Responsabilidade Objetiva

A saúde do trabalhador e a garantia de trabalho digno são asseguradas em nosso País pela legislação vigente, que subordina o capital ao atendimento por primeiro da prevalência do social: a propriedade atenderá a sua função social (CF, art. 5.º, XXIII); a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (…) função social da propriedade (CF, art. 170, III).

A proteção à saúde é um direito de todos e um dever do Estado (CF, art. 196): ?A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação?.

O empregador tem o dever legal de assegurar ao empregado trabalhar num meio ambiente de trabalho seguro e equilibrado, cuidando para que as instalações de trabalho ofereçam condições isentas de riscos ou exposição a agentes físicos, químicos e biológicos danosos à saúde, nos termas do art. 157, inciso 1, da CLT, que dispõe: ?Cabe às empresas: I – cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho; II – instruir os empregados, através de ordens de serviço, quanto às precauções a tomar no sentido de evitar acidentes do trabalho ou doenças ocupacionais; III – adotar as medidas que lhes sejam determinadas pelo órgão regional competente; IV – facilitar o exercício da fiscalização pela autoridade competente?.

Extraem-se ainda do comando constitucional diversos enunciados asseguradores da concretização da garantia da dignidade da pessoa humana: a cidadania; a dignidade da pessoa humana (CF, art. 1.º, II e III). Jornada de trabalho não pode ser extenuante, máxima de oito horas diárias (CF, XIII). Meio ambiente sadio e equilibrado onde encontre no trabalho concretização de suas inspirações à melhoria de sua condição social e de vida (CF, art, 7.º, I e 225 e § 3.º), Garantia de redução s riscos ocupacionais inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança (CF, art. 7.º, XXII).

Cabe, ainda, acrescentar que a ordem econômica fundada na valorização do trabalho humano, tendo como base o princípio do trabalho humano (CF, art. 170 e 193),

Todos esses enunciados trazem implícitos os princípios protetores do trabalho humano, objetivando-se a concretização perseguida pela República Federativa do Brasil, à vista de: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária; II – garantir o desenvolvimento nacional; III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (CF, art. 1.º).

2. Dos Acidentes do Trabalho e Doenças Ocupacionais

O legislador constituinte brasileiro adotou a infortunística em proteção à incolumidade física e mental do trabalhador, instituindo o Seguro obrigatório contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa (CF, art. 7.º, XXVIII).

A legislação ordinária vigente recepcionada pela Carta Cidadã, dispões sobre essas garantias de forma tipificada, caso a caso, incluindo a Consolidação das Leis do Trabalho que no Capítulo V, cuida do disciplinamento das questões voltadas à saúde do trabalhador (Segurança e Medicina do Trabalho), artigos 153 a 201, sendo que o art. 200 autoriza o Ministério do Trabalho a editar normas regulamentadoras de cada atividade com preceito de lei, as conhecidas NR?s e o art. 201 autoriza a imposição de multa pelos desrespeitos, quanto aos infratores dessas garantias: ?O Ministério do Trabalho pode delegar a outros órgãos federais, estaduais e municipais a fiscalização ou orientação às empresas quando ao cumprimento das normas de segurança e medicina do trabalho? (CLT, art. 159). ?Cabe ao Ministério do Trabalho estabelecer disposições complementares às normas do Capítulo V (Segurança e Medicina do Trabalho)? (CLT, art. 200).

Regulamentando a contribuição patronal quanto ao Seguro Obrigatório contra acidentes de trabalho, a Lei 8.212/91, em seu artigo 22, dispõe sobre a constituição do SAT (Seguro de Acidente do Trabalho) a encargo da empresa para o financiamento do para financiar o benefício de aposentadoria especial ou daqueles concedidos em razão do grau de incidência de incapacidade laborativa decorrente dos riscos ambientais do trabalho e incidente sobre a folha de pagamento mensal, que é de: a) 1% (um por cento) para as empresas em cuja atividade preponderante o risco de acidentes do trabalho seja considerado leve; b) 2% (dois por cento) para as empresas em cuja atividade preponderante esse risco seja considerado médio; c) 3% (três por cento) para as empresas em cuja atividade preponderante esse risco seja considerado grave.

Diante dos anunciados déficits e preocupado em adequar a fonte de receita com as despesas de custeio do INSS com os gastos do financiamento à concessão do benefício de aposentadoria especial ou daqueles concedidos em razão do grau de incidência de incapacidade laborativa decorrente dos riscos ambientais do trabalho, a encargo do empregador, o governo fez aprovar no Congresso Nacional a Lei n.º 10.666, de 08 de maio de 2003 (DOU de 09/05/2003) que permite a flexibilização e ou majoração das alíquotas então instituídas pelo art. 22 da Lei 8.212/91, inciso II (de 1 a 3%) incidente sobre a folha de pagamento, em até 50% e ou num acréscimo em até 100%, passando a ser taxado de acordo com o grau de incidência de doenças, critério epidemiológico, em substituição ao critério de percentuais fixos, vigentes até então, que são estabelecidos por ramo de atividade independentemente da qualidade do ambiente de trabalho e dos índices reais de acidentes e doenças.

3. Responsabilidade objetiva

Como visto, dispõe o artigo 157 da Consolidação das Leis do Trabalho ser dever do empregador cuidar para que as instalações de trabalho ofereçam condições isentas de riscos danosos à saúde e ou à vida do trabalhador.

No caso de infortúnio e em não sendo eliminadas as causas internas existentes no meio ambiente de trabalho passíveis de ocasionar acidentes e ou doenças ocupacionais, responde o empregador objetivamente pelos prejuízos ocasionados ao empregado e na extensão do dano.

O NCCB no art. 927, parágrafo único traz regramento específico quanto a esta questão de existência de risco para os direitos de outrem, aplicável ao direito do trabalho: ?Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem?.

A aplicação da responsabilidade objetiva à hipótese em comento decorre do entendimento de que a empresa teve culpa para que o evento se produzisse, violando a responsabilidade do empregador pelos cuidados que lhe são exigidos pelas normas protetivas, concluindo-se que tal infração, omissiva ou comissiva, foi a causa geradora dos fatores que desencadearam o acidente e ou a moléstia ocupacional.

Neste sentido, vem avançando a doutrina e a jurisprudência: ?EMENTA: ACIDENTE DE TRABALHO INDENIZAÇÃO RESPONSABILIDADE OBJETIVA. Em se tratando de acidente de trabalho, a indenização expressamente ressalvada pela Constituição da República de 1988 (art. 7.º, inciso XXVIII), trafega pela teoria do risco, e não da culpa. A responsabilidade objetiva impõe o dever geral de não causar dano a outrem que, prejudicado, fica isento do ônus de provar tenha procedido com dolo ou culpa, bastando a demonstração do dano e da relação direta de causalidade entre os objetivos empresariais e o evento danoso, para fazer jus ao pleito reparatório?. (TRT-3.ª Reg. RO 15369/01, Rel. Juíza Lucilde D?Ajuda Lyra de Almeida, quarta turma, decisão publicada no DJ em 23/02/2002).

Do mesmo Tribunal, também a Sétima Turma exarou decisão com o mesmo entendimento: ?(…) não importa se o reclamante trabalhava também com treinamento das equipes sobre segurança do trabalho e que ele fizesse distribuição dos EPIS revisores, uma vez que a responsabilidade da empresa é objetiva no sentido de observar as normas de saúde e proteção do trabalhador?. (TRT-3.ª Região, RO 00520-2004-028-03-00-3, Sétima Turma, Rel. Luiz Ronan Neves Koury, decisão publicada no DJ em data de 20.01.05).

4. Responsabilidade Civil

Como decorrência da aprovação pelo Congresso Nacional da EC. 45 que ampliou a competência da Justiça do Trabalho para julgar todo conflito resultando de uma relação de trabalho e não mais apenas uma relação subordinada entre empregado e empregador, a doutrina e a jurisprudência vem avançando no sentido de ser aplicável à hipótese de dano ao empregado, com culpa do empregador, além das previstas na legislação trabalhista, as normas complementares da legislação civil, que cuidam da responsabilidade civil por violação a direitos protegidos, pelo Código Civil Brasileiro.

Mesmo cuidando de questão envolvendo uma relação de trabalho e em se tratando de hipótese de se buscar a reparação, por meio de indenização, a fonte do direito a aplicar-se à hipótese é a do direito civil e supletivamente, a teor do permissivo autorizado pelo artigo 769, da CLT.

A questão não nova e o STF já decidiu positivamente neste sentido: ?Para saber se a lide decorre da relação de trabalho, não tenho como decisivo, data venia, que a sua composição judicial penda ou não de solução de temas jurídicos de direito comum, e não, especificamente, de Direito do Trabalho. O FUNDAMENTAL É QUE A RELAÇÃO JURÍDICA ALEGADA COMO SUPORTE DO PEDIDO ESTEJA VINCULADA, COMO EFEITO À SUA CAUSA, À RELAÇÃO EMPREGATÍCIA…? (CJ n. 6.959-6-DF, j. em 23.05.1990, relator Min. Sepúlveda Pertence – Revista LTr, SP, v. 59, n. 10, p. 1375, 1995).

5. Ofensa à Saúde

Não é lícito ao empregador dispor de seus empregados como se fossem objetos, meras peças descartáveis, sem qualquer responsabilidade com o social. A prática de tais atos caracteriza abuso.

Os artigos 186 e 187 do NCC caracterizam tais abusos como ato ilícito, ainda que exclusivamente moral, ficando o seu causador obrigado a repará-lo. É o que o art. 927 do mesmo Código Civil vigente: ?Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo?.

Como conclusão e na ocorrência do infortúnio, sem que o empregador haja cumprido com seu dever de afastar as condições de risco, a culpa a aplicar-se é a objetiva, devendo indenizar os prejuízos decorrentes ao empregado prejudicado e na extensão do dano. É o que dispõe o art. 944 do CC: ?A indenização mede-se pela extensão do dano?.

Incluem-se ainda na indenização e à extensão do dano, todas as despesas de tratamento e dos lucros cessantes, até o fim da convalescença, pensão vitalícia (art. 950, CC), além de outros prejuízos que o ofendido haja sofrido (CC, art. 949).

6. Conclusão

Necessário tirar-se o País do rol de campeão em acidentes do trabalho. Ação enérgica para o cumprimento da legislação da infortunística vigente é medida que se impõe, quer pela fiscalização do Estado, quer do Poder Judiciário que tem responsabilidade pela aplicação da legislação protetora vigente, dando-se efetividade às garantias legais protetoras da vida e da dignidade da pessoa humana, como bem já concluiu com acerto e perspicácia o Juiz Georgenor de Sousa Fanco Filho, recentemente, em outubro/05, ao julgar, como relator o RO 01327-2003-112-08-00-4 -Ac. 1.º T: ?O art. 5.º da Constituição da República e o art. 3.º da Declaração Universal dos Direitos Humanos estabelecem que toda pessoa tem direito à vida, liberdade e à segurança pessoal. O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, ratificado pelo Brasil, em seu art. 6.º, item 1, estabelece: O direito à vida é inerente à pessoa humana. Este direito deverá ser protegido por lei. Ninguém poderá ser arbitrariamente privado de sua vida (…). A questão trazida a lume é grave e algo precisa ser feito por quem tem autoridade para tal (…). Se o Poder Judiciário brasileiro é provocado, deve agir. É sua missão. Se a Justiça do Trabalho é a competente, que exerça seu papel? (LTR. 69-11-1388/1391).

Apesar de a decisão tratar de caso de trabalho escravo, não é diferente das hipóteses dos abusos, omissões, fraudes, subnotificações acidentárias que vem sendo praticadas, como temos denunciado em nossos artigos, diante da constatação e dos informes que vamos colhendo da realidade fática vivenciada pelos trabalhadores, como por exemplo, os descritos no artigo intitulado: ?Doenças Ocupacionais. Exames negativos da doença, nexo e suas causas?, artigo publicado no site www.jusvi.com e no endereço eletrônico seguinte: http://jusvi.com/doutrinas_e_pecas/ver/20115

Luiz Salvador é advogado trabalhista em Curitiba, em Paranaguá e em Mogi das Cruzes, secretário geral da ALAL, cordenador Brasileiro do Dep. de Saúde do trabalhador da Jutra, diretor, da ABRAT/SASP e membro integrante do Corpo Técnico do Diap. defesatrab@uol.com.br / www.defesadotrabalhador.com.br

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