Prisão antitabagista dá resultado

Há quase dois meses, quando assumiu a direção da nova Penitenciária Estadual de Piraquara (PEP), o advogado e jornalista José Guilherme Assis, seguindo determinação do secretário estadual da Segurança Pública, José Tavares, baixou uma norma polêmica: proibiu a circulação e o consumo de cigarros nas dependências da penitenciária. Ou seja, nenhum interno, funcionário ou visitante pode fumar a partir da portaria da PEP.

O diretor justifica: “O cigarro sempre serviu como moeda de troca nas prisões, gera dívidas e apostas, é motivo de brigas e revoltas, e dá margem à formação de hierarquias, pois os presos que detêm o controle e a distribuição do fumo nas cadeias conseguem facilmente um séquito de seguidores para as suas ações. Além disso, deixar de fumar é bom para a saúde dos detentos e para as suas famílias, que ficam eximidas de gastar com essa droga lícita”.

José Guilherme acrescenta que a direção está apenas cumprindo a Lei n.º 9.294, de 15 de julho de 1996, que em seu artigo 2.º proíbe o uso de “cigarros, cigarrilhas, charutos, cachimbos ou de qualquer outro produto fumígero, derivado ou não do tabaco, em recinto coletivo, privado ou público, salvo em área destinada exclusivamente a esse fim, devidamente isolada e com arejamento conveniente”. Assim, o preso que for flagrado com cigarro está em falta disciplinar, e para o funcionário, é motivo de demissão. “Todos estão muito bem informados de que não se fuma aqui.”

Boa assimilação

Como a maioria esmagadora dos 419 internos fuma muito, era de se esperar uma onda de revolta e indignação diante da norma, como tem acontecido nos estabelecimentos prisionais norte-americanos. Mas, aparentemente, os presos assimilaram muito bem a abstinência forçada. “Não tivemos nenhum ato de indisciplina pela falta de cigarro, e alguns presos chegaram a nos pedir para jogar fora os que estão nos seus pertences”, comenta o diretor. Ele lembra que é feito um acompanhamento médico, psiquiátrico e psicológico dos internos ex-fumantes. “Claro que alguns sentem mais vontade do que outros, como um que foi pego fazendo um cigarro de papel higiênico, o qual acendeu na lâmpada, mas tudo está correndo bem”.

Celso Barreto, psicólogo da unidade, confirma: “No começo tivemos algumas queixas, mas a maior parte tem afirmado que tem sido difícil, mas que ao mesmo tempo é bom para eles. Alguns chegam a agradecer o fato de não ter cigarro por aqui. Mas existe uma minoria que ainda está bastante revoltada”.

Ajudando a parar

Os detentos ouvidos corroboram as declarações do diretor e do psicólogo: João Batista Serafim dos Santos, de 35 anos, um dos poucos não-fumantes da unidade, diz que enfrentava muitos problemas com os antigos companheiros de cela: “De cada 10 internos, tinha um que não fumava para nove fumantes. Mas aqui é um sossego”. Maurílio de Souza Marques, de 37 anos, ex-fumante, diz que sempre teve vontade de parar, mas faltava coragem: “Aqui eu uni o útil ao agradável”. E aprova a maneira como a norma foi imposta: “Se fosse opcional, eu não teria parado”.

Flagrado pela reportagem quando trocava três carteiras de cigarro por uma Bíblia, Júlio César Silva Morais, 29 anos, diz que mandou jogar fora os cigarros “porque não precisaria mais deles”. Transferido do 11.º Distrito Policial, Júlio ficou sabendo da proibição quando chegou à PEP. “No começo fiquei meio injuriado, mas como eu já tava querendo parar, até que foi bom.”

Antônio Carlos da Silva, 43 anos – fumante desde os 13 -, também disse não estar sentindo a menor falta dos cigarros: “Foi a melhor coisa que me aconteceu, eu dava muita despesa pra minha família, e ainda tinha que repartir os cigarros com os outros”, relembra.

Luiz Antonio Ângelo, 43 anos, que começou a fumar aos 9 e consumia uma carteira por dia antes de ser transferido para a PEP, diz que no início foi um choque. “Eu ficava nervoso, tinha dores de cabeça… precisei tomar alguns tranqüilizantes, mas agora só lembro porque estamos conversando sobre isso. Mas eu sinto falta de um café…”, confessa. Ele garante que não voltará a fumar quando for posto em liberdade: “Vou guardar a última carteira e o isqueiro como um troféu da minha vitória”. Luiz Antônio também aprova o método adotado pela direção: “O cigarro é psicológico, se tem, você quer fumar”.

“Uma boa experiência”

O Estado ouviu o jurista Renê Dotti, para saber da aplicabilidade da Lei antitabagista nas penitenciárias – no Paraná, os presídios industriais de Guarapuava e Cascavel também adotam a medida. “Havendo razões de segurança, como parece ser o caso, toda a determinação é válida; porque o que está em jogo de um lado é a liberdade de fumar e do outro a segurança do estabelecimento e a liberdade dos fumantes passivos. Assim, a medida não pode ser considerada ilegal, nem arbitrária, além de ser uma boa experiência”. (LP)

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