PEC dos Recursos: Qual o valor da celeridade processual?

 

O processo judicial brasileiro encontra-se novamente envolto de discussões para acabar com sua lentidão (“sensação de impunidade”), pretendendo, para isto, a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional dos Recursos (PEC nº 15/2011), apresentada por Ricardo Ferraço (Senador/PMDB-ES), que possui amplo apoio do Ministro Cezar Peluso (idealizador e Presidente do Supremo Tribunal Federal) e que provavelmente fará parte do III Pacto Republicano, a ser firmado em breve pelos chefes dos três Poderes.

Atualmente, a “PEC dos Recursos”, como vem sendo chamada, encontra-se em trâmite perante a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado (CCJ), tendo como relator o Senador Aloysio Nunes (PSDB-SP), que já declarou ser favorável à proposta.

Pretende esta Proposta de Emenda à Constituição, a alteração dos art. 102 e 105 da Constituição Federal de 1988, que preveem, respectivamente, a competência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, para que assim passarão a dispor:

“Art. 102………………………………………………………………………………………………..

I – ………………………………………………………………………………………………………….

s) a ação rescisória extraordinária;

………………………………………………………………………………………………………………

§ 3º A ação rescisória extraordinária será ajuizada contra decisões que, em única ou última instância, tenham transitado em julgado, sempre que:

I – contrariarem dispositivo desta Constituição;

II – declararem a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal;

III – julgarem válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição;

IV – julgarem válida lei local contestada em face de lei federal.

§ 4º Na ação rescisória extraordinária, o autor deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais nela discutidas, nos termos da lei, a fim de que o

Tribunal examine sua admissibilidade, somente podendo recusá-la, por ausência de repercussão geral, pelo voto de dois terços de seus membros.” (NR)

E, ainda:

“Art. 105………………………………………………………………………………………………..

I – …………………………………………………………………………………………………………

j) a ação rescisória especial; ……………………………………………………………………..

§ 1º ……………………………………………………………………………………………………….

§ 2º A ação rescisória especial será ajuizada contra decisões dos Tribunais Regionais Federais ou dos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios que, em única ou última instância, tenham transitado em julgado, sempre que:

I – contrariarem tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência;

II – julgarem válido ato de governo local contestado em face de lei federal;

III – derem a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal.

§ 3º A lei estabelecerá os casos de inadmissibilidade da ação rescisória especial.” (NR)

Logo, a PEC dos Recursos visa alterar os artigos 102 e 105 da Constituição, para transformar os recursos extraordinário e especial em ações rescisórias.

Por meio desta PEC, permitir-se-ia a imediata execução das decisões judiciais, logo após o pronunciamento dos tribunais de segunda instância.

Destaca-se, que os recursos especial (STJ) e extraordinário (STF) não serão mais cabíveis, vez que pelo art. 5º da PEC nº 15/2011 [1], os incisos III dos art. 102 e do art. 105 da CF serão revogados, ficando assegurada a aplicação das regras de processamento e julgamento dos recursos extraordinário e especial àqueles que houverem sido interpostos antes da entrada em vigor da PEC, nos termos do art. 4º [2].

Peluso para defender a aprovação da PEC, recentemente citou o exemplo do jornalista Pimenta Neves, assassino confesso de Sandra Gomide, o qual, em que pese ter sido condenado em 2006 – o crime aconteceu em 2000 -, foi preso somente 2011, após apresentar uma série de recursos. O último foi negado pelo Supremo Tribunal Federal no fim de maio deste ano.

Os idealizadores e apoiadores da “PEC dos Recursos” argumentam que esta visa combater o uso indiscriminado de recursos no âmbito judicial.

Ainda, sustentam que será benéfico quebrar o paradigma das quatro instâncias revisórias, na medida em que incumbe aos tribunais superiores analisar causas constitucionais e a violação à legislação federal, bem como unificar a interpretação de tais textos legais, não devendo estes servir como cortes recursais para solucionar briga entre vizinhos. [3]

Argúem, por fim, que a PEC afetará em pouco os processos judiciais, porquanto menos de 5% dos recursos que chegam aos Tribunais Superiores conseguem reformar a decisão de Segunda Instância (Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal).

Com efeito, a celeridade processual é aspecto de extrema relevância e que deve ser observada, inclusive por ser um dos direitos fundamentais protegidos pela Carta Magna, art. 5º, LXXVIII, incluído pela Emenda Constitucional nº 45/2004 e, também, pela Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), em seu art. 8, 1, onde prevê:

“Toda pessoa tem o direito a ser ouvida com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem os seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.”

Humberto Theodoro Junior destaca que:

“É evidente que sem efetividade, no concernente ao resultado processual cotejado com o direito material ofendido, não se pode pensar em processo justo. E não sendo rápida a resposta do juízo para a pacificação do litígio a tutela não se revela efetiva. Ainda que afinal se reconheça e proteja o direito violado, o longo tempo em que o titular, no aguardo do provimento judicial, permaneceu privado de seu bem jurídico, sem razão plausível, somente pode ser visto como uma grande injustiça. Daí porque, sem necessidade de maiores explicações,

se compreende que o Estado não pode deixar de combater a morosidade judicial e que, realmente, é um dever primário e fundamental assegurar a todos quantos dependam da tutela da Justiça uma duração razoável para o processo e um empenho efetivo para garantir a celeridade da respectiva tramitação.” [4]

Todavia, é preciso, porém, fazer algumas reflexões sobre a celeridade como contraponto. O próprio doutrinador Humberto Theodoro Junior ressalva:

“A fiel aplicação da garantia constitucional em apreço exige das partes um comportamento leal e correto, e do juiz uma diligência atenta aos desígnios da ordem institucional, para não se perder em questiúnculas formais secundárias e, sobretudo, para impedir e reprimir, prontamente, toda tentativa de conduta temerária dos litigantes.” [5]

A respeito da celeridade processual, amparado no princípio do devido processo legal, Fredie Didier Jr., ensina que:

“Não existe um princípio da celeridade. O processo não tem de ser rápido /célere: o processo deve demorar o tempo necessário e adequado à solução do caso submetido ao órgão jurisdicional.” [6]

Neste sentido, ressalta-se que embora a celeridade processual seja importante, não deve, por si só, se sobrepor a outros direitos fundamentais, tais como o devido processo legal, a ampla defesa, a inafastabilidade do Poder Judiciário, a presunção de inocência e, principalmente, a dignidade da pessoa humana.

É certo que todos estes direitos se relacionam de forma concomitante, não devendo um prevalecer sobre os demais, pois caso ocorra, como se pretende, na hipótese da “PEC dos Recursos”, a celeridade, importante ferramenta para concretizar o devido processo legal e a dignidade da pessoa humana, acabará por violá-los.

Isto porque se a celeridade for a premissa principal do processo judicial, não há como garantir que o processo será devido, vez que pela proposta apresentada, as decisões transitarão em julgado, após decisão dos Tribunais Regionais Federais ou dos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, não sendo cabível recursos especial

e/ou extraordinário aos Tribunais Superiores, o que permitiria a execução de plano, sem hipótese de suspensão.

Sequer haveria necessidade de iniciar-se execução provisória, onde se faz necessário o oferecimento de caução para garantir eventual prejuízo ao executado, caso venha a ter seu recurso especial/extraordinário provido. Estamos falando, na hipótese da PEC, de execução definitiva desde o momento da decisão do Tribunal local, onde ocorreria o trânsito em julgado e se formaria a coisa julgada.

Assim, ofender-se-ia a ampla defesa, a inafastabilidade e a presunção da inocência (em âmbito penal), pois os Tribunais Superiores estariam sendo excluídos da apreciação da ameaça do direito dos recorrentes, impondo sua condenação antes mesmo de analisar a defesa apresentada.

Nem se cogite pretender, aqui, sustentar que os Tribunais Superiores são tidos hoje como tribunais recursais, funcionando como “3º ou até mesmo 4º Grau de Jurisdição”, para discutir brigas de vizinhos.

Os Tribunais Superiores possuem competência definida pela Constituição Federal, justamente nos artigos em que se pretende modificar por meio desta Proposta de Emenda. Deste modo, não há que se falar em tribunais revisionais, pois não são todos os recursos, tampouco quaisquer demandas aptas a serem recepcionados pelos Tribunais Superiores.

Vale lembrar que há o dever das partes prequestionarem as questões que pretendem levar à análise dos Tribunais Superiores sob pena de não conhecimento.

Ademais, com a reforma do Poder Judiciário (EC nº 45/2004) passou-se a ter a necessidade de haver repercussão geral como pressuposto de admissibilidade do recurso extraordinário.

Outra alteração que não deve ser esquecida é a mudança no CPC instituída pela Lei 11.672/08 que trata do julgamento uniforme dos recursos repetitivos no âmbito do Superior Tribunal de Justiça.

Ainda, deve-se recordar da possibilidade de os recursos serem julgados monocraticamente pelo relator, nos termos do art. 557 do CPC, quando forem manifestamente inadmissíveis, improcedentes, manifestamente contrários à jurisprudência dominante nos Tribunais Superiores. Além de haver o dever de observância às Súmulas Vinculantes.

Não bastasse todas estas medidas impeditivas de conhecimento recursal, dentre outras, como a existência de Súmulas que impedem a análise de questões fáticas, o que inviabiliza a análise de mera briga entre vizinhos, devendo, por isto, se restringirem à matéria de direito, verificando a ocorrência ou não de eventual violação à legislação, seja ela constitucional ou federal, é que mostra-se impossível caracterizar os Tribunais Superiores como instâncias recursais.

De mais a mais, em que pese haver feitos de longa tramitação, tendo em vista a utilização de todos os recursos cabíveis, e até mesmo procrastinatórios, o que permitiria a “sensação de impunidade”, deve-se frisar que é o direito das partes requerer a reforma das decisões quando não se conformarem.

Outrossim, para a hipótese de interposição de recursos sucessivos no trâmite processual, com o fim de atrasar o deslinde da causa, como salientado por Humberto Theodoro Junior, deve o juiz ater-se às questões principais do processo, não podendo se deixar levar por matérias secundárias, bem como, os Tribunais se obrigarem a adotar as medidas impeditivas de conhecimento recursal ou de rápido julgamento, sempre que possível.

Ainda, se tratando de procedimentos temerários ou meramente protelatórios, existem meios processuais passíveis de combater tais práticas, inclusive sendo possível a aplicação de multa por litigância de má-fé para coibi-las.

Por outro lado, afirmam os apoiadores que as reformas das decisões dos Tribunais Regionais Federais ou dos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios são raras, afetando parcela mínima dos processos.

Frisa-se, contudo, que os números do CNJ, divulgados em 2010 e referentes a 2009, demonstram que o índice de recorribilidade após decisão da Justiça Estadual é de

33%, mais especificamente, dos 1,430 milhões (um milhão e quatrocentos e trinta mil) acórdãos publicados pelos Tribunais de Justiça de todo o Brasil, 473 (quatrocentos e setenta e três) mil foram objetos de recursos para os Tribunal Superiores. Dado relevante é o índice de reforma nos tribunais superiores, que chega a 22,5%. [7]

Será certo prejudicar esta parcela “mínima”? E se a decisão recorrida for injusta e merecer recurso? Cumprida a condenação, civil ou penal, se após o trâmite processual do recurso observa-se a necessidade de reforma, quem arcará com os danos causados à parte recorrente? Não ficaria a dignidade da pessoa afetada por ser presa sem análise pelos Tribunais Superiores, ou por ter de arcar com algo que não deve, situação que na maioria das vezes a descredibiliza perante a sociedade?

É claro que a Proposta de Emenda à Constituição prevê e admite a revisão da decisão. Ressalva-se, porém, consoante já asseverado, que esta “revisão” não mais se dará por recurso especial e/ou extraordinário, mas sim, por “ação rescisória” especial e/ou extraordinária, pois já se haverá transitado em julgado a decisão após o reexame da matéria em 2º Grau de Jurisdição.

Ademais, cumpre mencionar que inexiste previsão de suspensão da decisão judicial que transitou em julgado, devendo a parte que se sentir ameaçada ou em risco de dano grave e de difícil reparação, solicitar, tão somente, preferência no julgamento, conforme orientação de Cezar Peluso, exposta em notícia publicada no site do STF.

Inviável imaginar que a preferência no julgamento da ação rescisória conseguiria resguardar eventual dano que a parte venha a sofrer, pois, se de ação rescisória, efetivamente, se tratar, haverá um novo processo, que até findo, grande será o risco da irreversibilidade da medida.

Por isto é que se mostra perigoso privilegiar a celeridade processual a qualquer custo. Roberto Soares Garcia afirma que:

“a função primordial do Poder Judiciário há de ser a aplicação correta da Constituição e das leis, a celeridade não deve ser privilegiada a qualquer custo. É melhor decisão justa, ainda que tardia, do que resposta célere que, pela pressa em punir, deixe no ar fumaça de injustiça.” [8]

Diante de todo o exposto, é que pergunta-se, qual o valor da celeridade processual? Será ela suficiente para embasar a Proposta de Emenda da Constituição dos Recursos, levando-se em consideração os possíveis conflitos aparentes com outros direitos fundamentais?

Em conclusão do que foi discutido, podemos afirmar que apesar da importância e grande relevância da celeridade nos processos judiciais, esta não deve prevalecer, por si só, sobre os demais direitos fundamentais e princípios processuais constitucionais, na medida em que a busca por uma resposta cada vez mais célere por parte do Poder Judiciário, pode por ofuscar o dever de se analisar o processo pelo tempo que necessita para se solucionar o conflito entre as partes de modo justo.

Salienta-se, por fim, que para a concretização da celeridade processual, garantido a razoável duração do processo, não deve ser observada a simples operação aritmética (lapso temporal), porquanto deve considerar a complexidade do processo, o retardamento injustificado, os atos procrastinatórios da defesa e número de réus envolvidos; fatores que, analisados em conjunto ou separadamente, indicam ser, ou não, razoável o prazo para o deslinde da causa, mediante a busca da “melhor decisão” e mais justa possível, amparada no conjunto probatório produzido.

CITAÇÕES E BIBLIOGRAFIA

[1] BRASIL, Senado. Proposta de Emenda à Constituição nº 15/2011. Art. 5º. Ficam revogados o inciso III do caput do art. 102 e o inciso III do caput do art. 105 da Constituição.

[2] BRASIL, Senado. Proposta de Emenda à Constituição nº 15/2011. Art. 4º. Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data de sua publicação, assegurada a aplicação das regras de processamento e julgamento dos recursos extraordinário e especial àqueles que houverem sido interpostos antes da entrada em vigor da regulamentação a que se refere o art. 3º desta Emenda.

[3] Palavras do Presidente da Associação dos Magistrados do Estado do Rio de Janeiro (Amaerj), Desembargador Antonio Cesar Siqueira. Entrevista retirada da manchete

PEC dos recursos divide opiniões”. Do jornal do Commercio. Publicado em 23/03/2011. Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/noticias/2616340/pec-dos-recursos-divide-opinioes>. Acesso em 08/06/11 às 13:10 horas.

[4] THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil – teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. 50ª ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2009. p. 33

[5] Ibidem.

[6] DIDIER JUNIOR, Fredie. Curso de Processo Civil: Introdução ao direito processual civil e processo de conhecimento. Vol. 1. 13ª Ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2011. p. 64.

[7] PINHO, Débora; ROCHA, Gabriela; ITO, Marina. Índice de reforma de decisões preocupa advogados. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2011-abr-13/pec-recursos-preocupa-advogados-causa-indice-reforma>. Acesso em: 08/06/11 às 14:20 horas.

[8] GARCIA, Roberto Soares. Demora de prisão não pode encurtar processo penal. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2011-jun-07/demora-prisao-pimenta-neves-nao-encurtar-processo-penal>. Acesso em 08/06/11 às 12:40 horas.

 

Felippe Carnelossi Furlaneto é servidor público, bacharel em direito pela PUC-PR, pós-graduado em Direito Aplicado pela Escola da magistratura do Paraná – EMAP/PR

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