Recorde fiscal

Houve de parte das oposições, antes da eleição e posse de Lula, a pregação de que o governo não deveria perseguir superávits fiscais elevados. Era preciso que sobrassem recursos para a promoção do desenvolvimento econômico e social do País. Embora a gritaria da oposição não contivesse argumentação convincente, pois não raro falava em calote parcial ou moratória, a verdade é que esses superávits são necessários. Um país que tem necessidades internas de crescimento e equacionamento de seus graves problemas sociais precisa produzir sobras para rolar ou, se possível, pagar suas dívidas, mantendo vivo seu crédito. Mas precisa dosar esses superávits para que restem recursos para o atendimento de suas necessidades de desenvolvimento, tanto mais quando este é quase nulo e os problemas sociais se agravam. E são gravíssimos com o desemprego recorde, a agitação no campo e as greves que se repetem, inclusive no serviço público.

O calote ou a moratória nada solucionaria. Ao contrário, tudo agravaria. Assumindo Lula, a ex-oposição passou a agir com sabedoria ao atender os reclamos dos credores, pautados em acordos com o Fundo Monetário Internacional. O que é discutível, senão condenável, é o quantum desses superávits. O Brasil, sob Lula e o império do ministro Antônio Palocci, tem praticado uma política fiscal de mão de vaca, economizando mais que o possível para produzir números que chegam a recordes históricos, sobrepujando as exigências do FMI. Como resultado, mantém a confiança do mercado internacional, mas sacrifica o brasileiro, para cujo desenvolvimento pouco ou nada sobra.

O aperto fiscal bateu novo recorde histórico e fica próximo da meta com o FMI. O setor público (Tesouro Nacional, Previdência Social, Banco Central, governos estaduais e municipais e estatais) registrou, no mês de abril, um superávit primário (excluídos os juros) de R$ 11,901 bilhões. Foi o melhor resultado mensal das contas públicas desde que começaram a ser calculadas, em 1991. No mês anterior, já se havia verificado um recorde de R$ 10,282 bilhões. Com esse aperto fiscal, o governo já cumpriu, com antecedência de dois meses, a meta do primeiro semestre que, no acordo com o FMI, deveria ser de R$ 32,6 bilhões. O superávit obtido até abril representa 6,35% do PIB do período.

Esta é uma política certa a grosso modo, mas “in casu”, muito discutível, senão claramente errada. Vejamos apenas um dado: obtivemos o maior superávit ao mesmo tempo em que chegamos ao recorde de desemprego.

É certo que o Brasil procure obter reservas para ir livrando-se de sua dependência de capitais externos, meta que não se vai conseguir senão em décadas. Mas seria correto sacrificar a política econômica anunciada e prometida pela oposição petista, criando na população um profundo sentimento de frustração? Seria correto sacrificar um largo número de brasileiros que está desempregado e outro que não consegue o primeiro emprego? Seria correto, ainda, que mantenhamos o Brasil com a maioria de seus cidadãos abaixo da linha de pobreza? Pior de tudo: há indicações de que essa situação, pela repetição dos resultados econômicos e sociais negativos, tende a eternizar-se ou, no mínimo, lançar-nos a mais uma década perdida. A notícia do novo recorde é, no fundo, tão ruim quanto a do recorde de desemprego.

Voltar ao topo