Pobre povo

O plenário da Câmara dos Deputados, ao apagar das luzes da noite da última terça-feira, 14, aliás, como convém para mascarar uma posição plenamente sintonizada com o acendrado corporativismo que caracteriza a maioria dos componentes da Casa, aprovou por 292 votos a favor e 34 contrários (três abstenções) o projeto de lei complementar que garante anistia aos parlamentares que trocaram de partido nos últimos meses.

A iniciativa foi do deputado Luciano Castro (RR), líder do Partido da República (PR), agremiação política que franqueou a legenda para o maior número de adesistas desde a última eleição, passando por cima de uma decisão recente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), segundo a qual os parlamentares infiéis perderiam o mandato.

Na interpretação do citado tribunal, os mandatos pertencem aos partidos pelos quais os parlamentares foram inscritos e eleitos, embora esse pensamento constitua um corpo estranho na jurisprudência interna corporis, na qual se amamentam os chamados representantes do povo brasileiro. Pobre povo, em todos os sentidos.

O presidente do TSE, ministro Marco Aurélio Mello, não poupou críticas à posição dos deputados federais, afirmando que a Câmara usou pela enésima vez, acrescentamos nós, ?o famoso jeitinho brasileiro? para amesquinhar a legitimidade do instituto da fidelidade partidária.

O ministro foi enfático ao revelar que o País está diante de verdadeira anistia concedida pela suspicácia benevolente dos próprios transgressores do espírito da Constituição, que na mesma cajadada afrontaram também o entendimento do TSE, em revoltante ato de legislação em causa própria.

A questão provavelmente terá seu desfecho com o pronunciamento do Supremo Tribunal Federal (STF), onde tramitam ações impetradas pelo PSDB, DEM e PPS, pleiteando a devolução dos mandatos de deputados que abandonaram as respectivas legendas depois das eleições de outubro passado.

A iníqua legislação recebeu grossa pitada de boçalidade e escárnio, ao fixar os 30 dias referentes ao mês de setembro anterior às eleições como prazo para a troca de partido. Se a mudança de legenda ocorrer antes, o parlamentar será punido com a inelegibilidade pelos próximos quatro anos. A desfaçatez é tanta que não há palavras para descrevê-la.

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