Brincadeira garantida

Especialistas dão dicas para pais não abreviarem infância dos filhos

Brincar é tão importante que é reconhecido como direito fundamental de cada criança pela Alta Comissão do Direitos Humanos da ONU e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA): “toda criança tem o direito de brincar, praticar esportes e divertir-se”. Mas vários fatores têm abreviado o período da infância e suas brincadeiras, entre eles o avanço tecnológico e a exposição às mídias. Especialistas ouvidos pela Tribuna concordam que a tecnologia pode trazer benefícios, mas ressaltam que os pais precisam colocar limites na utilização dos equipamentos para não barrar o desenvolvimento do filho.

Na avaliação do psicólogo Marcos Meier, escritor e mestre em educação, a criança de hoje sofre uma “síndrome” de dificuldade de identificação, pois em vez de ser criança simplesmente, é vista por pais e sociedade como uma “semideusa”, o que resulta em crianças adultizadas, hipersexualizadas, hiperetiquetadas, hiperaparelhadas e hiperconectadas. “Falta espaço para brincar, fazer nada, direito de não saber e momentos de brincar consigo mesma. Precisamos resgatar a criança que está dentro de cada criança!”, opina, destacando que “a criança que não teve oportunidade de ser criança acaba tendo comportamentos infantilizados na vida adulta, não suportando críticas ou opiniões contrárias, por exemplo”.

Meier frisa que a criança precisa pintar, cortar, montar, subir, descer, pular, esconder-se, correr, desenhar, rolar, dar cambalhotas, criar e toda uma série de brincadeiras em que possa interagir com o corpo todo e com o ambiente. “O mundo é tridimensional, não é uma tela. Quanto mais a criança experimentar estímulos diferenciados, mais ela desenvolve os sentidos e, consequentemente, sua capacidade de perceber, aprender e amadurecer. A postura passiva diante de muitos aparelhos eletrônicos impede que isso aconteça”.

Para ele, “não dá para eliminar o uso da tecnologia, mas é urgente a necessidade de alertar aos pais que criança parada em frente a um aparelho tecnológico que lhe entrega tudo freia seu desenvolvimento”. Por isso, defende que os pais atrasem ao máximo o uso do smartphone pelas crianças. “Se não for possível, deve-se limitar sabiamente seu uso e não liberar irresponsavelmente”.

Felipe Rosa
Especialistas dão dicas pra que pais não abreviem o período de infância dos seus filhos.

Tem que participar!

“Brincar é absolutamente essencial ao desenvolvimento; as brincadeiras contribuem para a qualidade e bem-estar cognitivo, físico, social e emocional da criança”, resume a psicóloga Lidia Weber, doutora em Psicologia Comportamental e professora da UFPR. Pesquisa da UFPR revela que 70% das crianças que apresentavam sintomas de estresse tinham pais que passavam pouco tempo com elas e brincavam pouco. “As crianças não nascem sabendo brincar, os pais devem dar modelos”.

Ela recomenda que os pais limitem o tempo dos pequenos na frente da TV e games. “Tempo demais na frente da TV produz obesidade, notas piores na escola, habilidades sociais pobres, problemas de sono, entre outros, dizem pesquisas internacionais. TV é igual chocolate: é ótimo se o produto é de boa qualidade e precisa ser consumido em pequenas porções…”.

Diversão forma cidadãos

Os equipamentos eletrônicos são esquecidos rapidamente quando chega o momento de brincar no Centro Municipal de Educação Infantil (CMEI) Estação Barigui, na CIC. E não é por menos, pois o espaço onde os peque,nos se divertem oferece tudo que as crianças mais desejam: brinquedos variados, todos à disposição, sugeridos e até criados por elas mesmas e para usar como elas quiserem. Situação que está se tornando rara diante da concorrência dos eletrônicos e das agendas de atividades cada vez mais concorridas.

O nome do cantinho onde os alunos de até cinco anos de idade podem brincar à vontade se chama “Brincanto”, uma mistura de brincadeiras e encanto. Foi criado para estimular a mente das crianças. “No mesmo espaço temos boxes onde os educadores escolhem junto com as crianças o que vai acontecer. As crianças escolhem e as educadoras montam os espaços”, explica a diretora da unidade, Tânia Regina de Oliveira Alves. Toda área é colorida e oferece diversas opções, como brincar de casinha, de dona de casa ou num consultório médico. Também é possível brincar com bola, carrinhos, oficina mecânica, posto de gasolina ou o que der vontade na hora.

Felipe Rosa
Tânia: após implantação do Espaço Brincanto, alunos se tornaram mais confiantes e motivados.

Motivação

A iniciativa está em funcionamento desde o começo do ano e já conseguiu bons resultados, com alunos mais confiantes e motivados. A ideia de Tânia surgiu após recomendação da Secretaria Municipal de Educação, que propõe para a rede foco em variadas iniciativas de desenvolvimento na Educação Infantil, entre elas estimular a interação e brincadeiras entre diferentes idades.

“O brincar é a principal forma de expressão das crianças, é um meio de apropriação da cultura, que representa as funções sociais e os grupos sociais”, afirma a diretora do departamento de educação infantil da secretaria, Maria da Glória Galeb. “A criança não é mera reprodutora de cultura, mas se apropria dela e faz sua interpretação”.

Na prática, isso prova que se aprende brincando, uma vez que de forma lúdica o ensino se torna mais prazeroso, como também são criados cidadãos. “É preciso dar um significado para aprendizagem, causar uma experiência”, defende Maria da Glória. “Esta é uma fase de maior elasticidade cerebral das crianças, é a fase da formação humana e assim estimulamos a autoestima, o desenvolvimento da identidade, da autonomia”.

Direito legal

Assim como as atividades nos CMEIs estimulam a participação dos pais nas brincadeiras das crianças, o projeto “Brincadiquê? Pelo Direito ao Brincar”, realizado pela Rede Marista de Solidariedade, também defende o envolvimento da comunidade neste que é um direito garantido por lei.

A iniciativa atua na formação de educadores e familiares. “Eles devem incentivar e promover em todos os momentos brincadeiras com as crianças. É preciso brincar junto, construir jogos”, destaca a responsável pelo projeto, Sheila de Souza Pomilho. De acordo com ela, a brincadeira, além de atuar no aprendizado, é uma forma de expressão, uma linguagem cultural dos pequenos. “É um direito que estava adormecido e que deve ser resgatado”, afirma.

A isto também se soma o cuidado com valores que são passados às crianças, como questões relacionadas ao consumo e vestuário, que podem trazer características de adultos antes do momento correto. “A brincadeira é fundamental por dar oportunidade de troca entre gerações, para que elas se desenvolvam de forma integral, e também tendo contato com diferentes brinquedos e materiais. É importante deixar que isto se prolongue por toda a infância”.

Confira as entrevistas completas com os psicólogos Marcos Meier e Lidia Weber.

Clique aqui Dr. Marcos Meier.

Clique aqui Dra. Lidia Weber.