Reforma do judiciário e construção de uma sociedade livre, justa e solidária

A Constituição Federal de 1988 ampliou o papel político do Judiciário, colocando-o na posição efetiva de um Poder de Estado. Essa posição é imprescindível para a concretização dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil; dos fundamentos do Estado Democrático de Direito e dos direitos fundamentais. Para que o Poder Judiciário cumpra esse papel, sem dúvida precisa dispor de uma estrutura moderna, administrada com eficiência, contando com servidores e juízes probos e bem preparados. Além disso, as leis devem ser adequadas aos anseios da sociedade por justiça e devem acompanhar a dinâmica do mundo moderno globalizado.

Não obstante, a realidade atual demonstra que o Judiciário não tem revelado desempenho satisfatório no cumprimento de sua missão, tanto no aspecto da duração razoável do processo quanto da eficácia, o que gera uma enorme insatisfação social. Basta verificar alguns números. Se por um lado houve aumento da quantidade de processos em virtude da ampliação do acesso à justiça pela atual Constituição, por outro se verifica que o Judiciário não consegue dar a solução final em tempo razoável. Na Justiça Federal Comum de 1.ª instância, por exemplo, no ano de 1998 foram distribuídas 838.643 ações, e havia 2.331.214 em andamento, em 31/12/98. No ano de 2007 foram distribuídas 2.474.704 e havia em andamento 6.233.563, em 31/12/2007. Assim, entre 1998 e 2007 o número de feitos ajuizados e em tramitação cresceu em torno de 200%(1).

Há quase duas décadas se enfatiza a existência de uma ?crise? da instituição e a necessidade de reforma do Judiciário. Esta teve início no ano de 1992 no âmbito do Congresso Nacional. A Reforma ensejou alterações constitucionais e legais. No entanto, as medidas efetuadas não têm sido suficientes para resolver o problema da morosidade, pois o Judiciário continua com uma demanda excessiva (no dia 6/11/2007, o site do STJ noticiou que aquele tribunal chegou a um milhão de recursos especiais; e em 5/3/2008, a 100.000 habeas corpus).

A generalizada sensação de ?crise? tornou o Poder Judiciário o ?bode expiatório?, sem considerar que os demais Poderes e os integrantes do sistema judicial também são responsáveis pelo que se denomina ?crise? da justiça, ou seja, o Executivo e o Legislativo colaboram, em grande parte, com a alta litigiosidade, tendo em vista o excesso de pacotes econômicos, tributários e previdenciários, bem como devido a atitude das entidades estatais que, com freqüência, violam o direito dos cidadãos(2). Quanto ao sistema judicial, este não compreende apenas o Poder Judiciário e suas instâncias, mas as múltiplas instituições envolvidas na solução de conflitos por meio da aplicação e da implementação do ordenamento legal: a Advocacia, o Ministério Público, a Defensoria Pública, as Procuradorias das pessoas jurídicas de direito público e de outros órgãos etc.

O próprio Poder Executivo já concluiu o seguinte: ?Deve-se reconhecer com clareza a posição do Poder Público (União, Estados e Municípios) em relação ao Judiciário. O Estado é o maior cliente do Poder Judiciário em torno de 80% dos processos que tramitam nos tribunais superiores tratam de interesses do governo?(3). No mesmo sentido apregoa o Relatório do Banco Mundial do ano de 2004(4): ?…Grande parte do crescimento acelerado no número de processos nas esferas estadual e federal parece ter a ver com reclamações relacionadas a questões de governo em especial impostos e pensões…?.

Tais fatos indicam que há um ganho com a alta litigiosidade e a morosidade da atividade jurisdicional, conforme concluiu o Relatório do Banco Mundial: ?Muito embora o Judiciário não seja isento de culpa, tornou-se o bode expiatório universal para uma situação em que há outros que contribuem igualmente, se não até mais… O governo, as concessionárias de serviços públicos e os bancos contribuem e tiram vantagens dos próprios atrasos que criticam uma vez que esses atrasos lhes permitem atrasar os pagamentos aos reclamantes e provavelmente reduzem a incidência geral de reclamações. (…) ?A política generosa para interposição de recursos e a multiplicidade de recursos que podem ser interpostos em relação a um único processo são usadas por querelantes oportunistas…?.

Portanto, para se viabilizar uma completa reforma do Judiciário é necessária a cooperação dos integrantes do sistema judicial, bem como dos demais Poderes, pois, conforme destacado no Relatório do Banco Mundial, ?(…) se o Brasil está interessado em introduzir soluções que sejam mais eficazes para a conhecida ladainha de críticas, todos os usuários habituais do sistema devem fazer sacrifícios?. Somente assim será possível a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, conforme requer a Constituição Federal de 1988.

Notas:

(1)     Disponível em http://.cjf.gov.br.

(2)     RIBEIRO, Antonio de Pádua. A Reforma do Poder Judiciário. João Pessoa/PB. Palestra proferida em 06/08/99. Ciclo de Painéis sobre as Reformas do Estado. In http/:www.bdjur.stj.gov.br.

(3)     RENAULT, Sérgio. O Executivo e a Reforma do Poder Judiciário. http://www.mj.gov.br.

(4)     BANCO MUNDIAL. Fazendo com que a Justiça conte. Medindo e Aprimorando o Desempenho da Justiça no Brasil. Relatório n.º 32.789-BR do Banco Mundial Unidade de Redução de Pobreza e Gestão Econômica. 30/12/2004. Disponível em  http;//siteresources.wordbank.org.

Vera Lúcia Feil Ponciano é juíza federal da 8.ª Vara de Curitiba.

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