Riscos da aventura

O presidente Hugo Chávez, em cerimônia realizada em Caracas, assinou o ato formal de ingresso da Venezuela no Mercosul, referendado pelos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva, Néstor Kirchner (Argentina), Nicanor Duarte Frutos (Paraguai) e Tabaré Vasquez (Uruguai), países signatários do acordo estabelecendo normas de livre comércio entre as repúblicas do cone sul da América. Muitas normas sequer saíram do papel, depois de tantos anos de tratativas, face às acentuadas assimetrias persistentes na economia interna dos componentes do bloco. Ainda agora essa diferenciação flagrante foi reiterada pelo presidente paraguaio na sua jeremiada contra o que reputa inaceitável indiferença com os parceiros mais pobres.

Duarte não titubeou em pisar num ponto nevrálgico da questão ao ratificar a intenção de cancelar a participação do país no Mercosul, caso resultem infrutíferas as reivindicações de tratamento igualitário de parte das duas maiores potências industriais do bloco, Brasil e Argentina, em relação a seu país.

Para um tratado internacional de pouquíssimo avanço em termos do estabelecimento cabal dos elementos fundantes, a eliminação gradativa de barreiras alfandegárias e, afinal, o pleno funcionamento do regime de livre comércio, além da série de acordos complementares (alguns ainda em fase de discussão), o ingresso da Venezuela constitui uma esfinge à qual se dirigirá a perícia dos analistas internacionais na tentativa de decifrá-la, embora os primeiros indícios da empreitada exijam tempo para serem dados a conhecer.

Adversário feroz do Tratado de Livre Comércio das Américas (Alca), face à hegemonia dos Estados Unidos e frustrado no ímpeto de plantar na Comunidade Andina de Nações (CAN) o marco da revolução bolivariana da qual é artífice, cujo dividendo imediato seria a afirmação da liderança política no subcontinente, Chávez acabou entrando em rota de colisão com os presidentes da Colômbia, Peru e Equador, ao passo que granjeou fiel discípulo na pessoa do presidente boliviano Evo Morales. Tanto a presidente do Chile, Michele Bachellet, quanto Lula e Kirchner, passaram a manter certo distanciamento do colega venezuelano, a quem nas conversas mais íntimas decerto atribuem um açodamento não condizente com a postura de um chefe de estado.

Não se pode antecipar, todavia, diante da mudança do quadro, sobretudo motivada pelo forte viés personalista do presidente venezuelano e do esforço que sem dúvida fará para ?vender? seu credo político aos parceiros do Mercosul, qual será a reação dos presidentes dos países signatários, instância máxima das decisões do bloco. A recente proposta de Chávez de construir gigantesco gasoduto (US$ 25 bilhões) para cruzar a Amazônia e chegar a Manaus, e daí, em dois trechos na direção do nordeste e Brasília, Rio de Janeiro, Uruguai e Argentina, será tema obrigatório, tendo em vista a gravidade dos riscos políticos, financeiros, tecnológicos e ambientais do empreendimento.

Observadores diplomáticos enquadram o projeto de Chávez como autêntico canto de sereia, não apenas pela geração de um milhão de empregos e a integração física dos países sul-americanos, numa épica reedição do ancestral caminho do Peabiru, por onde cruzaram os antepassados de nossos povos, mas pelo fato de o intrépido coronel vir a reclamar a láurea de construtor do maior gasoduto do mundo.

Há quem prefira, especialmente no caso brasileiro, as vantagens do aumento da oferta doméstica de gás natural e da diversificação das fontes de importação, ao invés de mais uma aventura.

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