Moradores e dono disputam áreas na Vila Araguaia

Na Vila Araguaia, no Capão da Imbuia, em Curitiba, moram 585 famílias, de acordo com a Companhia de Habitação (Cohab). Muitas delas estão lá há quase 20 anos – já construíram casas, sobrados ou fizeram outros investimentos. Apesar de ser uma vila consolidada, trata-se de um loteamento clandestino. De boa ou má-fé, essas pessoas compraram um problema. Problema este que não é só delas, mas também do verdadeiro dono do terreno, de mais de 130 mil metros quadrados.

Em tanto tempo de ?briga? e ?emaranhado?, difícil definir quem tem direito ao quê. Os moradores da área reconhecem que o proprietário Júlio Reginato tenha direito sobre a área e vice-versa. No entanto, nenhuma das partes abre mão. Dessa maneira, a situação está em litígio pelo menos desde o início dos anos 90. Na questão já intervieram o Estado, Prefeitura e até Ministério Público. Muitos políticos fizeram campanha no local, mas até hoje nada foi feito de concreto para resolver a situação. Logo, a ?batalha? diária fica mesmo entre moradores e proprietário.

Alceu Madureira, de 69 anos, mora na Araguaia há pelo menos 13 anos. ?Eu comprei esse terreno. Paguei R$ 4 mil ou R$ 5 mil, quando aqui ainda era banhado e não tinha nada?, diz ele, mostrando o contrato de compra e venda da época. Ele reclama que, apesar de pagar, durante todos esses anos ele vive sob pressão. ?De uma hora para outra eles podem vir aqui e nos tirar de nossa própria casa, nosso próprio investimento, como fizeram na semana passada?, completa.

Segundo ele, era um bom negócio na época, mas ?é horrível passar todos esses anos preocupados com isso?.

Alceu conta que Reginato, proprietário da área, sempre tenta fazer acordo, para que alguns moradores paguem pelo lote que ocupa e resolva a situação. ?No entanto, ele não nos dá nenhum documento. Ele promete o documento de cada lote, queremos mais que todos acertar e resolver essa situação de uma vez por todas. Acredito que temos algum direito, pois estamos aqui há mais de dez anos?, completa o morador.

Além dos que acertaram e dos que não acertaram com o proprietário, na área tem outras situações: os que alegam ter comprado o usucapião e os que entraram na Justiça com embargos de terceiros (ou seja, que têm direito à indenização de todo investimento feito no lote). Este é o caso do morador Antônio Razera, que está na área há 14 anos. ?Todo mundo que está aqui comprou. Não tem invasores aqui. Se o Reginato é o verdadeiro proprietário eu quero acertar, mas se ele nos der o documento. É direito dele, mas também precisamos de garantias?, afirma.

Tudo começou em 1984, diz proprietário

Foto: Fábio Alexandre

Reginato: impostos.

O proprietário da Vila Araguaia é Júlio Reginato. Assim como esta, a família tem outras três grandes áreas na mesma situação: Vila Autódromo, Florianópolis e Nossa Senhora Aparecida. Sobre a Araguaia ele conta que o problema começou em 1984.

?Nessa época, apareceu um senhor (Mário) que foi até a área, pediu junto ao cartório uma certidão de que não tinha dono e, conseguindo em primeira instância o usucapião, entre 1989 e 1990 começou a lotear e vender uma porção do terreno. Entramos com processo contra ele e, em 1995, conseguimos, em última instância, derrubar o usucapião dele?, continua.

Nesse meio tempo, em 1992, segundo Reginato, uma segunda pessoa, Iduilda de Souza, começou a fazer a mesma coisa: lotear e vender terrenos na vila. Contra ela, a família entrou com pedido de reintegração de posse cuja reposta, favorável ao proprietário, saiu na mesma época. Ou seja, muitas pessoas poderiam ter sido despejadas do local, pois a posse foi reconhecida. ?A área toda está sob litígio. Em 1999 cumprimos 20 reintegrações e, desde lá, muitos aceitaram fazer acordo?, afirma Reginato.

O proprietário compara a compra dos terrenos com a compra de um carro roubado. ?As pessoas que lá estão compraram algo sem documento. Reconheço que eles têm direitos, mas estamos dispostos a indenizá-los. A situação atual é que o loteamento está sendo aprovado pela Prefeitura, sairão os registros de imóveis individualizados?, cita.

Reginato conclui que a intenção, desde o início, era ter a área vazia de volta. ?Desde a ocupação pagamos os impostos dos terrenos sozinhos. É uma situação cômoda para os moradores: eles não pagam, mas têm luz, água, esgoto. Quero que o loteamento seja aprovado, para deixar de ser dono da área para parar de pagar impostos?, diz.

Processo burocrático e complicado

Sobre as intervenções na área, o assessor especial do Estado para assuntos de Curitiba, Doático Santos, diz que ele ?apenas ajuda os moradores a organizar um comitê de regularização fundiária da vila, para discutir um plano de regulamentação?. Segundo ele, ?a ocupação ali é consolidada. É impensável, hoje, a remoção das famílias?. Doático ainda afirma que a Cohapar, órgão do Estado, esteve em contato com os moradores da área, porém a companhia não confirma essa participação.

Apesar dessa intervenção, a área é de responsabilidade municipal. Na Cohab, o terreno está sendo atendido como loteamento clandestino. ?O proprietário de uma área loteia e vende para famílias, sem ter o projeto aprovado pela Prefeitura. Ou seja, a área loteada continua a ter somente o registro como gleba única. Isso é crime?, explica o órgão.

O processo, portanto, está tramitando de forma diferenciada, fora do plano de regularização fundiária, por não se tratar de área invadida. Ainda, de acordo com informações da Cohab, em 2005 foi montada uma Comissão de Regularização de Loteamento (CRL), junto a diversas secretarias, para resolver a situação. O processo ainda está em trâmite. A Cohab classifica o processo como ?burocrático e complicado?.

Voltar ao topo