Deficientes vivem a face mais cruel do desemprego

Se o mercado de trabalho já é difícil normalmente, chega a ser cruel com o portador de deficiência, seja física, auditiva, visual ou mental. Mesmo com a lei federal que obriga empresas com mais de cem funcionários a incluir deficientes ou reabilitados do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) em seu quadro, o que vemos é uma fila de portadores de deficiência em busca de emprego.

No Paraná, a Secretaria de Estado do Trabalho e Promoção Social registrou no ano passado 3.776 portadores de deficiência inscritos no banco de dados à procura de trabalho. Desses, 1.003 foram colocados no mercado, enquanto outros 2,7 mil continuam à espera. O interessante é que, em 2003, havia oferta de 2.705 vagas. Ou seja, cerca de 1,7 mil delas não foram preenchidas.

“Recebemos diariamente oferta de empregos por parte das empresas. O problema é que falta escolaridade, qualificação por parte dos portadores de deficiência”, explica Cleuza Carlesso Ormeneze, supervisora do Programa da Pessoa com Deficiência (PDD), da Secretaria do Trabalho. “Há vagas até para engenheiros, professores de ensino médio, enfermeiros, mas não temos esses profissionais em nosso banco de dados”, conta Cleuza.

Em Curitiba, foram inseridos no mercado de trabalho no ano passado 311 deficientes. Desses, 189 eram deficientes físicos, 80 auditivos, 30 visuais, 11 mentais leves e um na categoria “outros”. “Nosso trabalho é o de orientar nossa clientela. Uma das exigências que as empresas fazem é o conhecimento das funções”, explica, acrescentando que é a Agência do Trabalhador quem avalia as atividades que o deficiente é capaz de desenvolver.

Com relação à conscientização por parte das empresas, Cleuza explica que muitas desconhecem a importância de inserir deficientes em seu quadro de funcionários. “Outras já estão se agilizando, fazendo adequações para cadeirantes”, diz. Para ela, mais importante do que cumprir a lei é sensibilizar os empresários e demais funcionários. “Através da secretaria, fazemos palestra nas empresas para sensibilizá-los sobre como receber o deficiente, como trabalhar com ele.”

Sem alfabetização

De um lado estão as empresas, que oferecem vagas a portadores de deficiência, desde que eles tenham escolaridade, capacitação. De outro, estão os deficientes, que além de tentar um emprego, lutam para superar os preconceitos da sociedade. O problema é que para alguns, escolaridade chega a ser “artigo de luxo”. É o caso dos deficientes mentais, cuja grande maioria sequer é alfabetizada. “Mais da metade não é alfabetizada, não sabe escrever o nome, a data de nascimento”, revela Dinéia Urbaneck, pedagoga da Escola de Educação Especial Ecumênica.

Para ela, no entanto, nem por isso o deficiente mental deixa de desempenhar bem a função de empregado. “As empresas exigem escolaridade – no mínimo o ensino fundamental -, mesmo para quem vai desempenhar trabalhos repetitivos. Isso é contraditório porque quem tem o 1.º grau (ensino fundamental) já não é considerado deficiente mental”, critica.

Entre as características principais dos deficientes mentais no trabalho estão a dedicação, o cumprimento do horário, a responsabilidade, valorização do emprego. “Quem tem solicitado muito o trabalho dos portadores de deficiência mental são os supermercados, para a função de empacotador. É um trabalho repetitivo, que eles desempenham bem. Também conquistam as pessoas facilmente, especialmente pela espontaneidade”, conta Ellen Penteado, coordenadora do programa Educação Profissionalizante, da Escola Ecumênica.

Serviço:

Os portadores de deficiência que querem se cadastrar na Agência do Trabalhador devem ir pessoalmente ao local, munidos de carteira de trabalho. Endereço: Rua Pedro Ivo, 744, centro. Horário: de segunda a sexta, das 7h30 às 18h30.

Lei que garante vagas esbarra em vários fatores

Empresas privadas e públicas com mais de cem funcionários que não incluírem em seu quadro portadores de deficiência ou reabilitados do INSS estarão sujeitas à multa de até R$ 99 mil, conforme a portaria federal de 30 de maio de 2003. No Paraná ainda não há autuação nesse sentido, segundo a auditora fiscal do trabalho e coordenadora do Núcleo Pró-Igualdade, Regina Joana Oleski.

“Nossa intenção não é autuar, mas chamar a empresa para conversar, firmar um termo de compromisso”, explica Regina. O percentual de portadores de deficiência obrigatório em uma firma varia de 2% a 5%, conforme o número total de funcionários. Além do problema da capacitação, ela diz que outro entrave para busca do emprego é o benefício concedido pelo INSS aos impossibilitados de ingressar no mercado de trabalho. Como quem tem o registro em carteira perde o benefício, muitos preferem não trabalhar.

Aceitação

Para o presidente da Associação dos Deficientes Físicos do Paraná (ADFP), Mauro Nardini, o grande desafio do portador de deficiência é quanto à aceitação. “Além da obrigação legal, a aceitação como ser humano. Mesmo porque a maioria dos deficientes físicos não nasceu assim”, diz Nardini, referindo-se à própria experiência. Há três anos, ele sofreu um acidente de caminhão e desde então, está em uma cadeira de rodas.

Nardini lembra que o portador de deficiência tende a se empenhar mais, por ter sempre que mostrar que é capaz. “E é aí que se supera”, aponta.

Júnior Ongaro, 23, vice-presidente da Associação, é um entre milhares de deficientes físicos que tiveram que mudar de ramo. Até o acidente de moto ocorrido em 2000, que o deixou paraplégico, Júnior era encarregado de produção na área de serigrafia. Hoje, atua como web-designer. “Eu já tinha cursos nessa área, mas para voltar ao mercado de trabalho, tive que me especializar”, conta.

Linguagem de sinais pode facilitar a vida dos surdos

A psicóloga Rita de Cássia Maestri, 46 anos, é um exemplo de que é possível superar obstáculos e se colocar no mercado de trabalho, mesmo com deficiência. Surda desde os dois anos de idade, por conseqüência de meningite, Rita de Cássia estudou quase a vida toda em escola comum.

Aos 18 anos de idade, foi aprovada no vestibular de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Passou na 12.ª posição e se graduou. Um mérito para a garota que fez todo o curso apenas com a leitura labial. “A faculdade, na época, não oferecia a linguagem de sinais”, conta a mãe, Erica Maria Maestri.

Desde que a filha perdeu a audição, dona Erica diz que tem se dedicado a ajudar os surdos e seus familiares. Em Curitiba, fundou a instituição A Voz do Silêncio, que trabalha com os limites e as potencialidades dos surdos e ainda faz a ponte para o mercado de trabalho. “A principal dificuldade dos surdos é a comunicação. Também falta preparo, capacitação, muitas vezes por culpa da própria família, que deixa de lado o surdo ou o superprotege”, aponta Erica, acrescentando que um dos papéis da instituição é também trabalhar com os familiares.

Atualmente, há cerca de 800 surdos cadastrados no banco de dados da instituição, à espera de vagas no mercado de trabalho. Outros 68 estão trabalhando, graças a convênios firmados com empresas como os Correios, Tortuga, UnicenP, Kraft, entre outros.

Linguagem dos sinais

A assistente social da A Voz do Silêncio, Andréa Luiza Corralinho Braga, conta que uma das bandeiras da instituição é a luta pela obrigatoriedade de intérprete em sala de aula. “A linguagem de sinais já é reconhecida no Brasil, mas muitas instituições resistem em aplicá-la em sala de aula. Isso é muito ruim, porque são poucos os surdos que sabem fazer a leitura labial”, afirma Andréa.

Alessandra Silva Fogaça, 22, surda desde que nasceu, concorda. Através de sinais, ela explica que a leitura labial é difícil de ser entendida. Alessandra é auxiliar de escritório, trabalha desde 1999 e conta que um de seus objetivos é ensinar a língua dos sinais a outras pessoas. “Pouquíssimas pessoas conhecem essa linguagem”, lamenta.

Entre as atividades que os surdos mais têm habilidade, segundo a assistente social, são trabalhos manuais ou que exigem concentração. “Eles têm dificuldade em atendimento ao público, mas de modo geral podem desenvolver qualquer atividade, como informática, psicologia, habilidade visual, artesanato”, explica Andrea.

Voltar ao topo