Renúncia de presidente paralisa de vez a capital boliviana

De um lado cartuchos de dinamite, do outro bombas de gás lacrimogênio. Todos explodindo para desespero dos bolivianos. Uma imagem que está longe de ser a paz pretendida pelo presidente Carlos Mesa, que hoje apresentou ao Congresso sua renúncia formal anunciada na véspera. O aumento dos enfrentamentos na capital da Bolívia torna imprevisível se amanhã será realizada a sessão no Congresso que pode decidir se aceita ou não o pedido de Mesa. No vazio de poder vigente no país, rumores vão desde um golpe de Estado até a ascensão de um líder revolucionário de esquerda à presidência.

A capital La Paz está isolada por bloqueios, marchas e choques violentos entre protestantes e a polícia – que hoje agiu com mais energia. Desde cedo, o país vive uma série de protestos convocados por líderes sociais que agora querem a nacionalização do gás, a convocatória de uma Assembléia Constituinte e eleições gerais – já que eles próprios manifestaram que não vão aceitar, novamente, manter Carlos Mesa na presidência.

Hoje, dezenas de mineiros de Oruro, a 230 quilômetros a sudeste da capital, chegaram a La Paz. Os camponeses que bloqueiam as principais estradas de acesso para a maioria das pessoas (perto de 100 em todo o país) liberaram facilmente sua passagem. Os mineiros vieram carregados de explosivos. Desde cedo o aeroporto que fica em El Alto, cidade-dormitório de La Paz, está isolado com os bloqueios. A reportagem da Agência Estado teve de atravessar três barricadas de pedras, cercas e pneus queimados. Passou por uma marcha e desviou de inúmeras barreiras policiais. Muitos turistas tinham simplesmente de carregar a pé pesadas malas por quilômetros de ladeiras até chegar à capital.

Os ônibus pararam de rodar. Há pouquíssimos carros circulando. São raros os motoristas dispostos a enfrentar as manifestações. Tampouco há combustível sobrando. Gasolina somente no mercado negro. Um litro sai por cerca de 6 bolivianos, quase o dobro do valor normal. Nas ruas da capital, a maioria das lojas está fechada. "Temendo a experiência de outubro de 2003, nossa prioridade é ‘apagar incêndios’ e fazer com que o abastecimento seja restabelecido", afirmou o ministro de Energia Guillermo Torres.

Falta comida e água no comércio e sobra bom senso para os comerciantes que mantiveram suas lojas fechadas para não vê-las depredadas.

Militares ocuparam a Praça Murillo, onde ficam o Palácio de Governo e do Congresso. Uma rádio de notícias aconselhava à população a ficar nas suas casas, assim como evitar olhar pelas janelas. As escolas permaneceram fechadas e o governo anunciou que as férias de inverno dos estudantes serão antecipadas.

Esta é a segunda renúncia de Carlos Mesa. Na primeira vez, em março, o presidente conseguiu com o ato reverter a onda de protestos e seguiu fortalecido no poder até cerca de 20 dias atrás, quando reiniciaram os protestos na Bolívia. A julgar pelas manifestações de hoje, é pouco provável que os líderes sociais queiram dar um novo voto de confiança em Mesa. E muito menos deixar que os presidentes do Congresso, Hormando Vaca Díez o primeiro da linha sucessória, ou da Câmara, Mario Cossío, o segundo, assumam a presidência.

O cocalero Evo Morales, líder dos Movimiento Ao Socialismo (MAS), parece traduzir o que querem os protestantes. Que também renunciem Vaca Díez, tido como representante da oligarquia da parte oriental da Bolívia, e Cossío, e assuma Eduardo Rodríguez, presidente da Suprema Corte. É ele quem pode convocar eleições antecipadas e já se mostrou disposto a governar nesse período de transição. "Não adianta nada que só Mesa renuncie, porque esta não é a solução", disse Morales.

Mas há o impasse ainda da aceitação da renúncia de Mesa. Vaca Díez fez um apelo aos protestantes para que não hostilizem, nem impeçam amanhã a chegada de parlamentares ao Congresso. E pediu às autoridades policiais que dêem garantias de segurança para a realização da sessão. Com pressão, não haverá votação. Hoje, em Santa Cruz de la Sierra, o cardeal Julio Terrazas se reuniu com os líderes dos protestos para encontrar uma saída para a crise.

Em meio à crise, rumores de que militares assumiriam o poder num golpe de Estado circularam entre os manifestantes, o que esquentou ainda mais o humor deles. Já partidários do MAS voltaram a cogitar a possibilidade de Evo Morales assumir a presidência da Bolívia, se eleições gerais realmente forem convocadas. Segundo analistas políticos, é um forte candidato, mas detém estimados 25% do eleitorado. Ele é mais um entre os representantes dos quechuas e dos aymaras, as duas etnias indígenas que somam quase 60% da população.

A última onda de protestos começou depois que o Congresso aprovou uma nova lei de energia, que eleva os impostos das companhias estrangeiras que exploram sobretudo o gás boliviano. A Lei dos Hidrocarboretos atinge diretamente a companhia brasileira Petrobrás, que já investiu cerca de US$ 1 bilhão no gasoduto Brasil-Bolívia. A quebra de contratos deve ser contestada judicialmente pelas empresas internacionais. Como o presidente Mesa se recusou a assinar a norma, ele acabou perdendo apoio tanto dos parlamentares quanto dos manifestantes.

O desgaste de Mesa tornou-se ainda maior com a sensação de falta de pulso em lidar com o retorno dos protestos em cidades bolivianas.

Partidos radicais de esquerda ampliaram os bloqueios nas estradas e passaram a defender a bandeira da nacionalização do gás. Na segunda-feira, Mesa viu-se obrigado a abandonar o Palácio de Governo por causa da fúria dos manifestantes e só voltou para anunciar sua renúncia.

Mesa era vice-presidente de Gonzalo Sánchez de Lozada e assumiu o poder em outubro de 2003, quando uma onda de protestos também de radicais de esquerda, tomou conta da capital por causa dos planos bolivianos de exportar o gás passando pelo Chile. Mais de 70 pessoas morreram nos confrontos com a polícia. Agora, isolado politicamente, Mesa só espera a hora de deixar seu posto e assistir a crise longe do turbilhão que se transformou a pobre Bolívia.

Voltar ao topo