Paz e amor

A poucos dias do primeiro turno das eleições, há a idéia generalizada de que o clima entre os candidatos, partidos e coligações deve ser de paz e amor. Ataques já resultaram na renúncia antecipada de Roseana Sarney e, num efeito inverso, a queda do autor dos principais ataques, Ciro Gomes, que foi parar num terceiro lugar nas pesquisas. Essa queda parece ter evidenciado que o eleitorado não deseja baixarias na campanha. Abomina debates que coloquem em primeiro plano pessoas e suposições sobre o que disseram, fizeram, fazem ou farão. O que se espera é a possibilidade de identificar candidatos à Presidência competentes, honestos, confiáveis e com conjuntos de idéias que sustentem programas de governo bons e factíveis. Só há nobreza na discussão de idéias. Discutir pessoas é caminho quase certo para a mediocridade. Por isso, entre os próprios candidatos busca-se a linguagem da urbanidade, como se esse fosse o clima ideal para a disputa, levando o povo à melhor escolha.

Muito embora, neste espaço, por diversas vezes, tenhamos reprovado a linguagem do ataque pessoal malicioso, das denúncias vazias, do levantamento de suspeitas infundadas e de acusações caluniosas, entendemos que essa paz e amor, na campanha, não deve ser ampla, geral e irrestrita. Por quê?

Porque, da forma como se delineia o quadro eleitoral, as opções que se apresentam ao povo são de esquerda e social-democracia, centro, centro-direita, conservadorismo ou mesmo direita, dependendo da ótica de quem analisa. De qualquer forma, o candidato líder nas pesquisas, Luiz Ignácio Lula da Silva, é homem de esquerda. Verdade que, com seu partido, até há pouco expressão de pureza ideológica, fez coligações e acordos eleitorais com forças opostas ao que pregou. E no campo das propostas cedeu bem mais do que seria imaginável, às vezes coincidindo até com as posições conservadoras que sempre condenou.

Verdade também que Serra, Ciro Gomes e Garotinho adquiriram uma coloração rosácea, ora passando-se por sociais-democratas, socialistas de variados matizes, sempre evitando o rótulo de neoliberais ou de direitistas.

Não podemos nos esquecer, entretanto, e não devem esquecer os pretendentes à sucessão de Fernando Henrique Cardoso, que há um abismo na forma de governar das esquerdas e a capitalista, não importam os adjetivos que a qualifiquem. Ou fazermos esquerda-volver, deixarmos tudo como está para ver como é que fica ou nos atirarmos num liberalismo capitalista. É preciso acabar com a paz e amor no que respeita a essas escolhas ideológico-programáticas. Os candidatos e suas equipes devem mostrar que escolherão caminhos diversos, de resultados diferentes e eficiência distinta. No campo das idéias e dos programas, dispensa-se a paz e amor e reclamam-se batalhas e ranger de dentes. Num mundo em que ruiu o comunismo e fracassaram outras experiências socialistas, mas que também experiências neoliberais e a globalização frustraram as esperanças de milhões de pessoas, que estão cada vez mais alijadas social, política e economicamente; num mundo em que os ricos ficam mais ricos e os pobres ficam mais pobres, não se há de dizer que ideologias e programas são dispensáveis ou de somenos e devem ser subtraídos dos debates, em nome da paz e amor. Precisamos escolher o melhor, mas este será o que tenha as melhores idéias e programas. Os que tiverem as piores, não merecem paz e amor.

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