Problema do gás

Quando da campanha nacionalista conhecida como ?O Petróleo é Nosso?, que teve como um de seus principais arautos o escritor Monteiro Lobato, levantou-se como dogma a afirmação, aliás protegida em lei, de que o ?dono do solo não é dono do subsolo?. O objetivo era claro: estabelecer a propriedade estatal sobre as jazidas de petróleo e gás natural existentes no Brasil e que eram negadas por grupos internacionais. Estes juravam de pés juntos que, em matéria de energia fóssil, o Brasil era estéril. Mal escondiam sua cobiça, pois bastaria abrir-lhes as portas para exploração e o gás e o óleo apareceriam.

Foi uma campanha heróica e, vitoriosa, fez com que lenta, porém firmemente, o Brasil fosse descobrindo lençóis e mais lençóis do ouro negro, notadamente em campos submarinos. Chegamos a anunciar, por mais de uma vez e de forma eufórica, nossa auto-suficiência. Talvez demasiado cedo, pois ao crescer a produção também crescia a demanda e só hoje podemos falar em perspectivas de auto-suficiência, se exploráveis e explorados os mais recentes campos descobertos. Reservas que nos levarão a enfrentar complexos problemas técnicos e muitos anos de pesquisas. Algo, talvez, para daqui há uns dez anos.

É interessante notar que a idéia nacionalista hoje labora contra os nossos interesses, em especial no que se refere ao gás natural do qual o Brasil é carente e depende da produção boliviana. A Bolívia, sob um governo nacionalista de esquerda comandado pelo líder cocaleiro Evo Morales, impôs a mesma idéia de propriedade nacional das riquezas de seu subsolo e chegou a ignorar os interesses brasileiros naquele país vizinho. Interesses que não se resumem aos de cliente, consumidor de gás, mas também a investimentos milionários em refino e dutos para trazer o precioso gás natural para o nosso país.

O governo Lula, com conhecidas simpatias ideológicas para com o de Evo Morales, viu-se pobre de argumentos quando no país andino repetiram slogans com tanta ênfase quanto aqui levantamos quando da campanha pela nacionalização do petróleo. O resultado foi ficarmos reféns da vontade do governo boliviano e não poucas vezes termos de baixar a cabeça e nos curvarmos à situação de óbvia dependência.

Alguns acertos foram amarrados, porém continuamos em posição incerta, pois embora encontros e busca de entendimentos se tenham dado e se repitam, o fato é que o Brasil, cujo crescimento econômico cada vez mais exige suprimentos crescentes de gás natural, continua dependente da vontade e dos humores do governo Evo Morales.

Agora a situação se complica, pois a Argentina, país que também é aliado do Brasil e, como o nosso, integra o Mercosul, passa por ingentes necessidades de energia fóssil, notadamente de gás natural. A presidente Cristina Kirchner não titubeou em pedir socorro ao presidente Lula socorro, reivindicando parte do gás que, às duras penas, ainda conseguimos importar da Bolívia.

Uma reunião em Buenos Aires colocou frente a frente Lula, Cristina e Evo Morales, mas dela nenhum resultado positivo foi colhido. A Bolívia não abre mão da idéia de que o gás de seu subsolo é uma propriedade nacional. O Brasil, pragmaticamente, afirmou que não tem condições de socorrer a Argentina amainando sua crise energética.

Pode-se dizer que o problema ficou no campo diplomático, ou melhor, técnico, com acertada reunião dos ministros de energia dos três países. E Lula, como os seus parceiros presidentes, concordou em realizar no final de março mais uma reunião de cúpula, em busca de uma solução. O fato é que solução não há, a menos que aceitemos que os bolivianos proclamem, como já o fazem, que o petróleo e o gás natural do seu subsolo é deles. E nós, ironicamente, ficamos sem argumentos, pois já proclamamos mundo afora que ?O Petróleo é Nosso?.

Voltar ao topo