Convivência arriscada

Trem no meio da cidade gera cada vez mais atrito com moradores

Cruzamentos com ferrovias despertam diferentes impressões por parte da comunidade que convive com a passagem dos trens em Curitiba e região metropolitana. O Paraná Online percorreu alguns trechos de grande concentração populacional e constatou junto aos vizinhos de alguns trechos dos 40 quilômetros do ramal ferroviário que os conflitos envolvendo questões de trânsito, ruídos e manutenção dos dormentes dividem força com a nostalgia de quem se acostumou ao modal.

É o caso do aposentado Sílvio Lopes, que há mais de 20 anos reside próximo ao cruzamento entre as ruas Flávio Dallegrave e Simão Mansur, no bairro Barreirinha. “Se um dia a linha sair daqui vou sentir falta, pois aprendi até contar a passagem das horas com o trem. Eles não incomodam, pois o último que passa é por voltas das 22h”, conta.

Já no cruzamento das ruas Padre Germano Mayer e Rua XV de Novembro, no Alto da XV, o aposentado Alcir Jaculiski diz que espera há décadas pela remoção da linha férrea. “Nem acredito mais que um dia vai sair daqui. O pior é que, além do barulho, os dormentes daqui estão todos podres”, reclama. O vendedor de caldo de cana Reginaldo Gomes, que está há seis anos no ponto, revela que clientes maquinistas admitem desacelerar nesse trecho por conta da manutenção inadequada dos dormentes. A concessionária América Latina Logística (ALL), no entanto, informa que segue à risca a taxa de dormentação que mede o cumprimento das exigências cobradas e monitoradas pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT).

No km 21 da Rodovia dos Minérios, no município de Almirante Tamandaré, os vizinhos da linha férrea dizem que se sentem constantemente ameaçados. “É carro que bate no trem e vice-versa, imprudência dos dois lados”, conta a moradora Raquel Porfírio. Outro alvo de reclamação é a sinalização constantemente encoberta por anúncios ou danificada pelos vândalos.

Atropelamentos violentos

As estatísticas sobre atropelamentos ou colisões envolvendo trens são baixas, se comparadas aos demais acidentes de trânsito. De janeiro de 2009 até abril de 2014 foram 100 acidentes, com 82 feridos e 14 mortos na RMC, conforme o Corpo de Bombeiros. Curitiba está no topo do ranking, com 63 acidentes, 53 vítimas e 6 óbitos. Na sequência, aparecem Almirante Tamandaré (16 casos, 14 feridos e uma morte), Piraquara (10 ocorrências, 7 feridos e 3 mortes) e Pinhais (9 registros com igual número de vítimas).

De acordo com o acadêmico de Medicina e colunista da Tribuna e Paraná Online Carlo Valério Andrade, o estigma em torno dos trens se deve à violência do trauma. “Os atropelamentos são extremamente mutilantes. Praticamente todas as mortes ocorreram assim”, destaca. Ele cita que as causas são as mais diversas, entre elas: distração, falta de respeito à sinalização e bebedeira. “Chamou a atenção uma menina de 15 anos que não ouviu a locomotiva, pois estava usando fones de ouvido”, destaca.

Desvios ainda no papel

Distração e imprudência são as principais razões das tragédias, mas a proximidade com a linha férrea é considerada arriscada por especialistas em trânsito. “Desrespeito à sinalização é a principal causa, até porque por lei a preferência é sempre do trem. Só que em relação à segurança, o ideal seria que a linha férrea passasse por fora da cidade”, admite a coordenadora de projetos de sinalização da Secretaria Municipal de Trânsito, Gisele Oliveira.

Em 2011 foi retomado o projeto de mudar o c,ontorno da linha férrea. Atualmente, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) coordena o processo de análise técnica da licitação para a contratação de um estudo de viabilidade técnica, econômica e ambiental. A empresa vencedora terá 270 dias para desenvolver o estudo para solucionar o “conflito ferroviário em Curitiba”. No edital do DNIT já existem algumas alternativas ao traçado para serem avaliadas pelo estudo.