Rede de intrigas

Como os laços de consangüinidade nem sempre são compatíveis com os de afinidade, estamos sempre às voltas com os conflitos intrafamiliares. Surge, então, toda uma infinidade de desacertos, desconfortos, ofensas, mágoas, sofrimento. Enfim, um verdadeiro inferno.

Diante de qualquer desavença, sempre buscamos saber quem está com a razão? Brigas em família, no entanto, não devem ser resolvidas a partir dessa premissa. Primeiro, porque cada qual tem a sua razão; segundo, porque se trata de relacionamentos afetivos, onde a razão não é o que mais importa. Mais importante que a razão será sempre o próprio relacionamento. Essa conclusão é óbvia porque ninguém se sente bem após uma discussão familiar. Nem o ofensor nem o ofendido. Seria de se pensar que o ofendido, por sua condição passiva e de provável detentor da razão, ficasse em paz. Porém não é o que acontece. Ambos mergulham num inferno de pensamentos, buscando sempre argumentos que justifiquem suas atitudes. Um desperdício de energia, uma danação mental. Até mesmo quando a razão está de um lado apenas, ainda assim, essa razão não gera conforto suficiente para abrandar o dano causado.

Disse que o relacionamento é o mais importante e, por isso, deve ser sempre preservado, pois as pessoas em família têm sentimentos difusos e contraditórios, mas se amam, sobretudo. Abro aqui um parêntese para dizer que, ao acompanhar meu raciocínio, o leitor há que imaginar uma família média, onde não haja violências ou desacertos profundos, a ponto de tornar impossível a convivência. Ou seja, uma família onde ainda exista o respeito à dignidade humana. Mas como dizia, se as pessoas se amam, de que adianta um relacionamento pela metade? Ou um relacionamento ferido? É verdade que todos temos nosso orgulho pessoal (ou respeito próprio), mas, nessas circunstâncias, que vantagem o orgulho nos concede? A razão? Ora, às favas com a razão. O relacionamento afetivo não é uma competição, um jogo, com vencedor e vencido. Ou vive-se bem juntos ou vive-se mal juntos.

Administrar relacionamentos não é tarefa fácil porque todos temos a facilidade de apontar erros na conduta alheia, somos catedráticos quando o tema discutido é a vida do outro. Essa é uma prática arraigada nas pessoas e tem uma sórdida aceitação justamente no seio familiar. Parece ser uma má conduta tolerada para que todos possam praticá-la sem culpa. Todos falam de todos o tempo todo. E tudo isso porque não queremos enfrentar as questões existenciais que realmente nos afligem, que são as próprias, de foro individual. Talvez falar da evidente miséria que vemos no outro sirva de consolo para a nossa, ou ainda, sirva como uma autopromoção (sutil e perversa) às custas da depreciação alheia.

A família é, por essas, nosso inferno, mas por outras, nosso paraíso, nosso refúgio, o único lugar em que não precisamos ser mais do que realmente somos. Na família estão fincadas, eternamente, nossas raízes mais profundas, nossa identidade básica. Abandonar a família é também abandonar a si próprio. Então, por que não tentamos ser mais generosos e tolerantes com aqueles que nos cercam? Talvez, por força do milagre da prática (quem sabe?), possamos ser também mais generosos e tolerantes em relação a nós mesmos.

Djalma Filho é advogado 

djalma-filho@brturbo.com.br

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