Pacote socialista de Chávez pega população de surpresa

Quarenta e oito horas depois da terceira posse de Hugo Chávez na presidência da Venezuela, o país ainda se recupera do susto. Compreende-se. Não é todo dia que um chefe de Estado rompe o formalismo vazio dos discursos de posse para avisar ao eleitorado que decidiu mudar o regime econômico do país a partir de três palavras duras e trágicas: ?Pátria, socialismo ou morte?.

A impressão em Caracas, partilhada por cidadãos humildes que se definem como eleitores fanáticos de Chávez e também intelectuais de ar sisudo, envolve uma dúvida essencial. Ou Chávez pronunciou um dos grande blefes da história sul-americana, já riquíssima em afirmações demagógicas dessa natureza, ou fez um pronunciamento que marca uma travessia grave e histórica, equivalente ao discurso de 1961 em que Fidel Castro rompeu com os Estados Unidos e anunciou a adesão de Cuba ao socialismo.

Ontem, Chávez passou o dia fora, em visita a Nicarágua, onde participou dos festejos pela posse do sandinista Daniel Ortega – a quem entregou uma réplica da espada de Simón Bolivar. Em Caracas, a população discutia o que vai acontecer com o país daqui para a frente. Organizada em torno de Manoel Rosales, candidato vencido por Chávez em dezembro, a oposição decidiu dar início a uma ?mobilização nacional? contra o ?Estado socialista?. Um oposicionista lembrou que ?não se falou em socialismo durante a campanha, mas em metrô e investimentos para a saúde?.

O rumo deste debate é difícil de prever. Nas palavras de um executivo brasileiro que vive há três anos na Venezuela, ?os eleitores de Chávez são fanáticos como nunca se viu. Sabe nossas torcidas de futebol em dia de final no Maracanã? É daí para mais?.

O Estado ouviu um desses eleitores, ontem, em Caracas. ?Chávez é super?, dizia ele, um vendedor ambulante, brinco na orelha, que vendia mexericas, pêssegos e maçãs numa das saídas do metrô. ?Ele cuida dos pobres. Temos dinheiro, posto de saúde. Tínhamos 5 milhões de pessoas sem estudar. Agora, até são pagas para ir à escola?, acrescenta, referindo-se ao Bolsa Família venezuelano. Ele compara a situação da Venezuela com a Colômbia e afirma: ?Nossa situação é muito melhor. Além de tudo, lá eles têm guerrilha, droga…?

Mesmo esse eleitor-torcedor dá um sorriso amarelo quando se pergunta pela alteração constitucional que pode permitir a Chávez concorrer a toda reeleição que desejar. ?Aí eu não gosto? afirma, com o sorriso de quem enxerga uma esperteza exagerada nessa idéia. E o socialismo? ?Não sei.

?Sou contra o socialismo. Sou democrata?, explica uma arrumadeira que trabalha no centro da capital. ?Chávez fez coisas boas mas não respeita quem não gosta dele.

Uma emissora de TV que decidiu fazer uma enquete sobre o assunto recolheu opiniões a favor e contra, mas concluiu que a maioria dos eleitores preferia dizer que não tinha acompanhado o discurso. Não é bem isso. A posse foi transmitida em todos os canais e a visão de ?Pátria, Socialismo ou Morte? foi o tema da primeira página dos jornais de ontem. Chávez voltou a repetir essas palavras na Nicarágua, numa cena que também foi exibida ao vivo na Venezuela.

As dúvidas sobre o efeito concreto das medidas anunciadas pelo governo envolvem mesmo parlamentares da base governista que, graças a um boicote dos adversários, levou 100% das cadeiras da Assembléia Nacional. Chávez fez tantas promessas e anunciou tantas novidades nas 2h40 de seu discurso de posse que, segundo uma reportagem do jornal El Nacional, um deputado chegou a comentar: ?Ainda não consegui entender com clareza todos esses termos novos.

A verdade é que mesmo empresários que ganharam muito dinheiro graças a um ano de crescimento espetacular, como 2006, têm receio de realizar investimentos no país – em função das incertezas que rondam os negócios.

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