Jornais estrangeiros mostram reservas com processo de impeachment

Jornais estrangeiros dedicaram espaço em seus editoriais para falar da situação política no Brasil nesta sexta-feira, 13, um dia depois de Michel Temer assumir interinamente a Presidência da República. O britânico “The Guardian” e o americano “The New York Times” criticaram o processo de impeachment da presidente afastada Dilma Rousseff. O “Financial Times” classificou o afastamento como “longe de ser perfeito”, mas destacou que, se Temer conseguir colocar a economia de volta aos trilhos e continuar com a luta contra a corrupção, “deixará um legado considerável”.

NYT

Em um editorial publicado nesta sexta-feira, o “The New York Times” afirma que Dilma Rousseff paga um preço “desproporcionalmente alto” por erros administrativos que cometeu, enquanto vários de seus maiores detratores são acusados de crimes mais flagrantes. Com o título “Fazendo a crise política piorar”, o editorial do maior jornal dos Estados Unidos defende que os brasileiros deveriam ter o direito de eleger um novo presidente.

O Times avalia que Dilma pode ter sido uma governante “ruim” e uma líder “decepcionante”, mas foi eleita duas vezes nas urnas e não há evidência de que ela tenha usado seu cargo para enriquecimento pessoal, enquanto outros políticos que a acusam e orquestraram a saída da presidente estão envolvidos em escândalos de corrupção e recebimento de propinas. Muito da ira destinada a Dilma pode se voltar agora para os políticos em Brasília acusados de corrupção, ressalta o texto.

Para o Times, o ideal seria que fossem realizadas novas eleições. “O Brasil está se recuperando da pior recessão desde 1930 e agora a crise política está reduzindo a fé na sua jovem democracia”, afirma o jornal no editorial. O texto ressalta ainda que o presidente em exercício Michel Temer foi condenado pela Justiça eleitoral e está inelegível por oito anos e que o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha, que aceitou o pedido de impeachment de Dilma, foi afastado por denúncias de corrupção.

A foto de Dilma aparece na capa do New York Times nesta sexta-feira, em uma reportagem contando os acontecimentos desta quinta-feira, 12, no Brasil, com a posse de Temer. O jornal dá destaque para o fato de o ministério do peemedebista ser composto apenas por homens e que seu governo pode representar uma guinada para a direita, como tem acontecido com outros países da América Latina, como Argentina e Paraguai.

O Times dedica duas páginas da edição para falar da situação política do Brasil. Em uma das reportagens, conta a história do PT, destacando que o impedimento põe fim a 13 anos do partido no poder. O texto destaca a alta popularidade do partido durante o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que despencou após um sucessão de escândalos e uma crise econômica.

Guardian

Em um texto duro, o Guardian disse que o sistema político é que deveria ser julgado, e não a presidente da República. Segundo o jornal, o deveria ter uma profunda reforma para tornar o sistema mais funcional e honesto, mas lamenta que a equipe ministerial apresentada na quinta, 12, mostra que é “muito duvidoso” que o governo Michel Temer dará esse salto.

O Guardian diz que o sistema político brasileiro é tão disfuncional que a corrupção é “praticamente inevitável” para a governabilidade. “Dilma herdou esse legado infeliz e começou a perder o controle em um período de declínio econômico e quando a corrupção, graças à polícia e a promotores independentes, começava a se tornar um escândalo de proporções crescentes”. O texto também cita que houve machismo e ressentimento da direita que nunca aceitou a ascensão de Luiz Inácio Lula da Silva e do PT.

“O elemento tóxico final na crise foi a percepção de muitos políticos que os procuradores poderiam pegar mais e mais deles e uma maneira de evitar ou minimizar essa possibilidade poderia ser distrair a atenção e tomar o controle político com o processo de impeachment da chefe de Estado”, cita o editorial. O Guardian diz que “a ironia é que muitos dos acusadores são acusados e por pecados piores”. O texto cita o presidente afastado da Câmara Eduardo Cunha e lembra que Dilma não é acusada nem investigada por corrupção.

Diante desse quadro, o Guardian defende que “o que deveria estar em julgamento acima de tudo é o modelo político brasileiro que falhou”. O texto lembra a infinidade de partidos políticos existentes e a incongruência de um sistema que elegeu Dilma como presidente com a maioria dos votos, mas deu 20% dos assentos ao partido do chefe do Executivo.

Para conseguir governar, então, o Executivo oferece cargos para atrair partidos para sua base, o que dificulta a formulação de políticas, já que muitas vezes os grupos indicam nomes incompetentes, cita o texto. “Para piorar, até mesmo os grandes partidos não podem levantar dinheiro suficiente das fontes legítimas para fazer a campanha em um país enorme e com muitos níveis de governo. As eleições brasileiras são tão caras como as norte-americanas”, diz o editorial, que menciona que, no caso do PT e outros partidos, a Petrobras foi usada como fonte de recursos.

“O novo governo brasileiro deveria iniciar uma mudança constitucional radical que pudesse fazer a política mais funcional e honesta. Mas saber se o novo governo que o vice-presidente Michel Temer está montando será capaz de dar esse salto é, infelizmente, muito duvidoso”, diz o Guardian.

FT

O editorial do FT diz que o processo de impeachment tem controvérsias, mas que Temer pode deixar um legado na Presidência da República. O peemedebista enfrentará, segundo o jornal, uma “tarefa assustadora”, com uma crise tripla: econômica, ética e política. No topo das prioridades, o FT diz que está a situação da economia. A nomeação de Henrique Meirelles para o Ministério da Fazenda e o rumor de que o economista-chefe do Itaú Ilan Goldfajn pode ir para o Banco Central são “encorajadores”, diz o jornal, que avalia a equipe econômica como “digna de confiança”.

O editorial argumenta que nomes como Meirelles e Goldfajn podem gerar um choque positivo nas expectativas, o que já ajudaria a reduzir os prêmios de risco e o custo do crédito para o Brasil. O FT diz que é um bom começo, mas ainda muito longe das reformas estruturais que o Brasil precisa executar para religar a economia.

Sobre a crise ética, o FT lembra que a Operação Lava Jato pesa sobre boa parte do Congresso e até sobre o próprio Temer. Por isso, o editorial defende que o presidente em exercício “deve permitir que as investigações continuem seu curso”. “Mesmo se isso o deixar exposto. Qualquer coisa diferente vai correr o seu já magro apoio popular”.

O editorial diz ainda que é preciso enfrentar o problema político que torna o Brasil “uma das democracias presidenciais mais fragmentadas e complexas do planeta”. Sobre esse tópico, porém, o FT diz que a tarefa é para o próximo presidente da República, que será eleito em 2018.

Ao reconhecer a controvérsia sobre a argumentação jurídica que baseia o processo de impeachment, o FT admite que o resultado do desdobramento da crise política visto na quinta, 12, “está longe de ser perfeito”. “Se ele conseguir colocar a economia em uma trajetória mais segura e deixar que o combate à corrupção continue, deixará para trás um legado considerável. Há muitos ‘se’, mas não é inconcebível que ele conseguirá transformar em realidade”.