Decisão do TRF reacende a polêmica sobre bingos no Paraná

Uma decisão ainda não publicada do Tribunal Regional Federal (TRF) da 2.ª Região reacendeu a discussão sobre a legalização dos bingos no Paraná. Curiosamente, a liminar – julgada no último dia 16 de maio e que favoreceu dois estabelecimentos em Curitiba – saiu de um tribunal que a priori tem jurisdição apenas sobre Rio de Janeiro e Espírito Santo. Acontece que no processo as casas paranaenses constam como filiais de bingos cariocas. O desembargador que concedeu a liminar se recusa a comentar a decisão até que essa seja publicada, pois a decisão envolveria uma grande quantidade de bingos em todo o País. A publicação deve acontecer amanhã ou quarta-feira.

Mal a notícia foi divulgada na última semana e os donos dos estabelecimentos já começaram a tomar providências para a reabertura, o que provocou reação da Secretaria de Estado de Segurança Pública, que colocou viaturas policiais estacionadas em frente às duas casas que teriam sido beneficiadas em Curitiba. ?Bingo não abre mais no Paraná?, afirmou o procurador geral do Estado, Sérgio Botto de Lacerda. O governo estadual ainda não havia sido notificado da decisão até o final da semana, motivo pelo qual os donos dos estabelecimentos devem ter atrasado uma possível reabertura. De qualquer maneira, o procurador geral já avisou: ?Abrindo qualquer bingo, a polícia fecha?.

O aviso remete ao final de 2003, quando dois bingos na cidade foram fechados após apenas duas horas de funcionamento, ancorados por alvarás expedidos pela Prefeitura. Como houve resistência por parte de funcionários e até mesmo apostadores, a poícia chegou até a utilizar bombas de gás. Em janeiro deste ano, outra casa conseguiu uma liminar, mas nem chegou a abrir as portas e a PM a fechou novamente.

O imbróglio começou em 2002, quando o ex-governador Jaime Lerner decretou uma lei regulamentando o jogo no Estado. Em abril de 2003, um decreto do governador Roberto Requião suspendeu a decisão estadual anterior, tornando os bingos ilegais. O governo federal editou em 2004 a Medida Provisória 168, que proibiu de vez o jogo no País. Os empresários do bingo recorrem à Justiça e o governo, ao menos no Paraná, sempre consegue derrubar qualquer decisão contrária. ?Como estávamos amparados por um decreto estadual, nenhum empresário se preocupou em conseguir uma liminar na esfera federal. Por isso, o Paraná é o único Estado da federação onde nenhuma das casas continua aberta?, pondera o presidente do Movimento Pró-Bingo, Carlos Canto.

Segundo um levantamento da entidade, existem cerca de 1,1 mil bingos em todo o Brasil e aproximadamente 600 funcionando com liminares. Cinqüenta por cento deles estão em São Paulo. Segundo a Associação Brasileira de Bingos (Abrabin), o público diário dos bingos varia de 500 a 1,5 mil pessoas por casa. A categoria lucraria cerca de R$ 20 milhões por mês e geraria, direta e indiretamente, pelo menos 320 mil empregos.

Decadência

As disputas judiciais levaram dezenas de empresários que investiram no setor à bancarrota. Basta dar uma volta por alguns dos bairros mais prósperos de Curitiba para encontrar mega-construções erguidas num País em que os cassinos são proibidos, e onde os bingos tomaram emprestado o glamour de Las Vegas. Só que hoje o glamour cedeu espaço a estacionamentos, academias e lojas de departamento. Alguns donos de bingo teimam na Justiça em reabrir, e seus estabelecimentos são apenas lembranças mal-cuidadas da legião de adeptos que enchiam suas grandes salas, variando em idade, sexo e condição financeira.

Legalização do jogo encontra resistência

Para o secretário de Estado da Segurança Pública, Luiz Fernando Delazari, motivos não faltam para manter os bingos fechados. ?Os bingos eletrônicos, disseminados pelo Brasil ao longo da última década, representam verdadeiros refúgios para a atuação de comerciantes inescrupulosos, policiais corruptos que fazem vistas grossas para a ilegalidade e até alimentam algumas redes de narcotraficantes. O que deveria ser um meio de propagação de lazer e, principalmente, um captador de recursos para injetar dinheiro no esporte, infelizmente tornou-se uma fonte inesgotável de arrecadação ilegal?, diz.

O secretário continua seu ataque, afirmando que, ao contrário do que os empresários do setor afirmam, os bingos não seriam empresas multiplicadoras de empregos. ?O número de famílias destruídas em decorrência da dependência do jogo supera, e muito, os poucos postos de trabalho gerados pelos bingos.? Ele cita como exemplo uma associação criada em Curitiba nos mesmos moldes dos Alcoólicos Anônimos, que dá suporte às pessoas que se viciaram em bingos e máquinas caça-níqueis.

Uma pesquisa do Ambulatório do Jogo Patológico, da Universidade de São Paulo, descobriu que, a partir do boom das casas de bingo, em 1998, o número de pessoas compulsivas por jogos cresceu mais de cinco vezes na cidade de São Paulo – sendo os bingos e máquinas caça-níqueis responsáveis por nada menos do que 78% desse incremento.

O presidente do Movimento Pró-Bingo, Carlos Canto, pensa diferente: o empresário acredita que os compulsivos que não estiverem nos bingos estarão em outros jogos na internet, por telefone ou pela TV. Segundo ele, o projeto de regulamentação do setor apresentado pela Federação Brasileira dos Bingos (Febrabingo) ao governo federal prevê um fundo destinado ao tratamento de compulsivos.

A Febrabingo defende ainda a idéia da realização de um plebiscito a respeito dos bingos para que a população decida. Mas aí o tiro pode sair pela culatra: um levantamento da Secretaria de Pesquisa e Opinião Pública do Senado, realizado durante a CPI dos Bingos, constatou uma grande resistência à legalização desse tipo de jogo. Apenas 19,3% dos entrevistados declararam-se a favor da legalização das casas de bingo e das máquinas caça-níqueis. Se o jogo fosse legalizado, apenas 15,2% disseram que freqüentariam os locais de aposta. Disseram-se indiferentes à legalização 30% dos entrevistados e 48,2% foram contra a idéia.

Empresários mudam de ramo

Carlos Canto era sócio em dois desses empreendimentos. Depois que foram fechados, ele começou a se dedicar ao que chama de ?conscientização da população para a importância do jogo legalizado?. No ano passado, simultaneamente à abertura da CPI dos Bingos – finalizada na semana passada e que investigou suspeitas do uso de casas de bingo para a prática de crimes de lavagem de dinheiro – o empresário iniciou o Movimento Pró-Bingo e divide hoje seu tempo entre Curitiba e Brasília. ?A maioria do empresariado que investiu nos bingos não suportou pagar aluguéis, encargos e o custo jurídico de manterem seus negócios. Ou quebraram ou migraram para outras áreas?, conta.

Para Canto, um fator pouco lembrado é que a maioria desses empresários teria sido atraída por promessas de governo em investir na área. ?Só se botou dinheiro porque acharam que era hora de legalizar o jogo. Em seguida se proibiu. E isso em nome de uma desonestidade nunca comprovada?, argumenta. ?A proibição dos bingos acabou com 120 mil empregos, mais incontáveis indiretos. O governo deixa de ganhar R$ 2,5 bilhões por ano em impostos.? Para Canto, o resultado da CPI dos Bingos é uma amostra disso. ?O relator (senador Garibaldi Alves – PMDB-RN) queria aconselhar a reabertura das casas no relatório final. Não conseguiu, mas ao menos já existe a sinalização de se analisar e discutir a questão. Queremos sim que o mau empresário, o criminoso, pague, mas não se pode penalizar todo um setor por conta de alguns.?

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