Tragédia não pode ser esquecida

O que sobra de uma guerra? Mais de 60 anos depois de sobreviver aos campos de concentração nazistas, o judeu polonês Bem Abraham, que vive no Brasil e é presidente da Associação Brasileira dos Sobreviventes do Nazismo, continua a cumprir a promessa que fez enquanto esteve em poder dos alemães.

Em sua passagem por Curitiba na semana passada, Abraham, hoje com 85 anos, reforçou a postura que adotou décadas atrás: continuar contando ao mundo tudo o que viveu, para que sua história – como a de milhares de outros – não caia no esquecimento. Para isso, Abraham teve que superar todos os traumas que a 2.ª Guerra Mundial lhe deixou.

Durante cinco anos e meio, Abraham perambulou por campos de concentração e viu de perto fuzilamentos, enforcamentos coletivos, filas de pessoas indo para as câmeras de gás e a fumaça negra expelida de onde as pessoas eram queimadas, quando tinha apenas 14 anos. “Perambulando esfomeado pelo campo eu só pedia a Deus que me permitisse sobreviver para contar ao mundo e alertar sobre aonde um regime totalitário e inescrupuloso pode levar”, conta.

Até hoje é difícil escolher uma lembrança mais forte, entre tudo o que viveu. “Não sei se foi quando vi meu pai morrer de fome, quando fui separado a força de minha mãe ou quando vi cabecinhas de crianças esmagadas contra muros”, diz ele, que passou pelos campos de Brauschweig, Watenstadt, Ravensbruck e Auschwitz. Na noite de 1.º para 2 de maio de 1945 ele foi libertado pesando 28 quilos, com tuberculose e escorbuto.

Com o tempo, complexos, dificuldades para dormir e sustos constantes deram lugar à necessidade que o polonês tinha em relatar tudo o que sentiu durante aquele período. E, mais do que isso, a incapacidade do resto do mundo de deter o que estava acontecendo. Foi por isso que ele escreveu “O mundo silenciou”, que se tornou um livro clássico sobre o Holocausto. “Quando coloquei o ponto final no livro exorcizei todo o meu passado”, diz, aliviado. A partir daí Abraham não parou, escrevendo mais 14 livros sobre o tema.

Mesmo com tamanha atrocidade, Abraham acredita que a humanidade não aprendeu nada depois da 2.ª Guerra. “Camboja, Vietnã, Iugoslávia são apenas alguns exemplos que mostram isso. Quem sabe daqui a algumas gerações a situação possa ser diferente”, cogita. “Entre as guerras, não há diferença, são todas desumanas. Só que no nosso caso, não só judeus, mas também ciganos e outras raças consideradas inferiores nem lutamos de antemão e fomos todos condenados à extinção. Isso nunca aconteceu nos anais da história antiga até a contemporânea”, compara ele.

Abraham é um dos 1,5 mil habitantes que restaram na sua cidade natal, Lodz, na Polônia, onde antes da guerra viviam 225 mil pessoas. Sua mãe foi enviada à câmara de gás e, de 200 membros de sua família, ele só voltou a ver um tio e dois primos, que como ele sobreviveram.

Marco para os direitos humanos

Foi só depois das atrocidades cometidas na 2.ª Guerra Mundial que se começou a pensar na aplicação de direitos humanos, o que culminou com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948. Políticas ou programas governamentais voltados ao tema são ainda mais recentes. Na última semana, pela primeira vez o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou dados sobre os direitos humanos, inclusos no Perfil dos Municípios Brasileiros 2009 (Munic 2009).

A pesquisa mostrou que o Paraná está entre os dez piores estados brasileiros em formulação de política, plano ou programa de direitos humanos, com menos de 10% dos municípios com alguma iniciativa nesse sentido, o que corresponde a 38 dos 399 municípios. O Estado conta ainda com 116 cidades para receber denúncias de violação dos direitos humanos, o que na maior parte deles é feito por telefone.

A maioria dos municípios paranaenses não po,ssui uma estrutura específica para a área dos direitos humanos, que existe geralmente subordinada a uma outra secretaria municipal. Entre os grupos específicos aos quais as ações se destinam, verifica-se uma preocupação maior com as crianças e os adolescentes, seguidos pelos idosos e pelas mulheres.