Prescrição e Processo Administrativo na Polícia Civil do Paraná

I – Introdução

A investigação que se propõe aqui, diz respeito à fenomenologia da prescrição e a sua incidência nos processos administrativos disciplinares, no âmbito do Departamento da Polícia Civil do Estado do Paraná.

Portanto, analisar-se-á um fragmento do tempo – sua caducidade – imposto pela legislação, quando da formação da culpa administrativa em face do servidor policial civil e a conseqüente aplicação da penalidade ? pretensão punitiva, caso venha ser provada sua conduta em desconforme com as rules of law.

II – Legislação Aplicável

De se estabelecer, prima facie, que a estrutura legislativa utilizada, rege-se, pela Lei Complementar Estadual 14, de 26 de maio de 1982 ? LC 14/82, a qual dispõe sobre o Estatuto da Polícia Civil do Estado do Paraná.

Tenha-se em vista que o referido diploma legal não é exclusivo, existindo outras normas e regulamentos que disciplinam a matéria amiúde. Exemplifica-se o caso da Instrução Normativa (IN) n.º 1, de 21 de maio de 1991, que dispõe sobre a dilação de prazos de sindicâncias ou processos disciplinares.

Também há que se ressaltar o fato de existirem algumas alterações, notadamente no regime disciplinar, principalmente com a entrada em vigor da Lei Complementar Estadual 89, de 27 de julho de 2001 e, ainda que tímida, porém não menos importante, a Lei Complementar Estadual 84, de 3 de agosto de 1998; ambas alteraram o conteúdo primeiro e originário do Estatuto da Polícia Civil do Estado do Paraná ? EPC.

III ? Razão-de-Ser da Prescrição

O instituto jurídico da prescrição é admitido pela maioria dos juristas modernos. A generalidade das legislações codificadas o incluem como preceito de teoria geral, havendo, ainda, notícias da sua absorção pelo Direito Eclesiástico. Portanto, o instituto é universalmente aceito pela dogmática jurídica.

Justamente para se evitar o que Carnellutti chamou de tormento psíquico, é que há um certo tempo ? ultimamente dito e apregoado como tiempo razonable ? limitado pela lei, para que o Estado persiga o autor da infração, sua materialidade, julgue e aplique a sanção.

É fato que as pessoas, tendo interesses em litígio, tenham transtornos sérios na sua vida privada e até pública. Daí porque se dizer que o acusado tem o direito à prescrição.

Bentham e Beccaria, em suas clássicas obras, sustentavam contrariedade parcial ao fenômeno, principalmente em se tratando de crimes de alta potencialidade ? os sangrentos – tendo em vista que ao assim admitir, os criminosos seriam encorajados a repetir tais atos, gerando a não desejada impunidade.

Manzini chega a apontar como fundamentos da existência da prescrição sete causas, sendo as mais razoáveis: esquecimento, dispersão das provas, expiação moral, emenda e evolução psicológica.

Para Hely Lopes Meireles, a prescrição é categoria que tem o condão de operar a preclusão da oportunidade de atuação do poder público sobre a matéria sujeita à sua apreciação, sendo que a sua justificativa reside na necessidade de estabilização das relações entre o administrado e a administração e entre esta e seus servidores.

Impossível, desde a CRFB de 1988, que hajam sanções permanentes ou que seja permanente o poder/dever do Estado em perseguir o autor de infração administrativa.

Se esta justificativa pretende garantir direitos ao autor da infração, a prescrição pode e deve ser entendida também como sanção ao Estado, quando for ineficiente em apurar as transgressões disciplinares.

Por isso a afirmação de Alexandre de Moraes, um dos pilares da Teoria Geral do Direito Constitucional Administrativo é a eficiência na prestação dos serviços públicos. Frisa que desta eficiência não pode escapar o Estado Sancionador, respeitados, por óbvio, os demais princípios constitucionais.

IV – Metodologia e Racionalidade Adotadas

Incluído no “Título V” do EPC, está, sob a epígrafe “Do Regime Disciplinar”, a estrutura básica pela qual o Departamento da Polícia Civil do Estado do Paraná processa os denominados desvios éticos e de comportamento, no âmbito da Instituição Policial. Mais especificamente no “Capítulo XIII”, encontra-se o modo como se opera a prescrição, sob a epígrafe “Da Prescrição”, incluindo-se os artigos 271 e dois incisos e 272 com quatro parágrafos.

Assim, informa o artigo 271, do EPC “Prescreverá: I ? em dois anos, a transgressão punível com pena de advertência, repreensão ou suspensão; e II ? em cinco anos, a transgressão punível com a cassação de aposentadoria, disponibilidade e de demissão.”

Portanto, num patamar menor, com o prazo prescricional fluindo em dois anos, estão as penalidades de baixa e média potencialidade lesiva à Administração Pública.

Incluem-se neste rol, exemplificando, os seguintes enquadramentos típicos: artigo 213, da LC 14/82: inciso V: “divulgar boatos ou notícias tendenciosas, penalidade: suspensão de dez a trinta dias”; inciso XII: “praticar atos que importe em escândalo, comoção social ou que concorra para comprometer a instituição ou função policial, penalidade: suspensão de trinta a sessenta dias”; inciso XI: “manter relações de amizade, exibir-se em público habitualmente, com pessoas de má reputação, salvo em razão do serviço, penalidade: demissão”

Com a coloração mais acentuada, estão as penalidades de alta lesividade, ou seja, as que afetam diretamente bens jurídicos indispensáveis à subsistência da Instituição Policial Civil do Paraná ou outros, também concorrentes, de importância social extrema.

É bom destacar que os denominados procedimentos administrativos disciplinares (gênero) dividem-se em três (espécies): (i) investigação preliminar; (ii) sindicância e (iii) processo disciplinar.

Encontra-se o conceito de investigação preliminar quando se lê no artigo 240, o que segue: “A investigação preliminar, será procedida quando verificada a infringência de norma legal ou regulamentar, somente nos casos de autoria incerta e ausência de materialidade“.

A sindicância destina-se “somente para apuração de responsabilidade pela prática de fato constitutivo de transgressão disciplinar a que se cominem as penas de advertência, repreensão, suspensão, destituição de função e remoção compulsória, observados o rito contraditório e ampla defesa, conhecida a autoria e materialidade, este se houver.”, conforme prevê o artigo 241, caput, da LC 14/82.

Ao processo disciplinar, competirá a apuração das infrações que cominem a aplicação das penas de demissão, cassação de aposentadoria e disponibilidade. Evidente que a este tipo de processo deverá pautar-se pelos princípios constitucionais da presunção de inocência e do devido processo legal.

Embora não mencionados diretamente na LC 14/82, porque apenas disciplina e regulamenta, grosso modo, o conteúdo jurídico destes expedientes, mencionados no parágrafo anterior. Faz detalhadamente, inclusive com a menção de gênero e espécies, a IN 2, de 24 de novembro de 1993, justamente porque dispõe sobre normas gerais dos procedimentos administrativos para apuração de infrações disciplinares atribuídas a servidores policiais civis.

V ? Subsidiariedade Penal e Prazos Prescricionais

A hermenêutica adotada pelo executor das regras que pertinem à prescrição, deverá ser orientada no sentido de que, se ao caso concreto ? desvio de comportamento e crime – houver correspondência penal, no dizer de Cretella Jr “ilícito administrativo-criminal”, tal infração “prescreverá nos mesmos prazos estipulados pela lei penal”, conforme se vê do artigo 271, § 3.º, da LC 14/82.

Todo o sistema de contagem de prazos prescricionais do Código Penal se sobrepõe (overlaping) ao adotado no âmbito administrativo. Àquela infração administrativo-penal terá todo o tratamento regulamentado, em regra, pelo artigo 109 e seguintes da legislação penal objetiva. Tal diretriz prende-se na idéia primária de repressão institucional aos casos graves, criminosos, limitando a possibilidade de ocorrência do fenômeno prescricional.

VI ? O Mecanismo de Contagem do Prazo Prescricional

De pouco ou nada adiantaria a definição do instituto ou sua previsão legal, se ausente de especificação quanto ao inicio da contagem do prazo prescricional. Pela dicção do artigo 272 do EPC, “o prazo para prescrição contar-se-á do dia que a transgressão se consumou” e se esta for permanente (§ 1.º), do dia em que cessou tal permanência. Já o § 2 do mesmo artigo, prevê que se ocorrerem circunstâncias que impeçam o imediato conhecimento de existência de transgressão, o termo inicial será o dia que a autoridade competente dela tomar conhecimento.

Trata-se de definição vaga, justificável retoricamente de acordo com a ideologia inserida no aplicador da norma, vez que o termo “circunstâncias que impeçam o imediato conhecimento” é por demais aberto e impreciso. Melhor seria se houvesse melhor definição, o que por certo levaria com mais propriedade à busca da eficiência requerida da Administração, desde a CRFB de 1988.

Há que se considerar também, como diz Daniel Ferreira, que a prescrição não pode ser ditada pelo prazo previsto para o término de cada procedimento (em regra 30 dias), vez que estão adstritos ao Princípio Constitucional do Devido Processo Legal, e sua realização intempestiva poderia representar prejuízos a garantias constitucionais de ampla defesa e contraditório.

VII – Conclusão

Em épocas de recrudescimento do sistema normativo e expansão do sistema sancionador ? para usar a metáfora cunhada pelo jurista espanhol Jesús-María Silva Sánchez – operada como única resposta aos anseios sociais por melhores condições de vida em sociedade, sobrevive a prescrição, como limite ao poder sancionador do Estado-Administração, bem como indicativo da necessidade de fazer com que a eficiência dele desejada seja realizada dentro de (nem tão) estreitos limites temporais máximos.

Enfim, a prescrição se inclui nas regras do jogo Democrático, de um Estado de Direito ? Rechstaat, na expressão de Canotilho “um Estado domesticado pelo Direito” ? que deve ter nos seus agentes, em cada ato, um gesto que multiplique a cidadania e o respeito ao sistema legal vigente.

Luís Fernando Artigas Jr. e Sérgio Inácio Sirino

são delegados de polícia, pós-graduados em Direito e, respectivamente, membro da 2.ª Câmara do Conselho da Polícia Civil e corregedor auxiliar da Corregedoria-Geral da Polícia Civil do Estado do Paraná.

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