Banestado emprestou a clientes de alto risco

Documentação endereçada pelo Banco Central a CPI do Banestado na Assembléia Legislativa mostra que a diretoria da instituição paranaense tinha total conhecimento dos clientes que representavam alto risco para qualquer tipo de operação, com base nos relatórios emitidos pelo Departamento de Controle de Operações do Banco (Decop).

Essa documentação, conforme informação da assessoria do presidente da CPI, deputado Neivo Beraldin (PDT), está sendo confrontada com relatórios já em poder dos parlamentares. Um desses relatórios, “Informações sobre os 20 maiores riscos da instituição”, exibe o total de endividamento de cada um dos grandes devedores e suas situações jurídica e de débito.

Empresas de risco

Mesmo dispondo desse banco de dados, os diretores do Banestado continuaram a beneficiar as empresas relacionadas com renegociações, concessão de prazos e até com a liberação de novos financiamentos. As empresas enquadradas como de risco figuraram nessa categoria por longos períodos -em alguns casos ultrapassaram 10 anos – e mesmo assim receberam aval para realizar suas operações.

O Banco Central relacionou, em apontamento de 13 páginas, as principais operações irregulares realizadas pelo Banestado. Nele aparecem 12 das empresas citadas como de risco pelo Decop. O relatório de dezembro de 97, com os 20 maiores riscos, totalizando mais de R$ 335 milhões de débitos, cita algumas das empresas que realizaram operações suspeitas pela CPI:

C.R. Almeida – com endividamento superior a R$ 18 milhões, culminou sua negociação com a aceitação de quitação de sua dívida pelo valor de face, através de precatórios, obtendo, ainda, desconto da ordem de R$ 3,65 milhões.

EBEC – Engenharia Brasileira de Construções S.A. – teve deferidas várias operações de financiamento, apesar do endividamento superior a R$ 17 milhões. Acertou a quitação de seus débitos com precatórios, pelo valor de face e desconto de R$ 2,87 milhões.

DM – Construtora de Obras Ltda. – endividamento superior a R$ 19,5 milhões em março de 98, acertou a quitação de suas dívidas em agosto de 98, obtendo desconto da ordem de R$ 7,62 milhões.

Xingu Construtora de Obras Ltda. – apesar de ter várias operações, desde 95, sucessivamente roladas por inadimplência – conforme constatação do Banco Central -, teve vários financiamentos aprovados. Seu endividamento chegou a R$ 17 milhões em março de 98. As renegociações não tiveram fundamentação técnica, objetivando a não apropriação do débito como prejuízo para o Banestado, evitando o registro de prejuízos nos balanços, o que poderia levantar suspeitas e fiscalizações.Completando o circuito das operações irregulares, as empresas que figuravam como risco para o Banestado não foram juridicamente acionadas para serem cobradas e constavam nos relatórios como em “situação normal”.

A próxima reunião da CPI do Banestado acontece a partir das 9 horas da próxima terça feira, no plenarinho da Assembléia Legislativa, e terá como depoente um diretor da instituição financeira à época dos desvios.

US$ 200 mi em notas frias

O primeiro levantamento da Promotoria de Justiça de São Paulo identificou que foram emitidas notas frias no valor de US$ 200 milhões pelas empresas subcontratadas pela empreiteira Mendes Júnior durante as obras da avenida Água Espraiada, na capital paulista, dentro de um suposto esquema de concessão de propinas aos ex-prefeitos Paulo Maluf e Celso Pitta, além de seus assessores. Ao revelar essa informação aos integrantes da CPI do Banestado, o promotor de Justiça de São Paulo Silvio Antonio Marques disse que esse valor pode ser maior à medida em que as investigações sobre o superfaturamento e o desvio de recursos da obra avançam.

Em resposta ao relator da CPI, deputado José Mentor (PT-SP), o procurador informou que se encontram bloqueados em Jersey entre US$ 200 milhões e US$ 300 milhões, que poderão ser repatriados. Explicou que a promotoria está esperando a confirmação oficial desses valores pelas autoridades daquele paraíso fiscal, para poder entrar com ação para a restituição desse dinheiro de origem ilícita.

O promotor esclareceu ao senador José Jorge (PFL-PE) que existem duas ações em curso contra Maluf e Pitta sobre obras superfaturadas na cidade de São Paulo: uma no valor de RS$ 116 milhões relativa à construção da avenida Água Espraiada e outra de R$ 105 milhões do túnel Ayrton Senna.

Foz do Iguaçu

O relator da CPI considerou que as investigações do esquema de superfaturamento pela Mendes Júnior estão praticamente equacionadas. Ele disse que “ainda falta o link” na outra linha de investigação referente à evasão de divisas, “porque não é possível processar os beneficiários”, por enquanto. E pediu ao procurador explicação de como era a conexão do esquema paulista com o de Foz do Iguaçu.

Segundo Marques, já foi possível confirmar, pela quebra de sigilo bancário, que duas contas de subempreiteiras enviavam os recursos desviados para contas CC-5, abertas nas agências dos cinco bancos em Foz do Iguaçu. E que a autorização especial concedida pelo Banco Central para aquelas instituições bancárias aceitarem depósitos em espécie acima de RS$ 10 mil permitiu, na avaliação dele, um descontrole sobre a origem do dinheiro.

Para dimensionar esse descontrole, Marques disse que apenas um laranja , apontado como Rodolfo Castro Filho, movimentou por Foz do Iguaçu cerca de US$ 700 milhões em dois anos. Ele informou também que este laranja ainda não foi localizado pela Polícia Federal.

Conta em Nova York dá pista dos beneficiários

Durante o depoimento do promotor de Justiça de São Paulo Sílvio Antônio Marques, o presidente da CPI do Banestado, senador Antero Paes de Barros (PSDB-MT), disse que é importante obter documentos da quebra do sigilo da conta Lespan, no Citibank de Nova York, para chegar aos reais beneficiários de recursos com origem em atividades criminosas que saíram do país irregularmente.

Essas informações, segundo o senador e o promotor, já estão com as autoridades norte-americanas, que só podem remeter as informações ao Brasil depois de cumpridas formalidades exigidas em acordo internacional. A conta Lespan já teve, de acordo com o promotor, seu sigilo quebrado pelo Congresso dos Estados Unidos, com auxílio do trabalho do delegado da Polícia Federal José Castilho Neto em abril deste ano. Marques sugeriu que a CPI tente obter os documentos diretamente dos parlamentares norte-americanos.

“As informações são relevantes e foram solicitadas. Esperamos a aquiescência por parte das autoridades americanas”, disse Antero, que irá para os Estados Unidos junto com um grupo de outros cinco parlamentares no proximo sábado (23). Entre outros compromissos, a CPI terá reunião com deputados e senadores em Washington.

O promotor de São Paulo acredita que não serão encontrados na conta Lespan apenas recursos desviados do Brasil. A conta teria movimentado US$ 1,8 bilhão e, pelas investigações, pelo menos US$ 200 milhões desse total podem ter origem em pagamento de propinas com origem em obras no município de São Paulo.

Suíça e Jersey

Paralelamente, as investigações sobre o desvio de recursos para a Suíça também dependem do envio de documentação pelas autoridades daquele país. O juiz suíço Claude Werger autorizou, em 13 de junho de 2003, a remessa de documentos ao Brasil, mas o ex-prefeito Paulo Maluf recorreu ao Tribunal Cantonal. Na Suíça, para obter informações é necessário provar que o dinheiro tem origem criminosa, com detalhes de datas e pessoas envolvidas. Por isso, o envio de alguns documentos no início do processo pelo Ministério Público daquele país foi questionado na Suprema Corte. O processo de instrução na Suíça, disse Marques, já foi aberto.

Em Jersey, no Reino Unido, o dinheiro que supostamente é de propriedade de Maluf continua bloqueado. A decisão sobre o envio dos documentos dessa conta ao Brasil ainda está pendente. Já a França bloqueou cerca de US$ 1,8 milhão depositado por Maluf e sua esposa. Parte do dinheiro, de acordo com Marques, saiu de Genebra (da Fundação Blackbird, pertencente a Flávio Maluf e esposa).

Promotor denuncia ex-governador paulista

Em depoimento ontem à CPI do Banestado, o promotor de Justiça de São Paulo Sílvio Antônio Marques, que investiga o suposto esquema de corrupção na administração Paulo Maluf na prefeitura de São Paulo, forneceu detalhes sobre o provável caminho percorrido pelo dinheiro recebido a título de propina até o exterior, tendo supostamente como beneficiário o ex-prefeito.

O promotor deteve-se especialmente sobre o caso da construção da avenida Água Espraiada pela construtora Mendes Júnior. Segundo avaliações iniciais, a obra deveria ter custado R$ 250 milhões, mas foram gastos R$ 800 milhões pela prefeitura de São Paulo.

Propina

De acordo com Marques, a prefeitura remunerava a empreiteira, que, então, pagava subempreiteiras. Depois de emitir notas fiscais à empreiteira, as cerca de 11 subempreiteiras do esquema, geralmente empresas fictícias, devolviam cheques equivalentes a 90% do valor das notas fiscais frias.

Os cheques eram trocados por dólar ou entregues diretamente a doleiros, que depositavam os recursos em contas de laranjas, os quais voltavam a depositar os recursos em contas de outros laranjas. Maluf, disse Marques com base em depoimentos, seria o beneficiário de 20% desse valor e assessores, como o ex-secretário de Obras do município de São Paulo, Reynaldo de Barros, receberiam 17%. O ex-prefeito da cidade Celso Pitta, informou o promotor, também teria recebido um percentual (15%) desse tipo de propina nos anos de 1999 e 2000.

De acordo com o caminho do dinheiro que está sendo rastreado pela Promotoria de São Paulo, os recursos oriundos de propinas chegavam a contas CC5, principalmente no Paraguai, a partir de onde eram remetidos para contas em bancos em Nova York e Genebra, na Suíça. Essas contas, afirmou Marques, aparecem nas investigações da Polícia Federal em Foz do Iguaçu (PR). Em Nova York, o promotor citou as contas Campari, no MTB Bank, e Lespan, no Citibank. Mencionou também contas em Genebra, onde os recursos seguiriam para Maria Rodrigues, com conta no Union Bancaire Privée, que repassava o dinheiro para outras contas, inclusive no Citibank de Genebra.

Em 9 de janeiro de 1997, a Promotoria foi informada pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) que recebera comunicação de autoridades de Jersey, no Reino Unido, sobre a transferência de recursos do Citibank de Genebra para o Citibank daquela localidade. Segundo Marques, as investigações procuram provas de uma transação que teria movimentado recursos do Citibank para o Deutsche Morgan Grenfell de Jersey. “Já foi provado que esse banco aplicou US$ 89,3 milhões na Eucatex, de propriedade da família de Maluf, por meio de debêntures conversíveis em ações”, informou o promotor.

CPI pode apressar a liberação de documentos

A grande colaboração que a CPI do Banestado pode dar para o avanço das investigações nos casos Paulo Maluf e Celso Pitta é um contato político dos seus integrantes com autoridades da Suíça, da França e do paraíso fiscal de Jersey para agilizar a liberação de documentos importantes para as ações judiciais brasileiras. Esta é a avaliação que o promotor de Justiça de São Paulo, Silvio Antonio Marques, fez na reunião de ontem: “Um ofício da CPI do Congresso Nacional tem muito mais força do que um ofício de minha autoria”, comparou.

O promotor citou o que está ocorrendo em Genebra, onde já existe decisão judicial para liberar os documentos solicitados que já estariam no Brasil se não fosse o recurso apresentado por Paulo Maluf. Ele sugeriu ao relator que a CPI centre suas investigações nas remessas com indícios de origem ilícita do dinheiro. Esclareceu que as autoridades internacionais só autorizam a quebra do sigilo bancário quando existe suposição de que os recursos provêm de atividades criminosas.

“A carta rogatória encaminhada à Suíça foi devolvida três vezes porque não havia provas em relação à origem ilícita do dinheiro”, contou o promotor. O senador Heráclito Fortes (PFL-PI) lembrou que a correspondência enviada à secretária Nacional de Justiça, do Ministério da Justiça, Cláudia Chagas, mostra a frustração das autoridades americanas com o trabalho da força-tarefa, por não apresentar dados concretos sobre a origem ilícita do dinheiro.

O presidente da CPI, senador Antero Paes de Barros (PSDB-MT), pediu que seja preparado requerimento com todos os documentos que precisam ser solicitados às autoridades judiciais dos Estados Unidos, para facilitar o contato que os parlamentares da CPI do Banestado devem manter com a comissão que cuida dos assuntos relativos à lavagem de dinheiro no Congresso norte-americano.

Pressão fez testemunhas mudarem os depoimentos

Segundo o promotor de Justiça de São Paulo Sílvio Antônio Marques, o ex-gerente financeiro da filial da empreiteira Mendes Júnior em São Paulo, Simeão Damasceno de Oliveira, depôs espontaneamente em fevereiro de 2002, revelando então o esquema de pagamento de propinas que envolveria os ex-prefeitos de São Paulo Paulo Maluf e Celso Pitta. Mais tarde Simeão teria desmentido, em depoimento registrado em cartório, as informações dadas às investigações do Ministério Público paulista.

De acordo com Marques, Simeão se dizia perseguido pela Mendes Júnior e procurou a promotoria “por querer justiça e evitar que fosse injustiçado”. “Ele não foi vítima de pau-de-arara, não. Acredito que ele vá voltar atrás em algum momento e recuar do depoimento que fez em cartório, até porque sua atitude não adiantou nada. As investigações continuaram e, agora, não temos apenas o depoimento do Simeão, mas de várias outras testemunhas, que levaram a provas materiais”, disse o promotor.

A constatação de que Simeão mostrou o caminho da corrupção na prefeitura, segundo o promotor, está no fato de o Tribunal de Justiça de São Paulo aprovar a continuidade das investigações, por meio da concessão da quebra de sigilos bancários, solicitada pela Promotoria, de pessoas e empresas.

“O tribunal indeferiu recursos dos envolvidos, por entender que as provas, excluindo o depoimento do Simeão, eram suficientes, decretando ainda a quebra de sigilo dos laranjas. O seu depoimento foi confirmado pelas investigações”, relatou.

Segundo Marques, o escrivão do cartório em que Simeão registrou o depoimento contraditório ao apresentado ao Ministério Público disse à Promotoria que um advogado de Maluf encaminhou Simeão ao local. Da mesma maneira, revelou Marques, Nicéa Camargo – que também será ouvida pela CPI -, que foi casada com Pitta, disse ter sido procurada para retirar suas acusações.

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