Reflexos práticos da nova Lei de Falências

A presença de mecanismos capazes de punir eficazmente as empresas inadimplentes é essencial para aumentar a eficiência e a produtividade da economia de um país. A imposição de uma punição correta é basilar para o bom funcionamento do mercado de crédito.

Quando se pune tais empresas com extremo rigor, como no caso de prisão ou até escravidão, como ocorria num passado não tão distante, estamos penalizando em excesso os potenciais devedores e, dessa forma, restringindo o mercado de crédito. Tal situação poderá ocasionar o fechamento de empresas saudáveis, que passam por meros problemas de liquidez temporários.

Por outro lado, a punição não pode ser tão singela a ponto de gerar insegurança no mercado. Assim, o grande desafio é encontrar um meio termo.

Os Estados Unidos foram os pioneiros em implantar um sistema falimentar visando à possibilidade de recuperação judicial das empresas. Esse sistema, por apresentar-se equilibrado, tem despertado interesse em todo o mundo, inspirando diversos países no sentido de alterar suas legislações.

O antigo sistema falimentar brasileiro previa basicamente dois institutos para lidar com as empresas em dificuldades: a falência e a concordata. A falência é o instrumento de liquidação judicial utilizado para lidar com empresas insolventes (passivo maior que o ativo), enquanto a concordata é o instrumento para empresas com dificuldades transitórias de endividamento.

Para se ter uma idéia, o Instituto Brasileiro de Gestão e Turnaround (IBGT) estima que, se a atual lei tivesse sido aprovada anteriormente, em 2002, 90% das empresas que encerraram suas atividades teriam condições de ter sobrevivido, gerando, por conseqüência, uma diminuição nos níveis de desemprego, maior aquecimento da economia, acirramento da concorrência com benefício aos consumidores.

A Nova Lei, agora nomeada Lei de Recuperação de Empresas, extingue a figura da Concordata, que há muito já não era utilizada para o fim destinado, qual seja, a recuperação efetiva de uma empresa. Servia tão somente para retardar a decretação da falência e seus efeitos. Esse instituto foi substituído pela Recuperação Judicial.

Pela recuperação, a empresa com dificuldades financeiras, reconhecidas pelo Poder Judiciário, terá a possibilidade de ter a sua viabilidade econômica analisada por meio da apresentação de um plano de recuperação.

Esse plano não fica mais limitado à previsão legal, mas será aberto para discussão entre credores e devedor. Havendo acordo entre as partes, o juiz deverá homologar o plano. Não sendo possível o acordo, deverá ser decretada a falência da empresa.

O processo de recuperação será acompanhado pelo juiz pelo prazo de dois anos. Nesse período, havendo descumprimento do acordado em Assembléia de Credores, será decretada a falência do devedor. Após esse período, os credores, isoladamente, promoverão as medidas de recuperação de crédito cabíveis, posto que, após a aceitação do plano, haverá novação da dívida, ou seja, valerão os termos do acordado no plano de recuperação.

Já no aspecto da falência, um grande avanço da Nova Lei é a imediata realização do ativo, ou seja, a venda dos bens arrecadados do falido, priorizando sua venda em blocos. Com isso, será preservado o fundo de comércio. Pela antiga lei, a venda dos bens somente ocorreria após a formação do quadro geral de credores, o que prolongava em demasia o início dessa fase de suma importância.

E a questão da sucessão de obrigações quando da venda de imóveis e unidades produtivas das empresas falidas ou em dificuldades também foi resolvida pela nova legislação. Pela antiga lei, mesmo se agindo de boa-fé, o comprador desses ativos corria o risco de assumir obrigações trabalhistas e fiscais do vendedor. Por conta desses efeitos, os bens de empresas em dificuldades são depreciados, sendo, assim, desaconselhados negócios nesse sentido. Pela nova lei, não haverá mais tal sucessão.

Evidentemente, para evitar a ocorrência de possíveis fraudes, essa sucessão poderá ser aplicada. No entanto, independentemente de seu mérito, a antiga lei era causa de desvalorização econômica artificial dos bens e ativos de empresas em dificuldades, impedindo, ainda, a eficácia dos processos de falência e de recuperação de empresas.

Ademais, em razão de ter sido estabelecida limitação para pagamento dos débitos trabalhistas em 150 salários mínimos por trabalhador, bem como pelo Fisco ter ficado em terceiro lugar na ordem de recebimento, precedido pelos credores com garantias reais, faz com que os demais credores tenham maior interesse no acompanhamento/fiscalização do procedimento, face à maior possibilidade de recebimento de seus créditos.

Para finalizar, outro ponto que merece ser salientado é a questão dos "créditos extraconcursais". Entre outros, entende-se nesse critério os créditos adquiridos durante o plano de recuperação, porém, não sujeitos a este. Assim, caso eventualmente venha a ser decretada a falência do devedor, esse credor terá o direito de receber o crédito com prioridade, inclusive sobre os créditos trabalhistas. Mais uma vez, a medida visa à efetiva recuperação da empresa que, mesmo em dificuldades financeiras, terá diminuído os riscos para concessão de crédito a seu favor.

Em breve síntese, espera-se que, com a diminuição dos riscos para o mercado de crédito, seja, consequentemente, gerada uma diminuição nas taxas atuais de juros, permitindo um maior aquecimento da economia.

Elaine Cristina Zanão é advogada

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