Golpe com boletos deixa entidades alertas

Entidades de classe no Paraná reclamam que seus associados estão sendo vítimas de um golpe que se utiliza da distribuição indiscriminada de boletos bancários. O golpe se caracterizaria por organizações que se fazem passar por alguma associação legítima para que empresários e comerciantes paguem boletos emitidos nos valores de até R$ 700 a título de ?pagamento anual?, ?contribuição empresarial? ou ?acompanhamento jurídico?. A cobrança já acontece desde o ano passado em outros estados, como São Paulo e Minas Gerais, e agora chega ao Paraná.

A campeã de reclamação é a Associação Comercial e Empresarial do Brasil (Aceb), com sede em São Paulo. Segundo Alan Pilon, consultor jurídico da entidade, a Aceb tem o objetivo de suprir as necessidades de seus associados em consultorias de diversos setores, como marketing e contabilidade, e só envia boletos de ?contribuição empresarial facultativa? para associados. Quem não for associado, receberia o boleto juntamente com uma mala-direta, que traria todas as informações sobre o órgão.

Porém, a reportagem de O Estado constatou que não é isso que está acontecendo. Afiliados de pelo menos duas entidades de classe no Paraná receberam boletos de cobrança da Aceb sem nunca terem ouvido falar na associação. ?Existem reclamações chegando às associações comerciais de vários estados e a suspeita é de que seja um golpe que vem sendo aplicado em empresários e lojistas de todo o País há mais de um ano?, afirma o gerente administrativo da Associação Comercial e Industrial de Foz do Iguaçu (Acifi), André Luis Tenerello.

Os boletos, emitidos pela Caixa Econômica Federal, vem no valor de R$ 188,50. Tenerello avisa que a Aceb não tem relação com a Confederação das Associações Comerciais e Empresariais do Brasil e, portanto, não há nenhuma razão para que o empresário pague esse boleto. Segundo o gerente, a preocupação é que os associados paguem o boleto acreditando tratar-se de uma cobrança legítima. ?A orientação é de que os empresários não paguem o título, em hipótese alguma. Caso contrário, terão prejuízos?, avisa.

?Infelizmente alguns afiliados pagaram e se quiserem reaver o dinheiro terão que entrar na Justiça?, diz o diretor executivo da Federação das Empresas de Transportes de Cargas do Estado do Paraná (Fetranspar), Sérgio Luiz Malucelli. Ele conta que, desde o mês passado, empresários ligados à federação estão recebendo uma enxurrada de boletos indevidos. ?Eu considero a atividade uma fraude porque a Aceb usa um nome que induz à pessoa ao erro, fazendo com que ela pense que se trata de algum recolhimento formal. Assim, ele paga sem questionar a origem da cobrança?, afirma Malucelli.

Os boletos enviados aos filiados da Fetranspar trazem ainda um campo com a sigla CNA e um telefone de São Paulo, que na opinião de Malucelli, seria outro artifício fraudulento. ?A pessoa recebe e pensa que é alguma entidade ligada à Confederação Nacional de Agricultura e Pecuária. Pura picaretagem?, acusa.

Outro lado

De acordo com o consultor jurídico da Aceb, os empresários que recebem o boleto estão sendo convidados a se associar e, com isso, poderão receber consultorias. Além disso, a Aceb também ofereceria cursos e outros serviços para os associados, como por exemplo a consulta ao SNPC. ?Esses boletos são facultativos. Caso não haja interesse, basta desconsiderar a cobrança?, afirma Alan Pilon. O Estado teve acesso a boletos, que não apresentam o termo ?facultativo?.

?O envio de cobranças facultativas é uma estratégia amplamente reconhecida, lícita e utilizada por inúmeras empresas de grande importância no mercado brasileiro. O único intuito é facilitar a vida dos empresários que desejarem se associar. Revistas e jornais, por exemplo, distribuem boletos para assinatura por todo  o Brasil, sem que sejam acusados de golpe?, rebate Pilon. Ele acrescenta que as reclamações ocorrem quando algumas instituições se sentem ameaçadas pela presença de uma associação como a Aceb, que, por ser desvinculada de qualquer órgão público ou partido político, seria ?independente?.


Aceb alega que a cobrança de R$ 188,50 é facultativa, mas os boletos
não trazem essa informação. (Reprodução)

Ministério Público investiga o envio de boletos no Paraná e em São Paulo

Foto: Fábio Alexandre/O Estado

Vilela: ofensa em massa.

O Ministério Público de São Paulo informou que cuida de aproximadamente dez inquéritos envolvendo esse tipo de envio de boletos. O promotor de Justiça e Defesa do Consumidor do Ministério Público do Paraná, João Henrique Vilela, revelou que também investiga uma associação que envia boletos indevidamente.

?A impressão que dá é que se trata de uma ofensa em massa, onde são emitidos muitos boletos na expectativa de que alguém pague?, afirma o promotor. O conselho, diz Vilela, é que, se desconfiar de alguma cobrança, a pessoa entre em contato com sua entidade de classe para saber do que se trata. Ele também aconselha quem se sentir lesado a procurar os órgãos competentes para denunciar a ação. Como os valores dos boletos são relativamente baixos – entre R$ 150 e R$ 300 -, a maioria das vítimas não se sente estimulada a denunciar ou recorrer ao Judiciário.

Caso sejam julgados, os responsáveis pelo envio dos boletos podem ser classificados como estelionatários e, se condenados, estarão sujeitos a penas de um a cinco anos de reclusão.

O Estado consultou a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) para saber o que as instituições financeiras podem fazer em caso de detectarem que boletos estão sendo emitidos para as fraudes. De acordo com a assessoria de imprensa do órgão, a comissão de segurança da federação ainda não tinha conhecimento do problema e aconselhou as vítimas a fazerem denúncias aos bancos emissores dos boletos.

A Confederação das Associações Comerciais e Empresariais do Brasil (Cacb) tem feito alertas em seu site para manter os empresários atentos, enquanto outras medidas não são tomadas já que, indiretamente, também é prejudicada. Muitos dos boletos têm como cedentes nomes parecidos, como Associação Comercial e Empresarial do Brasil, Assessoria Comercial do Estado de São Paulo e Associação Nacional da Indústria e Comércio, justamente para confundir o empresário.

Outra modalidade envolve o Inpi

A reportagem de O Estado apurou que ao menos outra modalidade da distribuição de boletos está sendo aplicada em empresários paranaenses. Pessoas ligadas à Confederação Nacional em Propriedade Industrial entram em contato telefônico com empresários que acabaram de abrir seus negócios e informam ser ligados ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi).

Após o contato, os empresários, após pedirem o registro de marcas e patentes, recebem um boleto no valor de R$ 420 referente a ?taxa de atualização de dados cadastrais e agilização do pedido de registro?. A taxa não existe. Em outra forma da fraude, o empresário é informado de que existe algum problema em seu registro e recebe um boleto no valor de R$ 700 a título de acompanhamento jurídico.

O Inpi pôs em sua página na internet um aviso sobre as cobranças indevidas, avisando que a Confederação Nacional em Propriedade Industrial, Primaster Marcas e Patentes S/C Ltda. e União Brasileira de Marcas e Patentes Ltda. não são representantes do órgão e não podem efetuar cobranças em nome do instituto.

O Inpi adverte que estas empresas não são cadastradas como agentes da propriedade industrial pelo Instituto e que somente o próprio interessado ou um agente da propriedade industrial devidamente cadastrado ou advogado inscrito por uma regional da OAB podem praticar atos perante o instituto.

A reportagem entrou em contato com as empresas citadas, mas não obteve resposta.

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