Caso Banestado pode ter uma sangria de US$ 75 bilhões

Embora a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do Banestado tenha acabado de forma melancólica, sem aprovar o relatório do deputado José Mentor (PT-SP), considerado parcial, as investigações da força-tarefa composta pelo Ministério Público Federal, Polícia Federal e Receita Federal continuam na tentativa de identificar os clientes dos doleiros e a origem dos valores evadidos do país. Segundo o juiz Sérgio Moro, da 2.ª Vara Federal Criminal de Curitiba, somente da "conta-ônibus" da Beacon Hill Service Corporation, que agiria como intermediária na abertura de outras contas em paraísos fiscais e em esquemas de lavagem de dinheiro, foram identificadas 3.310 pessoas, que estão começando a responder a processo administrativo-tributário junto à Receita Federal.

Paralelamente, as informações desses processos serão repassadas aos juízos dos domicílios dos investigados. A força-tarefa criada em 2003 identificou até o momento 10.300 nomes de pessoas que possuem contas no exterior e que receberam créditos de contas de doleiros, através de várias instituições financeiras como o Banestado e o MTB Bank.

O imenso esquema de remessa ilegal de dinheiro para o exterior, feito por empresários e políticos, descoberto em 1997 e que ficou conhecido como "Escândalo Banestado" pode chegar a US$ 74 bilhões. O procurador da República Vladimir Aras estima que aproximadamente US$ 24 bilhões saíram do país por meio de contas CC-5 e cerca de US$ 50 bilhões através de operações de doleiros conhecidas como dólar-cabo. "Isso que as investigações concentram-se em Nova York. Quando chegarmos a investigar a ação de doleiros brasileiros na Flórida esses valores podem ser bem maiores", prevê.

Segundo Aras, as investigações estão centradas na identificação dos donos e na origem dos valores que saíram do país, uma vez que o dinheiro pode ser fruto de sonegação fiscal, crimes financeiros ou de lavagem e outras atividades ilícitas, como tráfico de drogas e corrupção. "Embora seja difícil recuperar o dinheiro evadido", afirma o procurador, "ao menos há a possibilidade de tributar os valores que saíram do País sem imposto". Entre as pessoas já identificadas na lista do MPF, há empresários, pessoas jurídicas e profissionais liberais.

CPMI do Banestado

Segundo o procurador, a CPMI do Banestado teve um papel importante nas investigações, principalmente nas que ocorreram no MTB Bank, nos Estados Unidos. Entre janeiro de 1997 e novembro de 2003, dez doleiros brasileiros movimentaram cerca de US$ 2,4 bilhões em mais de 40 contas do MTB Bank de Nova York. Eram donos de casas de câmbio de São Paulo, do Rio de Janeiro, do Ceará, do Amazonas e do Paraná que, através de empresas offshore, recebiam e enviavam dinheiro para a agência do Banestado de Nova York e para outras instituições financeiras dentro e fora dos Estados Unidos, tendo o MTB Bank como um dos principais destinos do dinheiro.

As investigações do Senado e da Câmara fizeram o escândalo tomar proporções ainda maiores, trazendo à tona o suposto envolvimento no esquema de pessoas como o ex-presidente do Banco Central Gustavo Franco, os ex-prefeitos de São Paulo Celso Pitta e Paulo Maluf e até o atual presidente do Banco Central, Henrique Meirelles. O relatório final da CPMI, apresentado em dezembro do ano passado pelo relator deputado José Mentor (PT-SP), trouxe os nomes de 91 indiciados. Mas, após discussões internas com o presidente da comissão, o senador Antero Paes de Barros (PSDB-MT), ele acabou apresentando um "relatório paralelo", indicando outros suspeitos e excluindo diversas pessoas que constavam no relatório inicial.

Para Aras, a CPMI, acabou muito cedo e sua reabertura poderia contribuir para agilizar as investigações em andamento. O procurador explica que uma nova comissão ajudaria principalmente na coleta de provas, com a vantagem adicional de que possui autoridade judiciária, podendo realizar várias ações sem precisar recorrer à Justiça. "Toda vez que precisamos quebrar sigilo, temos de recorrer a um juiz, que pode nos conceder ou não o pedido", afirma.

Por parte do MPF há a preocupação de que o trabalho investigativo seja realizado em tempo hábil para que não aconteça a prescrição dos crimes financeiros. O procurador diz que ainda há centenas de pessoas sendo investigadas e, muitas vezes, um único caso pode demandar uma grande quantidade de tempo. Como exemplo, ele cita o que envolve Maluf, acusado de evasão de divisas. "Foram cinco anos de intensa investigação", afirma.

A força-tarefa, segundo Aras, continua seus trabalhos até 30 novembro. Depois disso, terá de ser prorrogada, como já vem acontecendo. "Temos certeza de que vai continuar, mas em que moldes ela irá seguir não se sabe", afirma.

Denúncias, inquéritos e condenações

O procurador da República Vladimir Aras informa que até o momento foram denunciadas 472 pessoas, com 21 condenações e algumas prisões. "Com trânsito em julgado são dois. O doleiro Alberto Youssef e o diretor do Banestado Gabriel Nunes Pires Neto. Os demais condenados podem ainda recorrer das sentenças."

Aras diz que quando foram identificadas as casas de câmbio que tinham contas CC-5, ou que tinham conta no Banestado de Nova York, o Ministério Público Federal (MPF) passou a investigar quem eram os "laranjas" que depositavam nas contas em Foz do Iguaçu. Nessas análises, o MPF percebeu que a quantidade de "laranjas" variava, podendo ser de vinte a cem depositantes diferentes por conta. A partir disso, denunciou somente os "laranjas" conscientes de suas atividades, em geral funcionários do setor de câmbio, que sabiam o que estavam fazendo. Pessoas simples que emprestavam o nome por 200 reais não foram indiciados.

Foram denunciados também dirigentes e donos de casas de câmbio e pessoas ligadas aos bancos que corroboraram com o esquema. Nomes de políticos que supostamente possam estar envolvidos no esquema foram entregues ao procurador-geral da República. Como políticos, têm foro privilegiado, eles devem ser julgados pelo Supremo Tribunal Federal.

Segundo Aras, as 10.300 pessoas já identificadas pelo MPF estão sendo objeto de investigação e podem ou não vir a responder processo criminal. Do total de U$ 75 bilhões que se estima ter circulado no esquema das CC-5, o procurador diz que já foram apurados nos processos cerca de US$ 15 bilhões. Mas, lembra ele, ainda não se investigou a Flórida. "Se tudo der certo chegaremos lá. Isso depende de tempo e de estrutura de investigação". (RD)

Como era e como funciona a evasão hoje

As investigações do Escândalo Banestado começaram em 1997, quando o Banco Central encaminhou uma representação ao Ministério Público Federal (MPF), por suspeitar de uma série de movimentações bancárias que estavam ocorrendo na Tríplice Fronteira, envolvendo cinco instituições financeiras: Banco do Brasil, Bemge, Araucária, Banestado e Real. Esses cinco bancos, segundo o procurador da República Vladimir Aras, tinham uma autorização especial nas suas agências de Foz do Iguaçu para efetuar depósitos em espécie acima do limite usual de R$ 10 mil nas chamadas contas CC-5.

A autorização especial do Banco Central, segundo o procurador, foi dada sob pretexto de facilitar o retorno de grandes somas de reais em Ciudad Del Este, pois, sacoleiros brasileiros realizavam suas compras com a moeda brasileira e os comerciantes paraguaios trocavam os reais em casas de câmbio ou com doleiros. Donos dessas casas de câmbio, geralmente brasileiros, eram possuidores de contas CC-5 em Foz do Iguaçu. Até aí, tudo normal.

Mas, Aras diz que o Banco Central suspeitou da grande movimentação financeira, pois supostamente o volume de dinheiro entrando nas contas, de acordo com a sua fiscalização interna, era três ou quatro vezes maior que do que o montante que vinha de Ciudad del Este para Foz em carros-fortes. Ou seja, o dinheiro estava vindo de outros lugares do país.

Segundo o procurador, os doleiros montaram um esquema em que utilizavam "laranjas" como intermediários entre o verdadeiro depositante e eles mesmos, donos de contas CC-5 ou de empresas offshore que possuíam esse tipo de conta. Aras diz que até aquele momento, para cada operação com "laranja" identificada pelos sistemas do Banco Central, o MPF abria um inquérito policial.

Ao notar a abertura de um grande número de inquéritos investigando a mesma coisa, em 1998 o procurador da República Celso Três pediu quebra de sigilo das 35 mil contas CC-5 do país. Percebendo que o esquema era grande, segundo Aras, os procuradores envolvidos nas investigações tiveram a idéia de quebrar o sigilo em Nova York, porque o Banestado, que era o principal foco, tinha uma agência nessa cidade. A partir dessa quebra de sigilo foi que o MPF relacionou 137 contas suspeitas. "Muitos correntistas de CC-5 tinham conta na agência do Banestado de Nova York. Havia também correntistas brasileiros em Nova York que receberam depósitos maciços de CC-5, o que podia ser indício de que essas pessoas eram os reais remetentes do dinheiro."

As investigações mostraram que, em muitos casos, os doleiros e cambistas eram os verdadeiros donos de empresas offshore – titulares de contas CC-5 em Foz e na agência Banestado de Nova York. Através das offshore, os doleiros conseguiam esconder a sua identidade e operar ilegalmente com menos chance de serem descobertos. Dos Estados Unidos, o dinheiro ia para outros bancos americanos e para paraísos fiscais. De acordo com Aras, o próprio Banestado tinha agências nas Ilhas Virgens e Ilhas Cayman.

Segundo Aras, em 2002, com uma grande quantidade de inquéritos sendo instaurados, os procuradores de Foz resolveram enviar todos os documentos para Curitiba. No ano seguinte, foi constituída uma segunda força-tarefa, com membros do MPF, Polícia Federal e Receita Federal, além de contar com a colaboração de técnicos do Banco Central e do Banco Itaú, que havia adquirido o Banestado.

Dólar-cabo

Quando no decorrer das investigações as atividades da força-tarefa começaram a apertar os doleiros, eles precisaram deixar o esquema das contas CC-5 e passaram a fazer uso de outro artifício – o dólar-cabo. Segundo o procurador da República Vladimir Aras, esse tipo de operação continua a acontecer até hoje e é alvo de investigação do Ministério Público Federal.

A operação, segundo o procurador, tem origem na Idade Média e era chamada por imigrantes do Oriente Médio de "Hawala", que entre outros significados quer dizer "confiança". "Atualmente a prática foi reformulada e é aplicada no mundo inteiro por organizações criminosas", afirma.

Aras explica que o dólar-cabo consiste na troca de mensagens entre doleiros, assegurando os pagamentos no exterior. "Por exemplo, o doleiro recebe de um corrupto a quantia de R$ 1 milhão, que quer disponível em sua conta no exterior. Ele guarda o dinheiro e passa um fax para um banco onde possui conta em seu próprio nome ou de empresa offshore, para que seja depositada a mesma quantia na conta do seu cliente."

Segundo o procurador, na operação de dólar-cabo os valores entregues ao doleiro não precisam sair do Brasil e nem serem necessariamente montantes em dinheiro. "Um corrupto pode fornecer ao doleiro R$ 2 milhões em diamantes, por exemplo, e disponibilizar a ele um bem qualquer, como uma Ferrari, no exterior."

Para que suas conversas não sejam interceptadas, atualmente os doleiros tomam várias precauções. De acordo com Aras, eles não falam seus próprios nomes nas ligações, não utilizam e-mails, mas somente comunicadores instantâneos, que são de difícil interceptação na internet. (RD)

Voltar ao topo