Procurador vê “queima de arquivo” em privatização

Ao depor ontem na CPI do Banestado na Assembléia Legislativa, o procurador da República Luiz Francisco de Souza qualificou de “queima de arquivo” a privatização do banco estatal paranaense e apontou a responsabilidade do ex-governador Jaime Lerner (PFL) no processo, uma vez que o governo do Estado era seu principal acionista e gestor.

Luiz Francisco foi duro em suas denúncias, reafirmando a convicção de que “o esquema nasceu principalmente no Banco Central”, que teria, na gestão de Gustavo Franco, criado condições para que 144 mil pessoas enviassem para fora do país, durante quatro anos, cerca de US$ 75 bilhões.

Ele sugeriu e a CPI acatou e decidiu formular ao juiz da 2.º Vara Criminal de Curitiba o pedido de quebra do sigilo fiscal e bancário tanto de Gustavo Franco quanto da ex-diretora de Fiscalização do Bacen, Tereza Grossi. Também durante a audiência no plenarinho da Assembléia o perito da Polícia Federal, Renato Barbosa, que acompanhava o procurador, revelou que os nomes de 44 candidatos a prefeito e vereador e dois candidatos a deputado nas eleições de 1994 e 1998 no Paraná, além de um ex-governador e familiares, aparecem em lista de contas suspeitas do Banestado. Ele chegou a esses nomes cruzando dados levantados pela força-tarefa que investiga a lavagem de dinheiro através das CC5 e do Tribunal Superior Eleitoral. Como a investigação corre em segredo de Justiça, esses nomes não devem ser revelados.

Anulação da venda

O procurador Luiz Francisco vai mais longe ao defender o aprofundamento das investigações. Para ele, os trabalhos da CPI podem representar um raio X “das ilicitudes na negociação do Banestado, pressionando o governo Lula a determinar a nulidade da privatização”. Disse que o banco foi subavaliado num “acordo canalha” envolvendo o governo do Estado e a União e vendido à toque de caixa, até para tentar apagar os rastros da megalavagem de dinheiro através das CC5.

Luiz Francisco é cético quanto à possibilidade de que existam muitas transferências regulares de recursos entre as operações sob investigação: “Quem opera regularmente, declarando valores à Receita Federal, não tem porque recorrer a um esquema que, além de menos seguro, é mais caro. A não ser nos casos em que empresas brasileiras tenham relações comerciais com empresas paraguaias”.

Também destacou a importância de buscar um trabalho conjunto com o Ministério Público, a Polícia Federal e a CPI Mista do Congresso e, principalmente, de agilizar as investigações envolvendo a Receita Federal e Estadual para evitar a prescrição dos crimes fiscais. O delegado Castilho e o perito Barbosa permanecem alguns dias em Curitiba para, juntamente com a força-tarefa que investiga a evasão de divisas, promover o cruzamento de dados que deverá apontar as empresas que se beneficiam das contas CC-5 para burlar o fisco e formar Caixa 2. A relação dessas empresas será enviada à CPI.

Ganhar tempo

O procurador Luiz Francisco sugeriu que a comissão estadual prolongue seus trabalhos pelo maior tempo possível, como uma forma de impedir uma eventual “operação abafa” para assegurar a impunidade de pessoas e empresas envolvidas com a corrupção no país. O delegado Castilho Neto, da Polícia Federal, que também acompanhou o procurador na audiência, reforçou que esta é a grande chance de mapear a corrupção no Brasil, com base em dados consistentes, principalmente os chamados crimes do “colarinho branco”: “É a oportunidade de desbaratar um megaesquema criminoso e, ao mesmo tempo, mudar a cultura da impunidade no país”, acentuou.

Tereza Grossi será ouvida

O cronograma aprovado pela CPI do Banestado na reunião de ontem prevê a audiência da ex-chefe da fiscalização do Banco Central (BC) Tereza Grossi, que, na época em que ocorreram as denúncias sobre irregularidades com contas CC-5 em Foz do Iguaçu, era responsável pela supervisão das instituições financeiras. A fiscalização do BC é acusada de omissão no controle de operações irregulares com contas CC-5, especialmente no Paraná. O depoimento de Tereza Grossi, que será ouvida juntamente com o ex-diretor de Fiscalização Carlos Mauch, foi marcado para o dia 15 de agosto.

O presidente da CPI, senador Antero Paes de Barros (PSDB-MT), com o apoio do relator da comissão, José Mentor (PT-SP), apresentou o calendário, que convoca reuniões para as manhãs das terças, quintas e sextas-feiras, a fim de ouvir outras 15 pessoas que estão envolvidas nas investigações ou que vão prestar esclarecimentos sobre os indícios de irregularidades.

A primeira audiência será realizada amanhã, para ouvir o presidente e a relatora da CPI que investigou o Banestado na Assembléia Legislativa do Paraná, deputados estaduais Neivo Beraldin (PDT) e Elza Correia (PMDB) respectivamente. O convite aos parlamentares paranaenses foi feito a requerimento do senador Osmar Dias (PDT), que acredita que a comissão do Paraná tem dados importantes sobre o Banestado que poderiam auxiliar a CPI do Congresso. A CPI do Paraná ouviu diretores e gerentes de agências do Banestado e também tomou o depoimento de Tereza Grossi.

Para o dia 12 de agosto, Antero marcou a audiência do deputado Paulo Melo (PMDB), presidente da CPI da Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro, que investigou esquema de corrupção na fiscalização tributária do estado, que seria comandado por Rodrigo Silveirinha Corrêa, subsecretário de Administração Tributária durante a gestão Anthony Garotinho. Um dos relatores da CPI fluminense também será convidado para a mesma data.

O dia 22 de agosto, segundo Antero, será usado como reserva técnica da CPI ou para a oitiva de ex-gerentes de agências do Banestado em lugares onde teriam sido detectadas irregularidades, como Nova York e Foz do Iguaçu. Entre eles estão Eraldo Ferreira e Ricardo Franczyck, ex-gerente da agência nas Ilhas Cayman.

Canet convocado para depor

Depoimentos marcados pela CPI do Banestado para agosto serão direcionados a aprofundar as investigações sobre irregularidades e desvio de recursos para o exterior pelo Banco Araucária e na administração do ex-prefeito paulistano Paulo Maluf. Nessa fase da CPI, serão ouvidos o ex-governador do Paraná Jaime Canet Júnior e Nicéa Camargo, que foi casada com ex-prefeito de São Paulo Celso Pitta. Canet foi denunciado pelo Ministério Público nas investigações sobre o Banco Araucária, enquanto Nicéa acusa Maluf de desviar dinheiro recebido como propina para o exterior.

No dia 14 de agosto, serão ouvidos os diretores do extinto Banco Araucária Ruth Wathely Bandeira e Alberto Dalcanale Neto. Segundo o procurador da República Luiz Francisco de Souza, o Araucária, um dos cinco bancos com agências em Foz do Iguaçu autorizadas a operar com depósitos acima de R$ 10 mil em contas CC5, remeteu US$ 5 bilhões para o exterior entre 1996 e 1999.

Ainda sobre esse caso, os parlamentares da CPI vão tomar o depoimento, no dia 21 de agosto, de Jaime Canet Júnior, que governou o Paraná entre 1975 e 1979. Ele é um dos 194 denunciados pela força-tarefa do Ministério Público no processo que investiga a lavagem de dinheiro no Banestado e no Banco Araucária. Os denunciados são acusados pelos procuradores de crimes como evasão de divisas, lavagem de dinheiro, falsidade ideológica e formação de quadrilha.

Antes disso, no dia 19 de agosto, os parlamentares da CPI devem ouvir o promotor de justiça de São Paulo Sílvio Marques, que investiga o suposto esquema de corrupção na administração Paulo Maluf na prefeitura de São Paulo entre 1993 e 1996 e em autarquias e empresas públicas. De acordo com as investigações da Promotoria de SP, a empreiteira Mendes Júnior teria pago propina a servidores públicos e o dinheiro seria enviado para paraísos fiscais.

No mesmo dia, será ouvido o ex-coordenador administrativo-financeiro da empreiteira Simeão Damasceno de Oliveira, que revelou aos promotores a existência de “caixa dois” na empreiteira, montado para facilitar o desvio de verbas de obras superfaturadas e posterior remessa do dinheiro para o exterior. Finalmente, no dia 21 de agosto, a CPI ouve Nicéa Camargo.

Comissão embarca dia 22

O presidente da CPI do Banestado, senador Antero Paes de Barros (PSDB-MT), marcou para o dia 22 de agosto a viagem de um grupo de parlamentares da CPI para os Estados Unidos. Eles devem manter encontros com membros do Departamento de Justiça e do Congresso daquele país sobre o suposto esquema de lavagem de dinheiro de atividades criminosas com origem no Brasil e que tenham passado por agências bancárias daquele país.

Segundo Antero, será designada uma comissão “enxuta e pequena, capaz de defender os interesses da CPI nos Estados Unidos”. Os parlamentares, disse o senador, acompanharão representantes do Ministério da Justiça, da Procuradoria Geral da República e da Polícia Federal.

O senador Romeu Tuma (PFL-SP) recomendou que a CPI tome providências antes de encaminhar seus integrantes aos Estados Unidos. Segundo ele, o grupo precisa estar bem embasado para poder solicitar da Central de Inteligência Americana (CIA) dados sobre a movimentação de recursos por grupos terroristas a partir do Brasil. Em resposta, Antero comunicou que as autoridades do governo federal já estão mantendo contato com os órgãos correspondentes dos Estados Unidos para acelerar as investigações.

Para o relator da CPI, deputado José Mentor (PT-SP), a viagem vai marcar o início de uma nova etapa das investigações. Com base nas informações que a CPI espera colher no exterior, Mentor prevê que a comissão deve começar a realizar diligências juntamente com delegados e promotores em cidades como Foz do Iguaçu e Campinas (SP).

Sem dados novos, CPI adia convocação de Maluf

A Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPI) do Banestado, que investiga a evasão de divisas por meio das contas CC5 de bancos que operavam na cidade de Foz do Iguaçu (PR), adiou ontem a votação dos requerimentos de convocação dos ex-prefeitos de São Paulo Celso Pitta e Paulo Maluf. A decisão seguiu recomendação do relator, deputado José Mentor (PT-SP), que explicou não haver nenhum dado novo a respeito do possível envolvimento dos citados no esquema ilegal.

“A relatoria tem critérios e uma estratégia de trabalho e não vê por que convocar, neste momento, o senhor Paulo Maluf e o ex-prefeito Celso Pitta. A CPI está tomando conhecimento agora de indícios contra vários acusados, mas ainda não há formulação de acusações contra os dois. Quando e se estes forem materializados, eles serão convocados. Temos que ter em mente que aquilo que pode ser de interesse jornalístico, pode não ser de interesse investigativo”, justificou o relator diante das argumentações contrárias da senadora Ideli Salvatti (PT-SC) e Serys Slhessarenko (PT-MT).

Serys é autora de um dos requerimentos de convocação de Maluf, ao lado do deputado Eduardo Valverde (PT-RO). Ela observou que a data do depoimento poderia ser marcada posteriormente, considerando importante, no entanto, que ficasse desde já estabelecida a convocação do ex-prefeito.

Também Ideli Salvatti defendeu a convocação de Maluf, argumentando que o depoimento do ex-prefeito teria caráter complementar e de exercício de defesa do depoente em resposta a denúncias, publicadas pela imprensa, de pessoas que serão ouvidas pela CPI em agosto, conforme calendário já aprovado pelo órgão.

A CPI aprovou, porém, entre outros 52 pedidos analisados, requerimento conjunto do presidente da comissão, senador Antero Paes de Barros (PSDB-MT), e do relator, solicitando ao Conselho de Controle das Atividades Financeiras (Coaf) cópia de todos os documentos e demais dados disponíveis sobre Paulo Maluf, seus familiares e suas empresas que tenham relação com transações financeiras ou bancárias.

Ainda sobre o caso Paulo Maluf, a comissão aprovou requerimento apresentado por Serys Slhessarenko convidando a ex-esposa do prefeito Celso Pitta, Nicéa Camargo, que denunciou o envolvimento de agentes públicos e privados em operações de evasão de divisas para paraísos fiscais, inclusive indicando a participação de seu ex-marido.

Na mesma reunião, a CPI aprovou requerimento da senadora Ideli Salvatti convocando o ex-presidente do Banco Central Gustavo Loyola a fornecer detalhes sobre o ofício do banco que denunciou ao Ministério Público Federal as operações das contas CC5 em Foz do Iguaçu.

Operação não caía no sistema

O primeiro a depor na sessão de ontem da CPI do Banestado foi o ex-funcionário Eraldo Ferreira, que em cartas a ex-diretores do banco e ao ex-secretario da Fazenda Miguel Salomão, relatou sua participação num esquema de aplicações em dólares, efetuado pela agência XV de Novembro, sem registro oficial no sistema bancário, no período de 1993 a 1995.

Segundo ele, por orientação da diretoria de Câmbio do Banestado, na época sob a responsabilidade de José Luiz Boldrini, passou a captar dólares junto aos clientes para contas que eram abertas na agência de Nova York. A tarefa era dividida com Gilberto Machado. Como se tratavam de valores não declarados, muitas vezes as contas eram abertas com nomes fictícios, mantendo no anonimato o depositante. A operação era triangulada com doleiros, principalmente com a casa de câmbio Trans-oceânica. Os clientes que recorriam a esse esquema só recebiam como garantia um documento timbrado da agência de Nova York, com nome, número da conta, especificação do valor aplicado e outras. Os dólares captados na verdade eram aplicados aqui mesmo, no câmbio negro, como forma de garantir rentabilidade.

Segundo Ferreira, a contabilidade era manual, o que lhe permitiu, em 1994, sacar dinheiro da conta do ex-prefeito de Castro, Rivadávia Menarin, no valor de US$ 300 mil, para emprestar a um empresário da construção civil, Nivaldo José de Moura. Quando a manobra foi descoberta, o banco o demitiu por justa causa. Ferreira foi à Justiça e conseguiu receber mais de R$ 100 mil a título de indenização trabalhista. Segundo ele, remeteu através dessas operações irregulares cerca de US$ 6 milhões para a agência de Nova York.

Seu depoimento fez com que o relator da CPI, deputado Mário Bradock, pedisse a convocação do ex-prefeito de Castro, para explicar a origem dos recursos aplicados e porque fez uso da operação para remeter dólares para o exterior.

Lerner contesta procurador

O ex-governador Jaime Lerner distribuiu nota ontem, através de sua assessoria, afirmando que o processo de privatização do Banestado foi transparente e estranhando as declarações do procurador da República, Luiz Francisco de Souza, que lhe atribuiu parcela de responsabilidade em ilicitudes envolvendo o banco estatal. Para Lerner, o procurador faz um julgamento precipitado e suas “acusações levianas” serão desmentidas “a seu tempo”. Eis a íntegra da nota:

“Em relação à privatização do Banco do Estado do Paraná, afirmo que esta ocorreu de forma transparente, obedecendo a uma conjuntura imperiosa de ordem econômica que levou à desestatização da maioria dos bancos oficiais do País.

Causam-me profunda estranheza as declarações do procurador da República Luiz Francisco de Souza. O julgamento precipitado, quando não de má-fé, é, no mínimo, incompatível com o cargo de procurador da República. Também não me recordo que em algum momento o senhor Luiz Francisco de Souza tenha sido nomeado Juiz da Nação.

Resta-me aguardar, e tenho grande interesse, como qualquer brasileiro, que as investigações sobre a evasão de divisas por meio de cinco bancos, e não apenas do Banestado, vão a fundo e apontem os responsáveis por este crime contra o patrimônio público.

Assim, a seu tempo, acusações levianas como as do procurador Luiz Francisco de Souza serão devidamente desmentidas”.

Jaime Lerner

? Assessoria de Imprensa

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