Prolongado apagão

Embora a ordem tivesse sido não chorar sobre o leite derramado, foi de choradeira o tom da primeira reunião do presidente Luiz Inácio Lula da Silva com seu ministério, realizada na semana que passou, antes da festa da posse. Ao receber da equipe de transição um relatório cujo conteúdo já se conhecia com antecedência, a equipe de Lula não poupou críticas ao governo passado. “Não seria exagero afirmar” disse o já ministro da Fazenda, Antônio Palocci, referindo-se ao planejamento estratégico, para ele, inexistente “que o Estado brasileiro vive um prolongado apagão”.

O termo escolhido é uma clara alusão aos problemas energéticos que o ex-presidente Fernando Hen-rique Cardoso tentou jurar desconhecer e que constituíram um dos principais desafios de seu longo reinado. Mas as críticas foram dirigidas também aos outros setores, de tal forma genéricas que praticamente não sobrou nada. Somente o trabalho pela consolidação democrática foi reconhecido. A equipe de Lula vê crises sérias na educação, improvisação nos programas sociais, fracasso na economia, estagnação do crescimento, retomada da inflação, atolamento em dívidas, e muitas outras coisas ruins que podem ficar ainda piores assim que cada ministro tomar pé e fizer seu relatório enumerando metas.

Segundo Fernando Henrique Cardoso, que reagiu imediatamente ainda na condição de presidente, tudo não passa de “retórica de palanque” que será substituída, em poucos meses de trabalho, por uma atitude mais séria que faça jus à confiança que o eleitorado depositou no governo Lula. Em vez de justificar ou desmentir as informações distribuídas pela equipe que se ocupava de fazer a transição, FHC retomou o discurso conciliador e foi comer costela assada com Lula, quase a oferecer a outra face para ser esmurrada. Seu líder no Congresso, entretanto, o deputado Arthur Virgílio, classificou o discurso de Palocci de “vazio, malicioso e maledicente”.

A esperança depositada no ex-torneiro mecânico pelos milhões de brasileiros que o conduziram ao Planalto em nada recomenda o discurso iniciado. Convém ao novo governo que, de fato, deixe de lado a fase dos longos diagnósticos e inservíveis críticas e passe a consumir energias num trabalho produtivo capaz de “demarcar como diz a história desse País”. Se a “situação não é boa em nenhum aspecto”, como chegou a exclamar o próprio Lula, mesmo assim convém ao governo empossado ontem em grandiosa festa popular, mais que fazer alarido sobre eventuais dificuldades, trabalhar duro para mudar o quadro funesto (e de injustiças sociais causadas, freqüentemente, por privilégios setoriais) que já descrevia antes da consagração das urnas.

Quando Lula afirma que talvez não seja possível, em quatro anos, construir “a nossa grande obra” em função do quadro que está herdando, ele contradiz suas próprias palavras de chamamento ao trabalho: “Nossa missão afirmou ele no mesmo dia é provar que nós podemos mudar o nosso querido Brasil”. Esta é a voz de comando que deve ser seguida. Afinal, o “prolongado apagão” referido por Palocci não será convertido em luz que aproveite a todos se não for esta a firme disposição de quem está chegando agora e a quem se deve, por enquanto, desejar boa sorte.

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