Qual o próximo casuísmo?

Os problemas do Brasil não decorrem apenas daqueles ligados à falta de segurança pública – fato qualificado pelo mais importante executivo da Inglaterra como o principal entrave a investimentos no País -, mas também daqueles ligados à falta de segurança jurídica. Ninguém coloca dinheiro bom em algum negócio se não tem a certeza de que os contratos firmados serão cumpridos. Por bem ou por mal.

Cumprir contratos, por sua vez, não significa apenas a realização do que é acordado entre sócios, parceiros ou quotistas. Tem a ver, também e principalmente, com o governo. A instabilidade política gera instabilidade econômica. Por sua vez, esta força a alteração de situações, exige constantes medidas de intervenção, de quebra de contratos, enfim. Um Judiciário rápido, íntegro, independente e bem aparelhado pode atenuar os efeitos da quebradeira, recolocando as coisas no lugar quando provocado.

No Brasil, vivemos atualmente um momento de ruptura abrupta. O que era legal e permitido ontem – os jogos de bingo e caça-níqueis – não mais o é hoje. Por ser uma atividade permitida (e em alguns casos até regulamentada), milhões de contratos foram realizados à luz dessa permissão, em muitos casos com a chancela do próprio governo. Desde a importação de máquinas, a constituição de empresas, a arrecadação de tributos, a construção de sedes, a contratação de empregados, o recolhimento de contribuições e a constituição de contas bancárias, o sonho contratual de quem, tendo uma ocupação, planejava a sua vida… e por aí afora. Com uma única medida provisória engendrada às vésperas do Carnaval, o governo do presidente Lula rompeu milhares de contratos.

Num primeiro momento, a Justiça acolheu a razão dos que se sentiram prejudicados. Depois, perfilou-se ao discurso do momento, segundo o qual o jogo, antes permitido e cortejado até pelos poderosos, é fonte de todos os males. Fomos do extremo norte ao extremo sul.

A parte mais visível dos efeitos do rompimento desses contratos foi, até aqui, os milhares de trabalhadores que, com carteira assinada ou não (afinal, alguns contratos são tácitos mesmo na área trabalhista desse Brasil mergulhado na informalidade), resolveram sair às ruas para dizer que suas vidas dependiam daquilo que, de um momento para outro, deixou de existir. Do Rio Grande do Sul ao Amazonas, manifestações ruidosas procuram chamar a atenção do governo para a injustiça do desemprego, exatamente num momento em que não são cumpridas as promessas de geração de novos empregos. Tais manifestações tiveram e têm o apoio de organizações sindicais de peso.

Insensível, o governo responde agora que não abrirá mão de suas posições, pois os contratos de trabalho decorriam de atividade criminosa. Parênteses: que pouco antes não constituía crime. E pergunta se, por acaso, seria de defender o tráfico de drogas apenas porque também gera alguns empregos. Conversa diversionista.

Não vamos aqui entrar no mérito se o jogo deve ou não deve existir. É discussão mais funda que cabe ao parlamento e à sociedade inteira travar. À parte a constatação que existe em outros países, o fato é que aqui ele existia, era tolerado, aceito e até regulamentado e, de um momento para outro, apenas porque o governo se viu tragado por uma denúncia que insiste em não investigá-la em todas as suas possibilidades, rompe com todos os pactos e contratos para decretar-lhe o fim. Isso é falta de segurança em todos os sentidos – o problema mais sério do Brasil. Mais ainda porque tramitavam no Congresso Nacional (e nos próprios órgãos do Executivo) propostas para uma regulamentação mais abrangente.

Mesmo os mais ferrenhos adversários do jogo não podem deixar de concordar: o fechamento de bingos, caça-níqueis e quejandos foi a medida mais casuística até aqui adotada pelo governo Lula, em seu ato de apressada fuga de fatos ainda sob investigação. Qual seria a próxima?

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