Pouca água e desperdício em excesso

Hoje, no Dia Internacional da Água, não há muito o que se comemorar. Mesmo com a evidência de que esse recurso é finito e está em iminente risco de escassez, muito pouco se tem avançado em ações efetivas para sua preservação e melhor distribuição. Um relatório das Nações Unidas sobre o desenvolvimento dos recursos hídricos no mundo – levantamento feito por 24 agências do sistema da Organização das Nações Unidas (ONU) -, divulgado no início deste mês, revela que gestões equivocadas, recursos limitados e mudanças climáticas têm trazido sérios problemas. Atualmente, um quinto da população mundial não tem acesso à água potável e 40% não dispõem de condições sanitárias básicas.

Segundo o relatório, o objetivo do Desenvolvimento do Milênio – pacto assinado por mais de 150 países, que prioriza a eliminação da fome e da extrema pobreza no planeta até 2015 – não será atendido se as tendências persistirem. Uma prova disso é um estudo feito pela Organização Mundial da Saúde (OMS) que estima que 1,1 bilhão de pessoas ainda não têm acesso a fornecimentos adequados de água potável. De acordo com o estudo, "a má gestão, a corrupção, a falta de instituições apropriadas, a inércia burocrática e a carência de novos investimentos na capacitação humana, assim como em infra-estrutura física" são responsáveis por esta situação. A má condição da água também é outro fator, pois em 2002 cerca de 3,1 milhões de pessoas morreram de doenças relacionadas à malária e diarréia – 90% eram crianças com menos de cinco anos.

O relatório aponta ainda que 90% dos desastres naturais são relacionados à água, e estão aumentando. Isso está relacionado o desmatamento de florestas e exploração excessiva do solo.

Cobrança

Dos 3% das reservas de água doce do planeta, 13% estão no Brasil. Por ter uma visão de abundância, aliada à grande dimensão continental do País, a impressão de inesgotabilidade vem sendo passada, sem que se pense que o recurso é escasso. A taxa de desperdício no Brasil também é grande – chega a 70% -, o que atesta ainda mais a despreocupação da população. O professor do Departamento de Hidraúlica e Saneamento da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Ary Haro acredita que a falta de água será sentida, de maneira geral, em no máximo 30 anos.

Apesar de avaliar que a população está informada sobre o tema, e indicar algumas iniciativas, mesmo que remotas, para o uso consciente, Haro acredita que a escassez do recurso poderá ser palco de muitos conflitos. "Quando faltar água, será a lei da oferta e demanda, e esta competição pode ser paga através de guerras ou genocídios", ponderou. O professor entende que o desafio nesse momento é conscientizar as pessoas e investir em tecnologias, "para que se possa absorver que o desperdício vai custar caro".

E esse custo deverá começar a ser pago no Paraná a partir desse ano. A secretaria do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Sema) e a Superintendência de Recursos Hídricos e Saneamento Ambiental (Suderhsa) já anunciaram que o uso da água será cobrado, isentando apenas o setor agropecuário – que utiliza água para atividades de irrigação, piscicultura e outras finalidades não industriais. Os demais usuários, como grandes indústrias, cooperativas e estatais, deverão pagar uma taxa unitária de cobrança, que ainda será definida. Essa cobrança, diz o governo, é um alerta para toda a sociedade que a água não é um bem inesgotável.

Parte dos recursos adquiridos com a nova taxa devem ser aplicados na própria bacia hidrográfica de origem. Esse tipo de cobrança pelo direito de uso da água é um instrumento de gestão que já é utilizado na Europa desde os anos 60. No Brasil, foi introduzido pela Lei das Águas de 1997 e vem sendo aplicada nos estados do Ceará, Rio de Janeiro e na bacia do rio Paraíba do Sul. No Paraná, três bacias estão programadas para iniciar a cobrança: a bacia do Alto Iguaçu e Alto Ribeira, na Região Metropolitana de Curitiba, na bacia do rio Tibagi (cuja extensão abrange Ponta Grossa até Londrina) e na bacia do rio Jordão, na região de Guarapuava. Estima-se que somente na bacia do Alto Iguaçu a arrecadação chegue a um montante de quase R$ 25 milhões.

Águas subterrâneas são o próximo alvo

A exploração das águas subterrâneas (aqüíferos) como uma reserva estratégica vem ganhando corpo. Elas são cerca de 100 vezes (10.360.230 km cúbicos) mais abundantes do que as águas dos rios e lagos (92.168 km cúbicos) e sua utilização tem sido apontada como uma alternativa viável, sobretudo quando as águas da superfície se tornam cada vez mais poluídas.

De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no Brasil, as reservas de água subterrânea são estimadas em 112 mil km cúbicos e abastecem cerca de 61% da população para fins domésticos (6% se auto-abastece das águas de poços rasos, 12% de nascentes ou fontes e 43% de poços profundos).

Pelo Paraná passa um dos maiores aqüíferos do mundo, o Guarani, que cobre uma superfície de quase 1,2 milhão de quilômetros quadrados, com aproximadamente 46 mil quilômetros cúbicos de água. Ele abrange quatro países: Brasil, Paraguai, Uruguai e Argentina – 70,2% de sua extensão está em solo brasileiro, estando presente em oito estados.

Apesar dessa abundância, é preciso olhar com cuidado a exploração desses recursos. Quem faz o alerta é o diretor do curso de Engenharia Ambiental da Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Paraná, Carlos Mello Garcias. "Temos que pensar que as águas subterrâneas são os últimos recursos, e se não cuidarmos das águas da superfície e esgotarmos também as dos aqüíferos, podemos colocar em risco a vida sobre a terra", ponderou.

Segundo Garcias, a população já demonstrou que não cuida da água da superfície, utilizando-a em excesso para fins não nobres, como por exemplo, lavar o carro e dispensar no vaso sanitário. Por isso, ele diz que é preciso enfatizar que, apesar das águas subterrâneas serem de boa qualidade, não se pode abandonar as águas de superfície, pois em um curto período a situação do abastecimento será irreversível. (RO)

 

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