia do erguimento de uma nova frente hegemônica de comando no partido.

Também integram o núcleo de pensamento, segundo o noticiário político, os ministros Luiz Dulci e Patrus Ananias, os que mais trabalharam pelo torpedeamento da aliança com o governador Aécio Neves, e o assessor para assuntos internacionais, Marco Aurélio Garcia, além do governador baiano Jacques Wagner. Alguns analistas passaram a ver numa recente entrevista de Genro o sinal aberto do desconforto dos petistas com potencial para sonhar com a indicação presidencial, em relação ao favoritismo devotado de Lula pela pré-candidatura da ministra Dilma Rousseff, que sequer possui vivência histórica no PT.

Mais que isso, os políticos convencidos da necessidade de formar o que chamam de novo campo hegemônico na direção do partido, além de escoimar figuras indesejáveis como José Dirceu, José Genoino, Luiz Gushiken, Ricardo Berzoini e companhia, dão a entender mesmo sob a severa autodisciplina das palavras, que nem mesmo Lula teria a autoridade para se superpor à prerrogativa do partido na definição de seus candidatos.

Os estilhaços subjacentes do encarniçado conflito interno instalado no PT, a partir do escândalo do mensalão e do episódio burlesco dos dólares na cueca do suposto assessor do irmão do então presidente Genoino, mais tarde adubados pela farsa do dossiê contra José Serra, ao que parece, chegaram ao ponto de explosão. Haverá uma luta sem quartel entre os éticos e os que ainda se acham herdeiros da tradição petista, mesmo que poucos consigam ver onde foram se estatelar os paradigmas antes verbalizados com tanta veemência. 

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