República sindicalista

É sintomática, para não dizer profética, a definição – uma “República Sindicalista” – feita pelo ex-secretário de Gestão, Humberto Martins, ao pedir demissão no vaivém do órgão entre o Ministério do Planejamento e a chefia da Casa Civil. Ele pediu o boné e foi para casa quando o presidente Lula mandou José Dirceu devolver a Secretaria de Gestão a um Guido Mantega amuado com o esvaziamento de sua pasta. O órgão-bumerangue, que nem sequer chegou a esquentar nas mãos de Dirceu. No Planalto acontecem coisas que os da planície não apenas desconhecem, mas, como definiu Humberto, sofrem as conseqüências: “Quando dois elefantes brigam, quem sofre é a grama”.

Queriam separar a área de recursos humanos daquela responsável pela folha de pagamentos. Dizem que é mais moderno. Mas não deu certo e isso tem significado menor. O indicativo maior é aquele que nos informa que o governo de Lula ainda não sabe para onde ir. Não é, portanto, apenas o debate sobre a autonomia do Banco Central que está amuando os mercados. Nesse angu pré-carnavalesco está também a revolta do PMDB, que explode menos de quinze dias depois da triunfal recepção do partido dentro dos quadros do governo, o pastelão atirado na cara do ministro de plantão no Ministério do Trabalho, Ricardo Berzoini e, para abreviar o relatório, a esticada greve dos peritos da Previdência – a tumultuada área que só no governo Lula já ensaia a terceira greve, para desespero geral dos segurados, velhinhos e pensionistas menosprezados.

Na “República Sindicalista” de Lula (e observe-se que quem cunhou o termo era um colaborador de primeira linha até quarta-feira passada) falta vontade política para resolver problemas comezinhos como este dos peritos da Previdência. De norte a sul, trabalhadores desesperados dependem de um laudo médico para receber o dinheiro que lhes garante a comida, mas os do governo, incluindo o presidente Lula, fazem de conta que isso não é com eles. Pior: a se julgar pelo que denunciam os funcionários da Previdência, não cumprem sequer os acordos fechados, a ponto de fomentar o anúncio de outra greve geral, nem terminada ainda a paralisação dos peritos.

Na confusão, perde-se até o respeito: no jantar de comemoração dos 24 anos do PT, dia desses, o deputado Walter Pinheiro achou uma forma no mínimo inusitada para criticar os então anunciados cortes no orçamento: “Ministro, você está com uma pança muito avantajada. Em vez de cortar nossas emendas, deveria cortar essas gorduras a mais”. Que é isso, companheiro? Na outra ponta, o ministro da Integração Nacional, Ciro Gomes, não esconde seu desengano ante a distância que vai entre o discurso e o efetivo socorro às vítimas das enchentes do Nordeste. No Congresso Nacional, tem deputado envergonhado pelo período extraordinário que muito gastou e desgastou, mas não justificou a convocação feita pelo presidente Lula.

Com tudo isso e muito mais, onde se junta um desempenho “decepcionante” (pior índice em termos reais desde 1998) da indústria nacional, uma queda sem precedentes no valor de compra dos salários de quem tem emprego, mais o aumento do desemprego em todas as áreas… com tudo isso não é de estranhar que a popularidade do presidente Lula esteja em franca descida, feito criança atordoada em tobogã de curva. Na ainda generosa avaliação dos brasileiros, ele desfruta de 65,3% das preferências, contra as 83,6% do início do governo. Esses 18,3 pontos percentuais foram perdidos ao longo de um ano em que o discurso ora recorreu ao recurso da novidade, ora à estratégia do alongamento da esperança. O espetáculo do crescimento – lembra-se? – foi prometido para o segundo semestre e, já virado o calendário, ainda não começou. A geração de empregos novos também é meta ainda no papel. Isso significa que, de agora em diante, a descida pode ser ainda maior.

Na área sindical, sabe Lula, uma boa negociação salarial pode salvar a popularidade de um presidente. No governo é preciso muito mais que isso…

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