Petróleo: mercado ou soberania

O futuro das reservas brasileiras de petróleo está ameaçado. A Agência Nacional do Petróleo (ANP) marcou para os dias 17 e 18 de agosto a sexta rodada de licitações. Isso significa que mais de duzentos mil quilômetros quadrados de bacias sedimentares (formações geológicas onde ocorrem jazidas de petróleo) podem ser leiloados. Para se ter idéia, equivale à extensão territorial do Estado do Paraná. O mapeamento dessas áreas é fruto de bilhões de dólares em investimentos e décadas de pesquisas do povo brasileiro. No entanto, em 1995, com a flexibilização do setor petrolífero, a Petrobras deixou de ser executora do monopólio estatal do petróleo, embora ele continue pertencendo à União. Em 1997, com a Lei n.º 9478/97, criou-se a ANP para regular as atividades do setor. Dessa forma, a Petrobras foi obrigada a entregar à Agência todo o acervo de pesquisas constituídas ao longo de toda sua história.

O petróleo é um bem estratégico para as nações; só dá uma “safra”. Não pode ser tratado como “commodities”, ou seja, uma simples mercadoria (banana ou laranja, por exemplo). É a principal matriz energética do mundo e tudo indica que continuará sendo nas próximas décadas. O cenário mundial aponta para uma redução progressiva das reservas de grandes companhias petrolíferas, como Shell, El Paso, Pemex, etc. Enquanto no Brasil a relação de reservas/produção tem aumentado seguidamente. Durante o governo FHC foram cortados significativos investimentos no orçamento da área de Exploração e Produção da Petrobrás (E&P). Não obstante, a regulamentação imposta pela ANP obrigou a empresa brasileira a devolver, junto com seus estudos geológicos, as áreas adquiridas. Dentro dessa lógica estava em jogo a entrega das grandes descobertas da Petrobras. A mudança estratégica da atual gestão, que multiplicou os investimento na área de E&P, resultou que, em 2003, houvesse a incorporação do maior volume anual de reserva provada do país, aumentando suas reservas em 6,6 bilhões de barris graças às descobertas nas bacias sedimentares de Campos, Santos, Sergipe/Alagoas e do Espírito Santo.

Diferente dos leilões anteriores, a sexta rodada vai disponibilizar os chamados “blocos azuis”, que são áreas adjacentes àquelas dos grandes resultados de 2003. Essas áreas pertenciam a Petrobras desde a 1.ª. licitação e, apesar dos resultados recentes, tiveram de ser entregues. Estes resultados indicam enormes probabilidades de encontrar grandes acumulações de hidrocarbonetos nos “blocos azuis” podendo o seu potencial de reservas petrolíferas chegar a outros seis bilhões de barris. Analistas estimam que isso equivale ao valor de 300 bilhões de dólares. Por isso, mais de vinte multinacionais do ramo já se inscreveram no leilão. Se a Petrobras optar por continuar a exploração naquelas localidades, terá que concorrer com o capital estrangeiro para readquirir o que lhe pertenceu anteriormente. Salientamos que o risco está justamente na fase até encontrar o petróleo. Em contra-partida os “blocos azuis” já são identificados como de alta probabilidade.

A situação explosiva no Oriente Médio e o aumento do consumo na China fizeram com o que mercado internacional elevasse o barril de petróleo a 40 dólares, sugerindo a consolidação de um patamar mínimo de 30 dólares. Justamente quando a Petrobras anuncia a antecipação da sua auto-suficiência de 2010 para 2006, a ANP encaminha a realização da sexta rodada de licitações com áreas tão promissoras.

Não temos dúvidas, em nome da soberania nacional, de exigir o imediato cancelamento da sexta rodada de licitações. Caso contrário, grandes corporações multinacionais deverão arrematar os blocos potencialmente produtivos a que nos referimos, praticando, na seqüência, uma política de exploração predatória para exportação, nos moldes do que já fizeram na Argentina e no México. A Shell, por exemplo, adquiriu a concessão de um bloco na Bacia de Campos, onde se produz diariamente setenta mil barris de petróleo, que são totalmente destinados à exportação, portanto, nenhuma gota é destinada a auto-suficiência brasileira.

A legislação vigente do setor de petróleo e a conduta da ANP são produtos da sanha neoliberal do governo FHC. É necessário, com a máxima urgência, uma profunda reavaliação na política do setor. As diretrizes do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) e do Ministério de Minas e Energia (MME) tem que estar sob o primado da soberania da nação e exercer efetivo controle sobre a ANP. Não faz sentido uma agência reguladora, mera autarquia “especializada”, ter tanta autonomia a ponto de definir um setor de tamanha importância para o futuro do país.

Natálio Stica é deputado estadual pelo PT e líder do governo na Assembléia Legislativa do Paraná.

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