Ousadia andina

?Ainda é cedo para aquilatar todas as conseqüências da decisão boliviana, anunciada em 1.º de maio de 2006, de nacionalizar seus recursos de hidrocarbonetos e tomar 51% das propriedades das empresas que operam na área de petróleo e gás na Bolívia, bem como apropriar-se da produção dessas empresas.?

Com esta advertência iniciava-se o artigo assinado por Sebastião do Rego Barros, presidente do Conselho Consultivo do Instituto de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV), na edição de junho da revista Conjuntura Econômica, uma das publicações mais prestigiadas nos meios empresariais e acadêmicos do País.

O comentário de Barros se reveste de maior lucidez, ante a recente medida do governo Morales de transformar a Petrobras numa prestadora de serviços, além de não indenizar a empresa pelas instalações que a mesma adquiriu em território boliviano por US$ 110 milhões. A decisão, diante da reação imediata do governo brasileiro e demais países esbulhados, foi ?congelada?, segundo o linguajar sui generis adotado por La Paz. Não se pode negar, no entanto, notórios percalços no atribulado caminho escolhido por Evo Morales, com a renúncia do ministro dos Hidrocarbonetos, o radical de esquerda Andrés Solíz-Rada.

Mesmo com o adiamento cauteloso, a medida de Morales foi motivo de aplauso dos 118 países membros do Movimento dos Não-Alinhados, no encontro realizado em Cuba na semana passada. Como era de se esperar, um dos documentos finais se solidarizou com a determinação, reconhecendo o direito do referido país de ?exercer uma soberania plena sobre seus recursos naturais em benefício de toda a população?.

No artigo de Barros, entre outras afirmações, ficou explícita a maneira pouco convincente com que o governo Lula tratou a questão: ?A reação do governo do Brasil ante o agressivo ato político e a nacionalização, verdadeira expropriação de bens de uma empresa nacional, foi alvo de críticas generalizadas. Foi considerada não só tíbia, mas também politicamente inapropriada, tanto interna quanto externamente?.

Sem fazer vaticínio alarmista, Barros escrevia, entretanto, que o Brasil não terá como libertar-se da dependência do gás boliviano no curto prazo: ?Se houver corte do suprimento, hipótese pouco provável, mas que não se pode abandonar, o ônus no futuro imediato para o Brasil será grande. Nosso País tem, porém, a possibilidade de, até fins de 2008 ou início de 2009, estar produzindo internamente o que hoje importa da Bolívia?. E expunha um ponto de vista mais que premonitório: ?É difícil prever o que acontecerá, pois o comportamento boliviano está fortemente impregnado de conteúdo populista e nacionalista?.

Um dos mais importantes jornais da América Latina, O Estado de S. Paulo, no editorial de domingo, mais uma vez lamentou a ?escassa importância política do Brasil na ordem mundial?, encarecendo que as promessas estatizantes do então candidato Evo Morales, ?desde que ele nacionalizou as operações da estatal brasileira, em 1.º de maio, agregando-se à decisão a bravata subdesenvolvida – e humilhante para ?seu irmão mais velho? Lula – de ocupar militarmente as instalações da empresa, Brasília devia estar preparada para um repique como o desta semana?.

Lula terá de chamar às falas o ?irmão mais novo?.

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